Área predominantemente rural até o início do século XX, o antigo município de São Bernardo, que abrangia toda a atual região do Grande ABC,  passou a abrigar concentrações de trabalhadores industriais no final do século XIX. O primeiro registro do fenômeno surge  em 1876, relacionado à uma serraria movida a vapor, construída nas proximidades da Estação Rio Grande da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, no atual município de Rio Grande da Serra, região onde havia -  segundo uma noticia de jornal da época -  “constantemente aglomeração de trabalhadores, não só da estrada de ferro inglesa, mas também de estabelecimentos industriais que ali existem” (1).

Na década de 1890, surgem  na sede do município – atual centro de São Bernardo do Campo – algumas pequenas indústrias associadas aos imigrantes do Núcleo Colonial S. Bernardo:  fábricas de bebidas,  como as dos alemães Carlos Prugner e Carlos Herbst,  que ocupam alguns poucos operários; e fábricas de charutos, as quais chegaram a empregar  algumas dezenas de trabalhadores. Os registros da existência destas fábricas de charutos são escassos. Existem apenas três fotografias, tomadas entre 1896 e 1912 através das quais  é possível verificar que o trabalho feminino e infantil era  largamente predominante. Há também algumas poucas notícias publicadas nos jornais da época. Uma das mais antigas, de 1895, informava que  os  operários da  fábrica de Charutos de Bruno Klausnner, participaram de um desfile de carros alegóricos pela Rua Marechal Deodoro (2),  portando estandartes da empresa, na comemoração da proclamação da república. Outro registro indicava que, na passagem de ano de 1904 para 1905,  uma grande festa foi oferecida por Ítalo Stefanini a duzentos operários de sua indústria (3).

A Estrada de Ferro Santos-Jundiaí se tornou, a partir da segunda metade da década de 1890, o grande fator de atração de indústrias de médio e grande porte na região, propiciando um desenvolvimento sócio-econômico mais rápido nos arredores de algumas de suas estações, como São Caetano, e sobretudo Santo André.  Dessa forma surgiram a  “Formicida Paulista” (1891) e a “Fábrica de Sabão Pamplona”  (1896), em São Caetano, e,  em Santo André, o lanifício Kowarick (1899) e, principalmente, a tecelagem de algodão popularmente conhecida como Ipiranguinha (1891) (4),  que foi a primeira fábrica de grande porte da região, chegando a empregar 500 operários por volta de 1906.  As duas indústrias têxteis foram os primeiros motores do desenvolvimento urbano e demográfico de Santo André.

A Ipiranguinha deu origem a um bairro operário  em seus arredores,  no qual a empresa construiu dezenas de casas para aluguel de seus trabalhadores. Foi ali também que, em novembro de 1899, aconteceu a primeira greve na região,  em reação a uma tentativa de diminuição substancial nos vencimentos dos operários. Em um contexto de ausência de  leis trabalhistas, a empresa empregava diversas crianças com idades que iam  de 14 até 10 anos, às quais pagava um salário que chegava a ser quase a metade do destinado aos adultos.  Além das casas, que chegavam a ser ocupadas por até três famílias, a empresa ainda negociava gêneros alimentícios básicos em seu próprio armazém. No decorrer do conflito os operários foram ameaçados com a possibilidade de expulsão de suas moradias (5).

