Quando Giuseppe Setti e sua esposa Benvenuta Bollini deixaram a Itália, no final de 1877 (1), a pequena comuna de Poggio Rusco, onde eles e seus filhos nasceram, possuía cerca de 5 mil habitantes (2), não muito mais que a Freguesia de São Bernardo, local no qual se estabeleceram em janeiro do ano seguinte. O casal, que então estava na faixa dos trinta e poucos anos de idade (3), provavelmente se alojou na hospedaria do Núcleo Colonial S. Bernardo, enquanto aguardava a tomada de posse de um lote urbano, na atual Rua Américo Brasiliense, que requisitara à administração da mesma instituição. Junto a eles estavam seus filhos: Pedro, de 14 anos; Italo, de 10; e Adelelmo, de 7. Para pagar este lote, a casa que nele foi construída, um outro terreno rural, uma porção de sementes, e uma cesta mensal de gêneros alimentícios, Giuseppe e suas crianças trabalharam como assalariados para a administração do núcleo colonial durante todo o ano de 1878. Ainda assim sua dívida aumentava mês a mês , já que, mesmo somados, os valores dos salários eram significativamente inferiores ao valor dos alimentos (4).

Em 1886, com as dívidas pagas e dois filhos adultos, a situação da família havia melhorado significativamente, uma vez que já possuía um pequeno armazém de Secos e Molhados (5), além de novos lotes do núcleo colonial (6). O inventário de Giuseppe, que faleceu no final 1887, citava também, além dos bens mencionados, carroças, arreios, dois animais e uma plantação de uvas (7).

Por esta época, Pedro Setti residia e possuía armazém de secos e molhados no mesmo local, na Rua Marechal Deodoro, defronte à Rua Silva Jardim. Manteve este comércio até por volta de 1902 , pouco antes do falecimento de D. Benvenuta, em 1903. Depois disto, praticamente não há mais registros de negócios que indicassem a presença de Pedro Setti na Vila de S. Bernardo, sendo provável que tenha mudado para outra cidade após 1904. Durante o tempo que permaneceu na localidade possuiu também restaurante, depósito de cal – todos no mesmo terreno do já citado armazém – e um carro de aluguel de praça (tílburis) (8). Casado, ainda em São Bernardo, com Ermelinda Coleoni, teve os filhos Rosalinda, Henrique, Raul,Tarquíneo, Violantina, Yolanda, Asdrúbal, Olga e Dionísio (9).

Adelelmo possuía uma casa na esquina da Rua Municipal com a Rua João Pessoa e trabalhava com aluguel de tílburis desde a primeira metade da década de 1890 . Em 1897, já casado com Maria Pasin, morava junto com a mãe D. Benvenuta, na velha residência da família, na Rua Américo Brasiliense (11), a qual acabou por herdar em 1903. Conduzidos por animais, tílburis como o de Adelelmo faziam transporte entre a Vila de São Bernardo e a estação ferroviária, em Santo André. A medida que o então chamado “bairro da estação” crescia em termos de contingentes populacionais, oportunidades de negócios e trabalho, o serviços destes carros de aluguel se tornaram cada vez mais importantes, fazendo com que Adelelmo ampliasse seu negócio, com a aquisição de mais veículos (12). Adelelmo teve seis filhos : João, Dante, Mário, Ernesto, Adelemo Jr. e Josephina. Faleceu em São Bernardo, em 1929 ( 13). Seus descendentes ampliaram suas atividades na área de transportes, com enorme êxito, de modo que, nos últimos 50 anos, uma das principais empresas do ramo na grande São Paulo tem sido, de certa maneira, uma herdeira do empreendimento original de Adelelmo.

Ítalo iniciou suas atividades empresariais como comerciante de secos e molhados, estabelecido em um lote urbano do Núcleo Colonial São Bernardo, localizado na esquina da Rua Américo Brasiliense com a Rua Marechal Deodoro, onde hoje funciona um banco (14). Este mesmo local, que foi também sua moradia durante a década de 1890, funcionou como sede para seu primeiro empreendimento industrial, a Dal Zotto & Comp, fábrica de licores e cerveja, fundada em 1892, em sociedade com Giuseppe Dal Zotto (15).

