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A Vila que virou Metrópole. Foto antiga da Igreja Matriz. Fonte: Acervo do Centro de Memória, SCJ, PMSBC

 

História não é letra morta, uma sequência de fatos descritos de forma objetiva e sucessão de eventos que diz respeito ao passado. História é processo, é construção, é o movimento, é devir, é conhecimento do que somos enquanto sociedade.

No processo do fazer histórico, nos deparamos com a construção de narrativas e autorrepresentações que aparecem de forma homogênea e hegemônica, muitas vezes eliminando, apagando, outras vozes. Nesse sentido, costuma-se entender que aqueles que dispõem dos meios econômicos e do poder político em uma determinada época também possuem os meios para interpretar e impor uma representação dos eventos, do discurso, com consequências concretas sobre o mundo.

Por isso, muitas vezes, ouvimos que as páginas dos livros são marcadas pela história dos “vencedores” (do ponto de vista econômico e político)[1], afinal foram eles que dominaram, escravizaram e usurparam as riquezas desta terra, nos levando o ouro, devastando nossa floresta, subjugando os povos originários que aqui viviam há tempos, trazendo outros tantos povos escravizados para sucumbir nos tumbeiros, nos porões dos navios negreiros, a produzir à exaustão, sob cruéis castigos, e dizimando nossa população nativa com suas doenças. Dessa forma, é preciso compreender que a resistência desses povos originários e escravizados é uma história que não pode ser apagada, invisibilizada ou reduzida de forma dicotômica.

A nossa história de exploração e violência caminha junto com nossa história de resistência, de força, de organização e de construção. Somos feitos de sangue, lágrimas, mas também de muito suor, de tudo que fomos capazes de construir em meio à brutalidade. Fomos capazes de semear o chão, de construir outros caminhos de entendimento, de enfrentar e dialogar, de celebrar em muitas línguas, de festejar, de unir e lutar. O que vemos hoje, ao olhar ao redor, é fruto da potência da diversidade, nem sempre de convivência amistosa, mas certamente fruto também da persistência de viver e, por vezes, sobreviver.

O que chamamos de história da nossa São Bernardo do Campo, esse pedaço de mundo que habitamos e que nos habita, é na verdade uma multiplicidade de histórias em relação: são as histórias de povos, de pessoas, de agrupamentos humanos, de famílias. História não apenas de homens ilustres e livres, de proprietários e empresários, de fatos políticos, de construções, fábricas e casarões, mas história tecida no cotidiano de resistência, por mulheres operárias, homens escravizados, indígenas dizimados, moradores/as de morros e favelas, de imigrantes e migrantes. Uma história que se conecta com o contexto mundial e nacional, que apresenta suas especificidades locais, que nos faz ter consciência de qual lugar ocupamos nessa trajetória da história marcada de encontros e confrontos culturais[2], e nos coloca diante de um compromisso com o presente, com consequências para o futuro.

 

Olhemos ao redor: o que vemos hoje na cidade que habitamos, em que circulamos, em que trabalhamos e vivemos? Olhem para o horizonte, conseguem ver a serra ainda verde, aquela mesma serra que era um obstáculo intransponível em outros tempos? Sabem quantas águas estão debaixo das avenidas por onde circulamos, nossos rios sufocados pelo asfalto? Têm conhecimento de como era nosso território antes da construção da Represa Billings? De quantas histórias estão submersas, das razões e impactos dessa obra para nossas vidas hoje? O que nossa história nos conta sobre nossa configuração urbana, sobre os bairros em que vivemos, as ruas em que circulamos e sobre os problemas urbanos que hoje enfrentamos? E qual a consequência e motivação para a construção de uma rodovia que nos corta ao meio? Como chegamos a ser uma das cidades mais importantes deste país, com participação econômica significativa? Quantas paisagens foram interrompidas pelos altos edifícios e que nos impedem de enxergar outras fronteiras? Quais histórias foram apagadas, que não foram contadas, e por quais razões?

Enfim, conhecer e se apropriar da história é ter consciência das ações humanas em determinado tempo/espaço, para nos localizar nesse processo e desenhar novas possibilidades de acordo com as condições materiais deste nosso tempo. Parafraseando Lévi-Strauss, a história é "boa para pensar", para refletir, inclusive, sobre os limites da nossa própria experiência. Vocês estão convidados a ler o texto, decolonizar[3] o pensamento, refletir sobre múltiplas temporalidades e, ao final, olhar novamente para o horizonte: o que nós somos capazes de ver agora e de transformar?

Fonte: SECOM, 2017 e Acervo do Centro de Memória, SCJ, PMSBC

 

É a partir da ocupação do território, no século XVI, que a nossa história local passa a ser contada em forma de registros variados. O evento selecionado, que inaugura a nossa narrativa social, é a formação do que seria a primeira vila do planalto. Conforme relatado por Gentil de Assis de Moura, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (vol. XIV, de 1909), “nenhum dos povoados extinctos do Brasil mereceu a opinião tão controversa sobre o local de sua situação como a villa de Santo André da Borda do Campo”.