Em 1900  (6), 1902 e 1906, novas greves aconteceram.  A primeira delas por aumento de salários, no lanifício Kowarick e as restantes novamente na Ipiranguinha.  A respeito do evento de 1902 existe o registro do envio de forças policiais ao município, às quais tiveram transporte e alimentação custeados pela Câmara Municipal de São Bernardo. Não há registros de confrontos ou violência (7).  O movimento paredista de 1906 foi o mais duradouro ( 7 de  fevereiro - 1 de abril ) e importante destes primeiros anos,  tendo  recebido grande repercussão na imprensa. Membros  da Federação Operária de São Paulo ,  uma das mais importantes da época,  visitaram o local.  Um deles, Eduardo Vassimon, foi impedido de falar aos trabalhadores sobre a greve, mas proferiu uma conferência  aos operários, tendo a  Comuna de Paris como tema (8).  Existem  relatos de moradores nascidos  na atual cidade de São Bernardo do Campo que trabalhavam na Ipiranguinha. Uma delas, Rosina Lombardi, participou desta greve e deixou à família memórias a respeito de suas dificuldades, como a restrição do acesso ao armazém da  fábrica e a ameaça de demissão geral, a qual teria levado ao fim da paralisação.  Entre 1917 e 1919 diversas greves abrangentes e duradouras produziram  grande tensão social na região da grande São Paulo.  No antigo município de São Bernardo, onde diversas fábricas estiveram envolvidas nos movimentos grevistas,  um operário de 18 anos que participava de uma passeata, Constante Castellani,  foi morto, no dia 5 de maio de 1919,  por um tiro disparado por forças policiais.  Constante era membro da União Operária,  surgida em 1918, que era a mais importante entre as diversas e efêmeras organizações de trabalhadores que surgiram no município  na época:  Liga Operária (1907), União Operária de São Caetano (1907), Centro Operário de S. Bernardo (1907),  União dos Operários e Fábricas de Tecidos de São Bernardo (1913), Sindicato dos Laminadores de São Caetano (1918) (9) (10).

A partir da década de 1910 os setores têxtil e, sobretudo, moveleiro, passaram a concentrar a maioria dos trabalhadores industriais no entorno da Rua Marechal Deodoro, em São Bernardo. No ano de  1910, surgiu a pioneira e seminal fábrica de móveis de João Basso, que chegou a empregar 90 operários, e, no ano seguinte, nasceu a Tecelagem de Seda Villa de S. Bernardo, também empregando grande quantidade de funcionários, As fotografias da época mostram que o trabalho infantil continua presente, principalmente nas fábricas de móveis,  mas em proporção bem menor do que nas fábricas de charuto.  A maior parte do operariado das primeiras décadas do século XX, na região da atual São Bernardo do Campo,  pertencia a famílias de pequenos proprietários rurais imigrantes, às quais eventualmente  ajudavam na composição da renda doméstica. Esta dinâmica existiu na cidade pelo menos até a década de 1940, com predominância de mulheres trabalhando em tecelagens e homens em fábricas de móveis. 

 

Imagem: Funcionários da Fábrica de Móveis de  João Basso. Década de 1920.

 

Notas

(1) Cf. Jornal “Cf. Jornal “A Província de S. Paulo”, 19 de maio de 1875, p. 3 e 24 de agosto de 1875. p.3. Jornal “A Província de S. Paulo”, 9 de março de 1878, p. 2.

(2) Jornal “O Estado de São Paulo”, 22/11/1895   

(3) Jornal “Correio Paulsitano”, 5/1/1905, p.2.

(4) Cf. Jornal “O comércio de São Paulo”, 17 de novembro de 1899. P2. Esta fábrica começou a funcionar em 1891 (Cf. “O Estado de São Paulo”, 6 de setembro de 1896, p.1) e, em 1895 , quando ainda pertencia a seu fundador, Frederico Kowarick – o mesmo que alguns anos depois fundaria o lanifício Kowarick -, foi à falência (Cf. Jornal “O Democrata” , 30 de abril de 1895), sendo posteriormente adquirida por Silva, Seabra & Comp. e reaberta.

(5) Cf. Ibidem.

(6) Cf. Jornal “O Estado de São Pàulo “.  09/07/1900. p.1.

(7) Cf. Atas da Câmara Municipal de São Bernardo. 15/02/1902. Acervo: Museu de Santo André .

(8) Cf. O comércio de São Paulo, 20/3/1906 p.2.  e 3/4/1906, p.4

(9) Cf. Medici, Ademir e Pinheiro, Suely. O 1º de maio e os principais momentos da luta sindical em São Bernardo. São Bernardo do Campo: PMSBC, 1990. p. 19-28.

(10) Cf. Em meio a este conjunto de paralisações apareceu o primeiro registro direto  de participação de empregados da indústria moveleira da atual São Bernardo do Campo em uma greve. Trata-se dos operários da  fábrica de João Basso, a qual, em 1919,  esteve parada e voltou a funcionar após aceitação das demandas trabalhistas. Cf. O Combate, 16/5/1919. p1.

 

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