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Marcia Gadioli traz a Mostra Territórios para a Pinacoteca

Marcia Gadioli traz a Mostra Territórios para a Pinacoteca

12 de Abr de 2024

Como as transformações das paisagens urbanas podem afetar a memória das pessoas? É a partir desse questionamento que a artista visual paulistana Marcia Gadioli conduz suas pesquisas. O resultado é a exposição Territórios, que reúne parte da produção dos últimos dez anos, desde sua primeira pesquisa sobre a paisagem urbana de São Paulo, até suas últimas experimentações com meios e processos fotográficos alternativos. 

Utilizando a fotografia como principal meio de expressão para abordar a relação entre paisagem urbana e memória, a mostra possui um conjunto formado por mais de 50 obras produzidas em diferentes meios: vídeos, fotografia analógica e livros de artista. 

 

Mostrar seu trabalho pela primeira vez na Pinacoteca de São Bernardo do Campo também é motivo de reviver memórias para Marcia. O museu fica ao lado do parque Cidade da Criança, local que remete a momentos de sua infância. “Quando estive na Pinacoteca para a visita técnica da exposição, aproveitei para retornar ao parque”, diz. A emoção do reencontro motivou a produção de uma obra inédita, que estará presente na exposição de São Bernardo.

Territórios foi premiada pelo Edital ProAC nº 13/2023 - Artes Visuais - Circulação de Exposição, da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo. 

Conversamos com a artista sobre Territórios. Confira abaixo:

Secretaria de Cultura e Juventude - Quando e como começou seu interesse pela arte?
Marcia Gadioli - Desde criança fui envolvida com arte e artesanato. Cedo, comecei um curso de desenho e pintura em tela; logo depois me interessei por materiais diferentes e pintava cerâmica, madeira, gesso e porcelana. Me interessava criar e decorar objetos. Na adolescência, cursei o colégio técnico em desenho de comunicação e me encantei com a fotografia. Posteriormente, aprofundei o conhecimento pela técnica.

SC - Qual é a sua formação acadêmica e artística?
MG - Me formei no Centro Universitário Belas Artes em 2008 e, desde então, participo de cursos independentes para complementar o curso acadêmico, com ênfase em grupos de pesquisa, grupos de estudos e residência artística. Atualmente, participo dos grupos de estudos Narrativas Visuais e o Fotolivro, com orientação de Eder Ribeiro, e outro coordenado por Sylvia Wernek. Em 2020 participei da Casa Tato, programa de formação de artistas. Em 2021 participei da Residência Artística Internacional ACHO Imagens e suas Metamorfoses, Feitiços e Fabulações dos Arquivos, 2ª Edição, com orientação de Fabiana Bruno e Óscar Guarín; da Imersão de Verão em Poéticas Visuais, com Renato De Cara, na Galeria GARE, São Paulo.

SC - As consequências das alterações urbanas e o seu reflexo na memória das pessoas é o tema de suas pesquisas. Como surgiu esse interesse?
MG - Ao concluir a Faculdade de Artes Visuais, meu interesse estava direcionado para a fotografia e o meu olhar para a cidade. Pequenos detalhes que encontrava no meu percurso eram motivos para revelar nas fotos o que muitas pessoas não percebiam. O interesse em relacionar o movimento da cidade com a memória passa a ter ênfase quando acontece uma reformulação no bairro que vivo, onde nasci. Com a intensa demolição das casas que formaram a região para construção de edifícios, abalaram-me duas questões: primeiro, a afetividade com aquelas casas, pois frequentava algumas delas quando criança e, segundo, a referência que estabelecemos com a arquitetura do nosso local de convivência perde-se com essas transformações, provocando desorientação e um certo mal-estar.

SC - Como a senhora vê o imediatismo em que vivemos, a correria do dia a dia, em detrimento da memória das pessoas em relação aos espaços urbanos?
MG - Vejo esse imediatismo como consequência da evolução tecnológica. A internet e os equipamentos que nos conectam seriam a promessa de facilidades, porém, nos tornam dependentes e nos impõem um ritmo que não é peculiar ao humano e sim às máquinas. Assim, na tentativa de acompanhar essa velocidade de processamento, não temos mais tempo para apreciação, para a percepção de certos acontecimentos que estão ao nosso redor. Exemplificando de forma bem simples, hoje não existe mais tempo para a maioria das pessoas frequentarem a praça do seu bairro. Nesse lugar é onde acontecem as relações pessoais, o encontro com outro morador da região, que leva seu cachorro para o passeio, ou a criança para brincar. O início da conversa pode ser o cachorro ou a criança, mas deriva para assuntos referentes à urbanidade. Ou o caminhar pelas calçadas largas daquela rua com casas uma ao lado da outra, arborizada e, em pouco tempo, surge um edifício alto com fachadas espelhadas no lugar de uma quadra inteira de casas. O acolhimento que havia naquela caminhada onde podíamos apreciar o jardim da casa, reconhecer seus moradores, agora existe só o reflexo do lado externo, não há mais o pertencimento, não há mais a identificação com o lugar.