Aldeia Indígena Guarani

Foto: Nilson Sandré, SMA, PMSBC, 2014

 

PARA SABER MAIS: “É nessa região, de ligação entre o litoral e o planalto, que possuímos nossas trilhas milenares e onde fizemos diversas aldeias. E apesar de todo impacto gerado pelos jurua [aqueles que tem cabelo na boca] nos tempos recentes, como a construção de ferrovias e o desmatamento para a produção de carvão que marcaram o início do século XX, seguimos com nossas aldeias nesse território, e que hoje está finalmente demarcado: A Terra Indígena TenondéPorã. Um território que serve de lar não só para nós, que nascemos e crescemos aqui, mas para todos os nossos parentes guarani, que mesmo espalhados pela Yvyrupa [leito ou plataforma terrestre], seguem atravessando as fronteiras criadas pelos jurua – algo que sempre fizemos desde antes da chegada deles –, garantindo a circulação das famílias guarani no pouco que restou das matas que há milênios habitamos”.https://tenondepora.org.br/

 

 

A data da fundação da Vila de Santo André da Borda do Campo, por João Ramalho, em 08 de abril 1553, é considerada o ponto de partida para se contar a história oficializada de São Bernardo do Campo. História que, portanto, tem como demarcação temporal os primeiros tempos da colonização no Brasil, da conquista do Novo Mundo no cenário mundial, do contato dos que aqui desembarcavam e dos que aqui viviam. Até os dias de hoje essa representação de nós mesmos está inscrita na bandeira do município (adotada desde 1952): de um lado a representação dos bandeirantes, colonizadores, e de outro, dos povos indígenas.

A “escolha” deste momento, pode ser objeto de reflexão por nós, afinal, como veremos, poderíamos contar a história a partir de múltiplos marcos e eventos, variados em relação à representação e compreensão de quem somos. Talvez essa diferença - o fato de ser a primeira vila de que se tem registro no planalto paulista-, seja uma marca que mereça distinção nos registros que buscam por nosso “passado mais remoto”. Essa escolha revela uma perspectiva, que nos diz muito sobre nossa concepção de “nós”.

Mas é preciso que se diga que não é o fato de ocupar o território que nos funda, mas o valor que se atribui a essa ocupação.  Já é sabido e difundido que as terras eram povoadas e habitadas pelos povos originários muito antes da chegada dos colonizadores portugueses e dos clérigos da Companhia de Jesus.

Quando os futuros colonizadores aqui desembarcaram certamente se depararam com um grande obstáculo, quase intransponível: a Serra do Mar, repleta de perigos de toda ordem, íngreme, cujos caminhos eram desconhecidos. No planalto também encontraram rivalidades entre os povos originários, grupos Guaranis (Carijós) e também grupos jês, como os Guaianás, Maromomis e Kaingangues, além dos Tupiniquins e Tupinambás, inimigos ferrenhos que, durante uma parcela dos séculos XVI e XVII, mantiveram-se em guerras sangrentas. Tais rivalidades foram apropriadas pelos portugueses, que conquistaram aliados entre os Tupiniquins e, com eles, uma aproximação que possibilitou a exploração e dominação do território, bem como a formação de uma mão de obra escravizada, fruto destes embates entre grupos rivais (em geral entre tupis contra os kaingangues). Embates que tornavam os que perdiam prisioneiros de guerra – mão de obra que foi considerada fundamental para o trabalho árduo desde os primeiros tempos da colonização. É nesse contexto que João Ramalho (que se uniu à filha de Tibiriçá, Bartira, Tupiniquim) torna-se presença marcante nos tempos de exploração e dominação do território e dos povos.

Um cenário certamente marcado por tensões, conflitos e guerras. Em 1560 a vila é transferida, segundo alguns registros, em função também dos ataques dos índios carijós.

Nos dias de hoje, uma porção do território (15.969 hectares) é reservada aos povos indígenas, a Terra Indígena Guarani Tenondé Porã, na Região Metropolitana de São Paulo. Em São Bernardo do Campo existem duas aldeias (tekoa) Guarani Mbya: TekoaGuyrapaju e TekoaKuarayRexakã, localizadas na Região do Pós-Balsa (bairro Curucutu).

 

Para além da localização de uma primeira vila de colonizadores no planalto, nosso território é descrito como um lugar de passagem, de ligação entre o litoral e São Paulo. Por nossos caminhos antigos, traçados pelos povos originários, chegavam ao planalto os missionários e colonizadores- posteriormente trafegavam mulas carregadas, pela calçada do Lorena, e veículos pela Estrada da Maioridade (que deu origem ao atual Caminho do Mar).

Há vários caminhos antigos na Serra do Mar de grande relevância histórica, não apenas para nós, que aqui vivemos nestas terras de passagem, mas para a história do Brasil. Do trecho da Serra de Paranapiacaba, os caminhos escorrem pela serra buscando o rio Cubatão (margens do Rio Mogi), rios que encontram rios até o mar. Pelos vales do Rio das Pedras e do Perequê, segundo Benedito Lima, a serra abrigou “diversas vias e restos de caminhos” por onde circulavam povos originários e os primeiros colonizadores. O caminho do Padre José, uma trilha de traçado aproximado, percorrida pelo próprio Padre Anchieta, foi “praticamente ligação única, por séculos, com o planalto”, até a construção da Calçada do Lorena, entre os vales, no século XVIII.

Foram os estudos de Benedito Lima de Toledo que nos trouxeram informações precisas sobre esse primeiro caminho pavimentado construído em 1792. A Calçada do Lorena foi obra dos oficiais do Real Corpo de Engenheiros de Portugal, uma construção muito avançada para a época, mesmo para padrões europeus, construída em pedras e com traçado em ziguezague. A estrada teria sido percorrida por D. Pedro I, na viagem memorável de 7 de setembro de 1822, e seria conhecida por ser a Estrada da Independência. Saiba mais fazendo uma visita guiada ao Parque Estadual da Serra do Mar ou clicando aqui.

 

Calçada do Lorena - Núcleo Caminhos do Mar

Fonte: foto de Adriana Mattoso, https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/pesm/ acessado em 10/06/2020.

