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Cristiane Rufino, a agente de biblioteca que inspira deficientes visuais

Cristiane Rufino, a agente de biblioteca que inspira deficientes visuais

04 de Jul de 2022

Nem toda criança quer ser quando crescer, bombeiro, médica, astronauta ou cantora famosa.  O desejo de Cristiane Rufino, por exemplo, era bem mais prosaico. Ainda menina, quando ia com mãe às compras, achava lindo ver a agilidade e rapidez das solícitas caixas de supermercado digitando os preços dos produtos e se imaginou, no futuro, fazendo a mesma coisa.

Mas um fato, porém, mudou radicalmente o rumo de sua vida, alterando seus planos e sonhos. Aos 15 anos, Cristiane perde a visão após ser acometida pela toxoplasmose, doença infecciosa, congênita ou adquirida, causada por um protozoário chamado Toxoplasma Gondii. Foi um baque tremendo para ela e sua família. 

“Foi um período muito difícil, eu estava na transição da adolescência, não sabia como era a vida de um cego, na verdade, nem sabia que existiam pessoas cegas. Minha professora de matemática Dirce foi fundamental nesta fase, ajudou muito a minha mãe, me orientou a aprender o braille. Não sabia que existiam possibilidades, quando aconteceu eu achei que não conseguiria ser nada.”

Os dias que seguiram não foram leves para Cristiane. Se o processo de aprendizagem e adaptação caminhavam acima das expectativas, no aspecto psicológico, a aceitação e superação se deu de forma mais lenta, principalmente no início. Com o tempo, ela aprendeu a criar metas e a perda da visão se tornou algo distante em relação a tudo que pretendia conquistar. 

Acostumada a quebrar barreiras, Cristiane foi à luta! Formou-se em psicologia, casou, teve dois filhos e atualmente concilia os atendimentos como psicóloga, em suas horas vagas, com seu trabalho em tempo integral no Espaço Braille, ligado à Secretaria de Cultura e Juventude de São Bernardo do Campo, onde atua há 19 anos como agente de biblioteca. Durante este tempo, ministrou diversas oficinas de braille, atendeu centenas de usuários e ajudou a transformar a vida de muitas pessoas que, assim como ela, precisaram quebrar barreiras diariamente para serem aceitas em uma sociedade que ainda insiste em vê-los como diferentes. Há, no entanto, um tipo de público que mexe com ela de um modo especial.

“É gratificante ajudar pessoas que perderam a visão ainda jovens ou já adultos e ficam totalmente perdidos em relação à nova realidade, mas o que mais me emociona é trabalhar com crianças. Às vezes encontro algumas delas por aí e elas repetem o que ensinei nas oficinas. Já chorei quando encontrei pessoas que atendi quando crianças e ouvi que era uma referência pra elas, que eu passei os primeiros passos. Pessoas que atendi ainda pequenas e que hoje estão no mercado de trabalho e quando me encontram dizem que eu as inspirei. Não tem salário que pague ouvir isso. É muito gratificante” 

Enquanto falava, Cristiane era observada de perto por seu cão guia Paco, um labrador de pelo claro, amigável e brincalhão, que se tornou o xodó dos funcionários da Biblioteca Monteiro Lobato. Cristiane ganhou o cão do Instituto Magnus há um ano e logo no início a relação não foi tão fácil porque ela nunca tinha tido um animal de estimação. Hoje a dupla está bem mais afinada, Paco a acompanha por todos os lugares e ela já percebe o quanto a companhia dele mudou a forma como as pessoas a tratam.   

As memórias visuais de Cristiane se perderam ao longo do tempo, mas ela ainda lembra do mar. Aquela imensidão azul, misturada com verde, sumindo no horizonte até se encontrar com o céu. Por outro lado, ela desenvolveu outros sentidos de forma significativa como o olfato e a audição. Consegue, por exemplo, distinguir as pessoas pela voz com certa facilidade. Construiu também outras memórias, mais subjetivas, fruto das imagens que forma através da leitura e de coisas que as pessoas lhe contam. Seu desejo para o futuro é dedicar mais do seu tempo ao estudo da audiodescrição, que, a grosso modo, é o ato de transformar imagens em palavras e usar esta ferramenta para auxiliar pessoas que vivem o trauma da perda da visão. Alguém duvida que ela vai conseguir? 

 

Serviço: 

Espaço Braille - Biblioteca Monteiro Lobato

Rua Dr. Flaquer, 26, Centro

Tel.: 2630-5100

  • O acervo do Espaço é constituído por diversos títulos de livros em braille, audiolivros e equipamentos de acessibilidade ao cego e baixa visão como computador com nvda, impressora, máquina de escrever, scanner de voz, regletes (instrumento de escrita manual do sistema Braille), punções (utilizado para reconhecer os pontos em relevo), sorobãs (aparelho de cálculo) e ampliador para usuários com baixa visão.