SC - Conte-nos um pouco sobre sua relação com a fotografia e os processos fotográficos alternativos que utiliza.
MG- Desde a época do colégio me interessei pela fotografia e pelos equipamentos. Sempre me encantava com a possibilidade de tornar um instante perene e como uma máquina nos proporcionava isso. Aquele instante que passa a ser visto e revisto muitas vezes depois de seu acontecimento e a cada vez pode-se perceber um novo detalhe, uma outra lembrança. No laboratório, durante a revelação da fotografia, ver a imagem aparecendo num papel branco era mágico. Com o sistema digital, a relação com a imagem muda. A definição, as cores são mais precisas, mais intensas. Muda também o pensamento em relação ao objeto fotografado. No sistema analógico, a fotografia é vista só depois da revelação e ampliação, se uma delas não ficar boa, não dá pra fazer de novo, há também o custo do filme. Isso nos leva a refletir sobre as escolhas do cenário a ser fotografado, qual a melhor regulagem da máquina para que a foto saia boa. No digital, por ser imediato, pode-se errar porque existe a possibilidade de refazer até acertar. Como sempre tive curiosidade de experimentar diferentes materiais e técnicas e os procedimentos artesanais, resgatei algumas técnicas dos primórdios da fotografia, como a cianotipia, o marron Van Dyke. Nessa pesquisa, encontrei uma forma de expressar minha inquietação em relação à dinâmica da nossa memória. O que e como se desencadeia uma lembrança ou como lidamos com a passagem do tempo. Para os trabalhos que tenho desenvolvido atualmente, como os que estão na exposição Territórios, desenvolvi uma técnica simples, artesanal, de transferência de imagens, que foi batizado de método Gadiolar. Com ele, ganhei muita liberdade para explorar papéis diversos, inclusive alguns muito finos e transparentes que, através das sobreposições, proporcionam a construção de novas histórias e a sobreposição dos tempos, traduzindo assim, meus pensamentos e inquietações.

SC- Além da fotografia, quais são as outras formas de expressão artística que a senhora costuma utilizar em suas exposições?
MG - Me interessa as diversas possibilidades de apresentação da fotografia. Fazem parte da exposição Territórios a fotografia clássica preto e branco, a colorida e a digital. Além disso, as transferências de imagens por processo manual em suportes diferentes, como os papéis japoneses e a parafina. Apresento também livros de artistas. A saber, o livro de artista é uma obra de arte que escapa das definições, pois pode ter formatos, assuntos e concepções diversas, mas se define pelo encantamento que provoca tanto no artista que o produz quanto no espectador que o experimenta. É uma obra de arte que parte do conceito de livro. É um meio que dá mais versatilidade aos trabalhos por poderem ser manuseáveis (às vezes não são), múltiplos (às vezes são únicos) e de fácil circulação (quando em formatos pequenos). O vídeo é uma novidade que comecei a experimentar há pouco tempo e tem me apresentado ótimos resultados para abordar de uma outra forma questões como a passagem do tempo e a perda de memória.

SC - Como surgiu a ideia de fazer a exposição Territórios? Qual a mensagem que a senhora quer passar ao público?
MG - É parte da profissão do artista fazer exposições. É o momento de estabelecer um diálogo com o público e testar a potência do trabalho. A exposição Territórios apresenta um recorte de minha pesquisa sobre as relações pessoais com o lugar de convivência, abordando minha experiência pessoal e expandindo para a experiência coletiva. Através das diversas imagens apresentadas na mostra, ora em dimensões grandes, ora em dimensões pequenas, algumas delas apropriadas do álbum de família, dialogando com outras atuais de minha autoria, construo camadas de tempos. Dessa forma, proponho ao expectador uma pausa para a contemplação e reflexão sobre nossas relações com o passado e o tempo atual. Territórios teve sua primeira edição em fevereiro de 2023 no Centro Cultural Correios, São Paulo, propiciando, depois, a premiação pelo ProAC, e possibilitando, assim, a exibição na Pinacoteca de São Bernardo do Campo, tendo sido apresentada no Museu de Arte de Ribeirão Preto – MARP,  em fevereiro de 2024 e, em setembro deste mesmo ano, será no Museu da Imagem e do Som de Campinas.

SC - Como foi o processo de criação das obras de Territórios?
MG - Foi em diálogo com o curador Eder Ribeiro, que acompanha meu trabalho há alguns anos. Pesquisador e colecionador de fotografias e fotolivros, Eder manteve-se em diálogo comigo, acompanhando os trabalhos que estava desenvolvendo, orientando as possibilidades para finalização e também fazendo a seleção daqueles que estariam na exposição. Nesse processo, convivi e fotografei o local da exposição, observando a arquitetura do edifício, do entorno e também as pessoas que por ali circulavam; pesquisei a origem e a história desse lugar e, com esse conteúdo, construí os trabalhos que estão expostos na Territórios da Pinacoteca de São Bernardo do Campo.

SC -Qual a relação entre o espaço expositivo da Pinacoteca de São Bernardo do Campo e as obras de Territórios?
MG - A proposta deste projeto é expandir territórios. Dessa forma, foi apresentado para três espaços institucionais em cidades diferentes, ampliando o alcance e levando essa experiência para outros públicos. Em cada espaço a exposição é reconfigurada pelo arquiteto Marcelo Salles, responsável pela expografia, mantendo o conceito da mostra e se valendo das qualidades arquitetônicas do edifício. A Pinacoteca de São Bernardo do Campo foi uma das instituições escolhidas pela significativa trajetória e destaque no cenário artístico, com uma programação cuidadosa e dedicada a atrair público diverso da região e arredores.

SC - Gostaria de mencionar algo mais, ou deixar algum comentário ao público que irá visitar a exposição Territórios, na Pinacoteca de São Bernardo do Campo?
MG - Convido todas e todos a permitirem-se contemplar memórias e registros dos lugares de minha convivência, que podem ser memórias e lugares de convivência de qualquer um que esteja lá.

Serviço:
Exposição Territórios - Marcia Gadioli.
Curadoria: Eder Ribeiro.
Expografia: Marcelo Salles.
Abertura: 16/04 -19h.
Visitação até 12/07 - terça, das 9h às 20h; de quarta a sexta, das 9h às 17h; último sábado do mês, das 10h às 16h.
Entrada e estacionamento gratuitos.
Pinacoteca de São Bernardo do Campo. Rua Kara, 105, Jardim do Mar. Tel.: 2630-9600.