 

A Calçada do Lorena recebe o nome do governador da capitania de São Paulo (1788- 1798) que teve a iniciativa de construir o caminho, Bernardo José Maria de Lorena, e significou um marco para a nossa inserção no comércio internacional, uma vez que rompia com nosso isolamento em razão das péssimas condições das trilhas naturais, percorridas por indígenas que faziam o transporte de produtos e pessoas no próprio lombo, e possibilitava a circulação das tropas de muares, por onde escoavam os nossos produtos: tabaco, algodão e especialmente o açúcar. Mas também significou um marco tecnológico, pois apresentava um plano de execução – pouco usual segundo Benedito de Lima-, baseado em um mapa topográfico.

O resultado foi uma estrada que não cruzava nenhum curso d´água (o que é difícil em uma área com alto índice pluviométrico e repleta de riachos, quedas d´água, pequenas cascatas) e vencia os obstáculos, também a partir do uso de lajes de pedra, que mais dificultavam a passagem pelos caminhos (antes trilhas que se percorria a pé), como as enxurradas, lama que provocava atoleiros, precipícios. Uma grande e admirável obra da engenharia para vencer a Serra do Mar.

Em 1840, um outro caminho passou a ser construído, a Estrada da Maioridade, e a Calçada do Lorena foi sendo, aos poucos, deixada de lado, até ser definitivamente abandonada com a construção das estradas de ferro. A Estrada da Maioridade foi construída no período de elevação ao trono de D. Pedro II e foi percorrida por ele em 1846.A construção das ferrovias, pela implementação da São Paulo Railway, na segunda metade do século XIX, também levou ao progressivo abandono dessa estrada imperialEm 1867 seria entregue ao tráfego a estrada de ferro de Santos a Jundiaí, escoando e exportando o café produzido pelo Porto de Santos.

Segundo Benedito Lima, o traçado da Estrada da Maioridade foi adaptado posteriormente, já no governo de Washington Luís, “para o tráfego de automóveis, recebendo o nome atual de Caminho do Mar (...) O traçado do Caminho do Mar é uma herança da época imperial, adaptado à era rodoviária”. Também relata um fato curioso e que nos dá a dimensão e significado do que vivenciamos hoje e no passado: “A primeira viagem de automóvel entre São Paulo e Santos foi empreendida nos dias 16 e 17 de abril de 1908, tendo demorado 37 horas”, situação que melhorou um pouco (ao menos um trecho, de São Paulo ao Alto da Serra), com a reforma da Estrada do Vergueiro, em 1913, por Arthur Rudge Ramos.

No planalto, a Estrada do Vergueiro era o caminho percorrido após a subida da serra no século XIX. “Vergueiro elaborou um traçado inteiramente novo no trecho entre a cidade de São Paulo e o alto da serra”, que, conforme relato de Benedito Lima, partia do Largo da Pólvora, passava pela Vila Mariana, Meninos, São Bernardo, Varginha, Zanzalá e Alto da Serra, e que fora concluída em 1864, “a primeira estrada de rodagem da antiga província de São Paulo”, da qual a atual rua Vergueiro é remanescente[4], às margens da qual também se localizava, desde 1717, a fazenda dos Beneditinos e a capela dedicada a São Bernardo, cuja sede ficava entre o Ribeirão dos Meninos e o antigo Caminho de Mar (próxima ao local onde hoje se encontra a confluência das avenidas Vergueiro e Kennedy).

 

 

 

Na atual Marechal Deodoro, via de comércio no centro da cidade de São Bernardo, ainda há réplicas dos marcos da antiga Caminho do Mar, provavelmente no mesmo local onde se localizavam os pedágios que foram instalados para financiar a reforma da estrada, denominada Caminho do Mar.

Por esses caminhos, por essas passagens, circulavam produtos e mercadorias, ideias, valores, mulheres e homens escravizados, e criava-se toda uma estrutura para essas empreitadas. Assim surgiam novos serviços, novos espaços (ranchos e entrepostos) e novas relações sociais. Pequenos agrupamentos humanos e vilas iam se formando.

A constituição de uma vila, portanto, desde a transferência da primeira, em 1560, para São Paulo de Piratininga, vai se fazendo em sintonia com a construção dos caminhos e passagens abertos pela nossa inserção no sistema econômico mundial a qualquer tempo.

Anos mais tarde, outro caminho construído teve importância central para nosso desenvolvimento econômico, urbano e transformação social, a construção, em 1947 da Rodovia Anchieta, inaugurando um outro marco para a cidade, para o país, e para nossa inserção no sistema econômico mundial, e sobre o qual trataremos adiante.

 

 

PARA SABER MAIS: “A aquarela ao lado [acima] retrata a região central da Freguesia de São Bernardo em 1827 e é o mais antigo registro iconográfico da região. Sua autoria é atribuída a Charles Landseer, membro da comitiva do embaixador inglês Charles Stuart, que, neste ano, passou pelo Caminho do Mar, em viagem a São Paulo. Na imagem podemos ver parte do trecho da atual Rua Marechal Deodoro que fica entre a Rua Dr. Fláquer e a Rua Padre Lustosa, o Largo da Matriz – a inauguração da Igreja aconteceu em 1825 - e o prosseguimento da via na direção norte

Fonte: Centro de Memória, SCJ, PMSBC - https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/sao-bernardo-na-decada-de-1820 - Uma nota no referido texto alerta que existe ainda uma outra versão desta imagem, produzida no mesmo momento, com autoria atribuída a William Burchell, outro membro da mesma comitiva. Acessado 05/06/2020.

 

Desde a antiga vila transferida para São Paulo de Piratininga, a constituição da fazenda dos Beneditinos em nosso território no princípio do século XVIII é, sem dúvida, um outro marco para se pensar a formação de um núcleo de povoamento no período colonial. Talvez, muitos de nós que circulamos pelo território nem saibamos que a sede da fazenda se localizava próxima ao atual trecho de confluência das avenidas Vergueiro e Kennedy, entre o Ribeirão dos Meninos e o Antigo Caminho do Mar, como descrito em trabalhos historiográficos. A área ocupada pela fazenda era uma sesmaria, que havia sido doada por Miguel Aires Maldonado aos monges, em 1637. Mas foi efetivamente ocupada quase 100 anos depois, quando em 1717 foi ordenada a construção de uma capela dedicada a São Bernardo, e que hoje nomeia nosso município. Saiba mais acessando o texto produzido pelo Centro de Mémória da nossa cidade, clique aqui

 

 

Boa parte do movimento de tropeiros, que circulava de São Paulo a Santos pelo Caminho do Mar, concentrava-se ao redor dessa sede. Assim, um povoado vai se formando e crescendo em terras que pertenciam à Ordem dos Beneditinos, cuja área só seria desapropriada no final século seguinte, no processo de formação dos núcleos coloniais em 1877. Com o crescente número de pessoas e famílias, a procura por serviços religiosos regulares era cada vez mais demandada e, em 1805, a capela que pertencia aos monges beneditinos transformou-se em uma capela curada, sob determinação do Bispo Diocesano Dom Mateus de Abreu Pereira. Tal interferência das autoridades diocesanas foi considerada indevida pelos monges, uma vez que a capela se encontrava em terras particulares. Mesmo assim, em 1812, foi criada a Freguesia de São Bernardo do Campo, cuja paróquia foi instalada provisoriamente na fazenda dos beneditinos, mas que não resistiu às pressões dos religiosos, sendo transferida para uma nova área.

Antes de instalar-se definitivamente em um terreno cedida pelo lavrador Manuel Rodrigues de Barros, onde até hoje conhecemos como o Largo da Matriz, foi sugerida a instalação em área nas proximidades do Km 20 da Anchieta, mas o terreno era descrito como “instável”, e não foi considerado adequado para a instalação da nova matriz da Freguesia. Foi assim que, às margens do Caminho do Mar (atualmente a Rua Marechal Deodoro), por onde passava os que transitavam com destino a Santos, ergueu-se em 1814 a Capela Nossa Senhora da Boa Viagem e, posteriormente, foi construída a Igreja Matriz, inaugurada em 1825.

Foi a partir deste núcleo de povoamento que se iniciaram os primeiros traçados do espaço em que hoje circulamos, a rua Padre Lustosa, Rio Branco, Santa Filomena, e outras, com o primeiro arruamento em 1833. Abaixo uma planta cadastral de 1902:

 

Planta Cadastral da Villa de São Bernardo do Campo

Fonte: Acervo do Centro de Memória, SCJ, PMSBC

 

 

A elevação de Freguesia de São Bernardo à município só iria ocorrer em 12 de março de 1889. Mas os limites do município englobavam uma área diferente da atual São Bernardo, tal qual conhecemos hoje[5]. Em novembro de 1938 o interventor Adhemar de Barros decreta a transferência da sede do município para o antigo distrito de Santo André (criado em 1910), rebaixando São Bernardo a distrito e elevando Santo André à categoria de município.

A partir de então, uma luta pela nossa emancipação passa a ser articulada por um grupo de empresários, comerciantes, e outros segmentos da população, que se reuniam para discutir a autonomia do município. Sob liderança e influência política de Wallace C. Simonsen (banqueiro, empresário e proprietário de uma chácara na cidade) criou-se a Sociedade dos Amigos de São Bernardo, com o objetivo de construir a luta política pela emancipação, conquistada definitivamente em 1944. Em janeiro de 1945 instala-se o gabinete do primeiro prefeito de São Bernardo do Campo, Wallace C. Simonsen. Para mais informações, consulte os materiais disponibilizados clicando aqui

 

 

Para termos dimensão das mudanças em nosso território ao longo do tempo, lembremos que na década de 1820 a atividade agrícola, predominantemente voltada para subsistência, constituía a atividade econômica da maioria da população e atividades artesanais tradicionais (carpinteiro, ferreiro, serrador, etc.) estavam presentes em 14,6 % dos domicílios, enquanto o comércio, em apenas 2,6 % dos domicílios (1827). Jacobine (2012) destaca que “uma atividade econômica bastante significativa e característica da região era o aluguel de animais para transporte de mercadorias entre Santos e São Paulo, exercido pelos chamados tropeiros, ofício que se associava ao próspero ciclo econômico da cana de açúcar no interior do estado”.

O trabalho de homens e mulheres escravizados era amplamente presente na região, particularmente nas seis maiores fazendas, que ocupavam 25% do território. Para se ter uma ideia, em 1822, 22,4 % da população era escravizada.

 

PARA SABER MAIS: JACOBINE, Rodolfo Scopel. A Freguesia de São Bernardo: aspectos socioeconômicos da região do ABC Paulista entre o tempo colonial tardio e a alvorada do Império. 2012. 69p. Artigo inédito, arquivado na Biblioteca Nacional e no Centro de Memória de São Bernardo do Campo.

 

No final do século XIX a fazenda dos monges foi desapropriada (1877) e linhas coloniais foram instaladas. Naquele momento, como descreve Piratininga Júnior (1991), os descendentes de escravizados saíram da senzala eclesiástica. Também era o momento da chegada de um significativo volume de imigrantes, especialmente italianos, mas não só, que vinham para ocupar os lotes coloniais criados pelo governo imperial e distribuídos pela Comissão Estadual de Colonização, que diferenciava lotes de terrenos rurais e urbanos.

Com a chegada dos imigrantes, a população se multiplicou, intensificou-se o cultivo da terra- apesar de toda sorte de dificuldades enfrentadas pelos que aqui chegavam-, e impulsionou o desenvolvimento de atividades urbanas, tais como comércio, prestação de serviços e indústrias artesanais:

No caso da sede do Núcleo Colonial São Bernardo, fundado em 1877, à tais circunstâncias se somaram, na década de 1890, a proximidade com a capital paulista – então em fase de crescimento populacional extraordinariamente acelerado – e com a estrada que a ligava ao porto de Santos. Com este ambiente propício, a indústria local praticamente surgiu durante esta década, inicialmente tendo sua expressão mais significativa através das fábricas de charutos”. (Coluna Você Sabia? – Centro de Memória SBC)

Para saber mais sobre as antigas fábricas de charuto da cidade, clique aqui.

Funcionários da Fábrica de Charutos A Delicia, de Ítalo Setti, 1904

Fonte: Acervo do Centro de Memória, SCJ, PMSBC

 

 

 

Mapa da Sede do Núcleo Colonial de São Bernardo do Campo, 1870-1880

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo

 

Aos poucos, a ocupação do território foi se alterando com o surgimento de pequenas fábricas de bebidas, tecelagens, fabricação de carvão, mas, principalmente, o aparecimento de indústrias de móveis e serrarias. No entanto, a implantação da Estação de Ferro (1867), localizada no distrito de Santo André, passa a mudar a correlação de forças políticas e econômicas entre as duas cidades, uma vez que a participação de indústrias de maior porte no distrito (Rhodia e Pirelli), beneficiadas por incentivos fiscais, acelerou o crescimento do distrito, enquanto aqui a base era de fábricas e empreendimentos de pequeno e médio porte, de base familiar. 

A chegada dos imigrantes e das primeiras indústrias alteraram a vida na vila. A instalação das 15 linhas coloniais, que depois irão dar origem a bairros em que muitos de nós moramos hoje, bem como o surgimento das primeiras fábricas, como as serrarias e tecelagens, levou à derrubada de matas, devastação, abertura de ruas, alargamento e correção de estruturas viárias, edificações, enfim, decisões no campo político, com impactos em termos econômicos e ambientais.

Rua Marechal Deodoro, década de 1890

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

 

 

 

Vista da região central de São Bernardo do Campo, anterior a 1902

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

 

No século XX, a criação da Represa Billings para geração de energia elétrica constitui-se como uma ação de enorme impacto para a população, a economia e o meio ambiente na região. Núcleos coloniais foram submersos na inundação da área, em 1927. Com o crescimento da população nas décadas seguintes, o reservatório foi destinado ao abastecimento público. Falamos um pouco mais sobre a Represa Billings aqui.

 

 

Em 1906 já havia mais de 150 famílias assentadas nesses lotes. Porém a evolução populacional da área seria bastante afetada pela construção da Represa Billings entre 1927 e 1935, que causou a inundação parcial ou integral de mais de duzentos lotes, localizados nas terras mais baixas, nos vales dos rios Grande, Pequeno e Capivari, que concentravam boa parte das atividades agrícolas locais. Além disso, moradores antigos chegaram a relatar que a represa afetou até o clima local, tornando-o mais úmido. Indenizadas pela Light, muitas famílias tiveram parcelas ou o total de suas terras desapropriadas (...)” (Coluna Você Sabia? – Centro de Memória SBC) - Acesse aqui.

O povoamento por outros agentes sociais e a implantação de novas forças produtivas altera profundamente a relação do homem com seu território, com a natureza. Novos caminhos vão sendo construídos, novas configurações territoriais se impõem, a partir de uma outra lógica de produção do espaço, e surgem novas relações sociais.

Após a Segunda Grande Guerra Mundial, um novo ciclo de expansão econômica se implanta na cidade e a ocupação dos bairros e territórios, até então lenta, ganha outra dimensão. A construção da Via Anchieta, em 1947, constitui-se como um “grande fator de atração para empresas”, e marca o início de uma fase de acelerado crescimento em São Bernardo. A história da cidade, nesse período, e de forma mais ampla, pode ser compreendida dentro de uma perspectiva de expansão do capitalismo, um novo ciclo:

Pouco tempo após o fim da Segunda Guerra Mundial, entre o final do ano de 1945 e o início de 1946, a indústria automobilística norte-americana preparava-se para retomar plenamente suas atividades habituais, após anos de paralização devido aos esforços de guerra (...) O Brasil, com uma demanda por automóveis importados que crescia ano a ano, apresentava-se como um campo promissor para a expansão das vendas da indústria automotiva norte-americana”. (Coluna Você Sabia? – Centro de Memória SBC - acesse aqui) Você pode saber mais sobre o assunto, clicando aqui também.

De forma bastante acelerada nos anos 50, a vila do início do século XX se transforma em metrópole, com a chegada de indústrias estrangeiras, como a indústria automobilística e o desenvolvimento de indústrias de autopeças, e de uma população de migrantes em busca de novas oportunidades de trabalho e de vida. Da capital do móvel para a capital do automóvel. Como resultado, assistimos a uma expansão populacional, que saltou de menos de 30 mil nos anos 1940/50 para 81.225 nos anos 1960, e chegando a cerca de 800 mil nos dias de hoje. O crescimento e a densidade urbana, como sabemos, gera uma pressão por recursos, tais como água, energia, uso do solo, com demandas como saneamento, habitação, saúde, escolas, mobilidade, áreas verdes e de lazer, enfim, uma agenda relacionada aos problemas enfrentados por todos que aqui vivem e que ajudaram a construir essa cidade em cada período de nossa história, imigrantes, migrantes, nativos.

Nos anos 1970, a desregulamentação do sistema monetário internacional e o choque do petróleo (1973 e 1979) freiam o ritmo de crescimento nos países industrializados, e acompanhamos uma combinação entre crise econômica e ação política. A pressão sobre os trabalhadores faz surgir um movimento sindical expressivo na história nacional, símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores e da redemocratização do nosso país. Os impactos das crises econômicas, inclusive nos anos 1990, são sentidos e percebidos em nossa cidade de forma bastante visível, seja na produção do espaço, seja na organização produtiva, sentida na pele por todos e todas que vivem e trabalham na cidade. Não se trata de um processo de substituição de um setor pelo outro, uma perda no setor industrial e crescimento no setor terciário, pois a própria desindustrialização compromete a expansão do setor de serviços em alguma medida, ainda mais com a precarização e a informalidade que hoje vivenciamos.

 

 

Mapa das Linhas Coloniais de São Bernardo do Campo

Fonte: extraído de “A Imigração Italiana em São Bernardo do Campo”, de N.A Madsen Barbosa.

 

A vila que virou metrópole enfrenta problemas graves como outras cidades, como a falta de habitação e urbanização, a poluição, a necessidade de expansão da rede de atendimento social e de saúde para toda a população, a insuficiência de espaços verdes e de lazer, a mobilidade, a violência, e outros desafios colocados também no campo da preservação ambiental. Para não correr o risco de tornar a discussão rasa no campo dos dilemas entre ordenamento territorial e preservação, devemos esclarecer que “o caráter problemático da cidade não se encontra nela – entendida como uma forma espacial de assentamento humano – mas na sociedade, no tipo de relações entre os homens que a institui e organiza.” (MENESES, 2006).

Por fim, compreendemos o nosso lugar na ordem econômica mundial, desde nossa formação. No entanto, é preciso nos conscientizarmos do nosso papel como sujeitos dessa história. Esse, certamente, é nosso grande desafio. As marcas do passado ainda estão presentes em construções e espaços, nos topônimos das ruas, na configuração espacial urbana, nas festas populares, nas fotografias, nos caminhos construídos, na imponente Serra verde do Mar, da cidade que se avista do Pico do Bonilha. Certamente há tantas outras memórias que precisam se tornar visíveis, submersas nas águas da Represa, em cada bairro e território ocupado, nas casas construídas, nos objetos, nos modos de fazer, de viver, nos álbuns das famílias que passam de geração para geração, nas manifestações culturais ainda desconhecidas que resistem ao tempo, mas também nos usos e práticas que mudam com as transformações. Problemas e desafios que exigem de nós uma atitude consciente, responsável, criativa e insurgente.

 

 

 

 

Nos dias de hoje, ao caminhar pelo centro da cidade, ou mesmo por muitos dos bairros que compõem nosso município, podemos encontrar construções e espaços de outros momentos de nossa história, e que não são parte apenas da nossa memória, mas parte de nossa vida atual, espaços ressignificados pelos quais caminhamos, circulamos, brincamos, rezamos, trabalhamos, vivenciamos cultura e política.

A construção do antigo “Bar e Café Expresso”, cujo proprietário era Bortolo Basso, ainda se localiza na esquina da Marechal Deodoro com Dr. Fláquer. Hoje, a construção possui outro fim, mas foi importante espaço que reuniu pessoas que articulavam o movimento autonomista de nossa cidade. 

 

Bar e Restaurante Cruzeiro, década de 1940

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

 

 

 

Chácara Silvestre, 1937

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

 

A chácara do antigo banqueiro e primeiro prefeito de nossa cidade, Wallace C. Simonsen, atual Chácara Silvestre, é o importante espaço de cultura popular e lazer local. O busto dele, que governou nosso município até 1947, está instalado, por sua vez, em outro espaço que marcou a história da cidade, a atual Praça Lauro Gomes, espaço de lazer de várias gerações, mas que também foi campo de futebol para lazer e competições dos trabalhadores, hospedaria de imigrantes no antigo Casarão do Bonilha, correio, intendência, câmara, delegacia, grupo escolar, até ser demolido nos anos 50 para dar lugar à praça.

Praça Lauro Gomes, década de 1960

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

 

Casarão do Bonilha, 1890

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

Também usufruímos de muitas atividades culturais realizadas na Câmara de Cultura (casarão tombado em 1987), espaço em que se instalou a câmara dos vereadores em 1906, passou por períodos de dissolução em 1930, de reocupação em 1936 e novamente de dissolução no período de ditadura Varguista do Estado Novo. Também funcionou no casarão a prefeitura, até a transferência da sede para Santo André, período em que São Bernardo foi rebaixado a distrito, e voltou a ser a sede da prefeitura com a constituição do município em 1945. Espaço que foi sendo ressignificado ao longo do tempo, com múltiplos usos. No início dos anos 1990, o movimento SOS Câmara mobilizou a sociedade e chamou a atenção para a importância do casarão e de sua conservação como um espaço de memória na cidade.

Prédio da antiga Câmara Municipal, atual Câmara de Cultura Antonino Assumpção, 1992

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

Como muitas localidades brasileiras, em que a formação do núcleo urbano está relacionada ou demarcada, de alguma forma, com a fundação de uma capela, com a instalação de uma igreja na praça central, aqui o processo foi similar, guardadas as especificidades históricas. No largo da Matriz, às margens da Rua Marechal Deodoro, antiga Caminho do Mar, podemos fazer orações ainda hoje na Capela Nossa Senhora da Boa Viagem (1814), que, apesar das alterações na edificação sofridas ao longo do tempo, é uma referência histórica. Os que passavam em direção a Santos ou São Paulo (tropeiros e viajantes, como Dom Pedro II em 1846), no século XIX podiam fazer suas preces naquela que foi a sede provisória do povoado, até a construção da igreja de 1825, demolida em meados do século XX (1949), e que deu lugar à atual Igreja Matriz (1962).

Capela Nossa Senhora da Boa Viagem, década de 1950

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

 

Como muitas localidades brasileiras, em que a formação do núcleo urbano está relacionada ou demarcada, de alguma forma, com a fundação de uma capela, com a instalação de uma igreja na praça central, aqui o processo foi similar, guardadas as especificidades históricas. No largo da Matriz, às margens da Rua Marechal Deodoro, antiga Caminho do Mar, podemos fazer orações ainda hoje na Capela Nossa Senhora da Boa Viagem (1814), que, apesar das alterações na edificação sofridas ao longo do tempo, é uma referência histórica. Os que passavam em direção a Santos ou São Paulo (tropeiros e viajantes, como Dom Pedro II em 1846), no século XIX podiam fazer suas preces naquela que foi a sede provisória do povoado, até a construção da igreja de 1825, demolida em meados do século XX (1949), e que deu lugar à atual Igreja Matriz (1962).

 Antiga Igreja Matriz, 1930

Fonte: Acervo do Centro de Memória, PMSBC

Assim como a matriz de nossa cidade, há um conjunto de edificações que ainda estão presentes no território e que nos remetem à história de outros tempos, como o Edifício Wallace Simonsen, pioneiro no processo de verticalização da cidade (anos 1950), além de outros tantos bens culturais inventariados. Ainda hoje, é possível caminhar pela Rua Marechal Deodoro e encontrar três réplicas dos marcos do antigo Caminho do Mar, remanescentes da reforma do Caminho de mesmo nome, 1910, comandada por Arthur Rudge Ramos. Trata-se de vetores de localização geográfica e temporal, em que se podem observar inscrições que indicam altitude e distância para os transeuntes entre a capital paulista e Santos, bem como de inserção na história de São Bernardo do Campo como lugar de passagem.

 

Há bens que foram classificados no inventário como espaços de passagem, capelas, largos e construções que remetem ao nosso passado como subúrbio rural, outros que remetem a nossa história de industrialização, comercialização e urbanização, e ao processo de migração. A cidade também tem outros bens de importância histórica, ambiental e paisagística, preservados por processos de tombamento ou não, como a Represa Billings, as áreas verdes da Cidade da Crianças, da área de indústria da Av. Vergueiro, o maciço do Bonilha, a Serra do Mar, a árvore dos Carvoeiros, o Jatobá da Rua Vergueiro, referências na nossa cidade para se pensar a transformação e a riqueza deste território, as identidades, os sentidos, os afetos, formas de expressão, as relações sociais e metafísicas, o pensamento e existência, as formas de materialização das relações sociais, a produção dos espaços e os embates, a própria relação da sociedade com a natureza. 

 

Tais relações são evidentes quando analisamos os tombamentos dos terreiros de Candomblé no município, reconhecidos como elemento da formação cultural, e cuja questão da preservação das matas e nascentes, neles, é bastante importante.

PARA SABER MAIS: Inventário de Bens Culturais de São Bernardo do Campo. Pindorama Arquitetura, 2013.

Casa Ilê Olá Omi Asé Opò Aràkà (Alvarenga), 2016

Fonte: Divisão de Preservação da Memória, PMSBC

Fotos do Ilê Alaketu Asé Airá (Batistini), 2014

Fonte: Divisão de Preservação da Memória, PMSBC

O Município, como destaca Ulpiano Meneses (2006), é o lugar da fruição de forma aprofundada e diversificada da cidade como bem cultural:

“a cidade, como bem cultural, é aquela marcada diferencialmente por sentidos e valores, instituídos nas práticas sociais e necessários para que estas se revistam da marca específica da condição humana. Assim, a cidade culturalmente qualificada é boa para ser conhecida (pelo habitante, pelo turista, pelo que tem aí negócios a tratar, pelo técnico, etc.), boa para ser contemplada, esteticamente fruída, analisada, apropriada pela memória, consumida afetiva e identitariamente, mas também, e acima de tudo, é boa para ser praticada, na plenitude de seu potencial. Em outras palavras, para ser culturalmente qualificada como cidade, ela precisa ser boa como cidade, precisa de condições de viabilidade econômica, infra-estrutura, políticas adequadas de habitação, transporte, saúde, educação, etc. Nessa ordem de idéias, o principal sujeito da cultura é o habitante local”.

As políticas de preservação, proteção e salvaguarda do patrimônio - concebido de forma bastante ampla em toda as suas dimensões (aspectos físicos e simbólicos) -, devem ser entendidas no conjunto da ordenação e desenvolvimento urbano, nas discussões sobre uso e ocupação do solo e nas demais políticas propostas, conhecidos os “processos sociais de apropriação da natureza, espaços ou edificações” (ARANTES, 2006) sem o qual não se pode nortear as políticas de preservação. Arantes, em comentário ao exposto por Ulpiano Bezerra de Meneses, afirma que “é a partir desses processos, em seus aspectos simbólicos e práticos, que reside a contribuição para o fortalecimento da cidadania, pois é nos lugares apropriados ao espaço urbano pela vida cotidiana que brotam, florescem e frutificam as raízes do pertencimento”. Trata-se de considerar a dimensão cultural em todas as políticas, inclusive ambientais, pois como nos alerta Edgar Assis Carvalho (em comentário suplementar ao citado texto de 2006), “a cidade não é apenas um bem cultural, mas uma expressão biocultural, em que natureza e cultura se encontram necessariamente imbricadas”. É preciso esse olhar para se construir melhores condições de vida cotidiana para os habitantes da cidade.

 

VISITE:

Divisão de Preservação da Memória

Rua João Pessoa, 236 - Centro, São Bernardo do Campo - SP, 09715-000

Telefone: (11) 4337-8217

Centro de Memória de São Bernardo do Campo. Alameda Glória, 197, Centro.

Tel.: 4125-5577. Email:memoria.cultura@saobernardo.sp.gov.br

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Newton Ataliba Madsen. Suplemento “História dos Bairros de S. Bernardo do Campo”. In: Folha de São Bernardo, 1978-1979.

CALDEIRA, João Netto. Álbum de São Bernardo. São Paulo, Organização Cruzeiro do Sul, 1937.

JACOBINE, Rodolfo Scopel. A Freguesia de São Bernardo: aspectos socioeconômicos da região do ABC Paulista entre o tempo colonial tardio e a alvorada do Império. 2012. 69p.

JÚNIOR, Luiz Gonzaga Piratininga. Dietário dos Escravos de São Bento. Hucitec e Prefeitura de São Caetano do Sul, São Paulo, São Caetano do Sul, 1991.

KEATING, Vallandro & MARANHÃO, Ricardo. Caminhos da conquista - a formação do espaço brasileiro, Terceiro Nome, 2008

LEACH, E. R. "Dois ensaios a respeito da representação simbólica do tempo", in Repensando a antropologia. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 193. [Links]

MARTINS, José de Souza. O Súburbio: vida cotidiana e história no subúrbio da Cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império fim da Republica Velha. São Caetano, Hucitec, 1992.

MÉDICI, Ademir. São Bernardo, Seus Bairros, Sua Gente. PMSBC. 1981.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “A Cidade como Bem Cultural: áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano” IN: Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo, IPHAN, 2006.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

OVERING, J. "O mito como história: um problema de tempo, realidade e outras questões". Mana. Estudos de Antropologia Social, vol. 1, n. 1, 1995.

PESSOTTI. Attílio. Villa de São Bernardo. PMSBC. 1981.

SANTOS, Wanderley dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista (1550-1892). PMSBC. 1991.

SCHWARCZ,  Lilia K. Moritz. Questões de fronteira: Sobre uma antropologia da história. Novos estud. - CEBRAP n.72 São Paulo July 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-33002005000200007

STRAUSS, Lévi. Totemismo hoje. Lisboa: Edições 70, 1986.

TOLEDO, Benedito Lima de. O real Corpo de Engenheiros na capitania de São Paulo: destacando-se a obra do brigadeiro João da Costa Ferreira. São Paulo, João Fortes Engenharia, 1981. 178p.

TZVETAN, Todorov. A conquista da América. São Paulo: 1993

 

Outras Referências

http://mttvirtual.com.br Acesso em maio de 2020.

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-22102004-105004/publico/tde1  Acesso em maio de 2020.

http://www4.pucsp.br/neils/downloads/Vol.2526/michael-lowy.pdf Acesso em julho de 2020

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-01882006000100007&script=sci_arttext Acesso em junho de 2020

https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6077/5453  Acesso em julho de 2020

https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/historia-da-cidade Acesso em julho de 2020

http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=246 Acesso em maio 2020

Inventário de Bens Culturais de São Bernardo do Campo. Pindorama Arquitetura, 2013.

 

NOTAS


[1] História dos Vencidos - Walter Benjamin. Ao retirar a ideia de evolução e teleologia da história (positivista), considera seus progressos e retrocessos, modificando a análise sobre a dinâmica da luta de classes. http://www4.pucsp.br/neils/downloads/Vol.2526/michael-lowy.pdf No Brasil a disseminação da ideia de história dos vencidos está intimamente relacionada ao processo de redemocratização. É nos anos 80 que os livros didáticos começam a tratar a História de forma temática e a incluir atores que se entendia excluídos da história oficial (na historiografia e nos museus).

[2] TZVETAN, Todorov. A conquista da América. São Paulo: 1993. Obra em que o autor levanta a problemática dos desafios inerentes ao encontro com a alteridade. 

[3] O colonialismo deixou marcas históricas no modo de sermos e estarmos no mundo; que seja, o mundo pós colonizado não é um mundo DEScolonizado, mas um mundo que busca a superação do colonialismo o que recentemente, na América Latina, fora alcunhado de Decolonialismo (em movimento semelhante ao ocorrido na África e na Ásia). https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6077/5453.

[4] Segundo Benedito Lima, “uma curiosidade é que toda a estrada, do centro de São Paulo a Santos, chamou-se “Estrada do Vergueiro”.

[5] “Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o município é constituído de 4 distritos: São Bernardo, Paranapiacaba, Ribeirão Pires e Santo André. Pela Lei Estadual n.º 1.512, de 04-12-1916, é criado o distrito de São Caetano e anexado ao município de São Bernardo. Pelo Decreto-lei Estadual n.º 6.780, de 18-10-1934, é criado o distrito de Mauá e anexado ao município de São Bernardo. Em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o município é constituído de 6 distritos: São Bernardo, Mauá, Paranapiacaba, Ribeirão Pires, Santo André e São Caetano. Pelo Decreto Estadual n.º 9.775, de 30-11-1938, a sede do município foi transferida do município de São Bernardo para Santo André passando o distrito de Santo André à categoria de município e São Bernardo à condição de distrito. No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, São Bernardo figura como distrito do município de Santo André. Elevado à categoria de município com a denominação de São Bernardo do Campo, pelo Decreto-lei Estadual n.º 14.334, de 30-11-1944, desmembrado do município de Santo André. Sede no atual de São Bernardo do Campo (ex-São Bernardo). Constituído do distrito sede. Instalado em -1-01-1945. Pela Lei Estadual n.º 23” https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/saopaulo/saobernardodocampo.pdf  Consultado em 02 de julho de 2020. 

 

Atualizado em dezembro/2020

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