Estes primeiros empreendimentos de Italo tiveram curta duração. Sua principal atividade na década de 1890 foi na Câmara Municipal, da qual se tornou procurador, no início de 1892. Em tal função, Italo era o encarregado das finanças do município, fazendo balanços, autorizando gastos, pagando dívidas e, principalmente, atuando no lançamento, cobrança e registro dos impostos em todo o município – que à época incluía toda a atual região do Grande ABC. Recebia pelo trabalho 12% do total arrecadado em cada trimestre. Devido ao grande crescimento do município e de sua receita naquela década, esta renda podia atingir um valor consideravelmente alto, fazendo do procurador o mais bem pago funcionário público da cidade (16).

Ao longo da década, Italo expandiu seus negócios na cidade adquirindo imóveis, como os terrenos e construções da Rua Marechal Deodoro, em frente ao Largo da Matriz, que pertenciam ao seu sócio Giuseppe Dal Zotto (17), ou entrando em sociedades empresarias, como a que estabeleceu com seu irmão Pedro Setti e Bruno Klausnner, para a posse de uma serraria movida à vapor , situada na região central da cidade (18). Em 1901, Setti abriu a fábrica de charutos A Delícia. Chegando a empregar mais de 70 operários e vender seus produtos por várias localidades no interior do estado, esta indústria existiu até o ano de 1919 e foi a maior da cidade na década de 1900 (19). Em 1911, Italo fundou a Cia. Tecelagem de Seda Villa de São Bernardo, que foi um dos maiores empreendimentos industriais da Vila de São Bernardo na primeira metade do século XX. Setti foi presidente e sócio majoritário desta empresa que empregava mais de uma centena de funcionários.

Membro mais célebre da família durante seu tempo de vida, Italo se ligou algumas vezes à política municipal. Discursou em nome da comunidade local em uma das primeiras comemorações da Proclamação da República, em 1895 (20). Foi Juiz de Paz e, em 1920, tomou posse como vereador (21). Morreu Ítalo aos 76 anos, em seu grande sobrado, na atual Rua Terezinha Setti, em São Bernardo. Uma pequena biografia publicada na época, pelo jornal “O Estado de São Paulo” , trouxe várias afirmações únicas sobre sua vida. Entre elas a de que ele foi dono de um fábrica de fósforo, e, que empreitou a abertura e o traçado da estrada entre São Paulo e Bragança Paulista (22) . Deixou 6 filhos: José e Ana Maria, do primeiro casamento, com Maria Belon, em 1888; e Miranda, Armando, Orlando e Dario, do segundo, contraído após a morte de Maria, em 1894, com Tereza Coleone (23).

 


Giuseppe e Benvenuta Setti. Século XIX. Dir.->Acima, Italo Setti. Abaixo: Adelelmo Setti. Fotografias retiradas do livro Tradição e Qualidade – A História da Viação ABC. exceto a de Italo, retirada do livro Origem das Famílias de São Bernardo do Campo – Famílias Tradicionais e Ilustres.

 


Notas:

(1) - Cf. Gomes, Fábio. Origem das Famílias de São Bernardo do Campo – Famílias Tradicionais e Ilustres. São Paulo, EDICON, 2005.v1. p. 202

(2) - Cf. Ministerio di Agricoltura, Industria e Comercio. Direzioni Della Statistica Generale. Censimento della popolazione Del Regno d’Italia.31 di decembre dei 1881. Roma, Tipografia Frateli Centenari, 1882. p.88.

(3) - Cf. Rodrigues, Artur. Sem título. Estudos genealógicos não publicados. O Sr. Artur Rodrigues é genealogista e colaborador do Centro de Memória de S.B.C.

(4) - Cf. Núcleo Colonial São Bernardo. Livro de Contas dos colonos. p.158. Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo.

(5) - Cf. Câmara Muncipal de São Paulo. Livro de Impostos. São Bernardo. 1885/1886. Acervo: Arquivo Histórico Municipal Wahshington Luis.

(6) - Cf. Jornal “Correio Paulistano”, 21-4-1887.

(7) - Cf. Giuseppe Setti. Auto de Inventário. 22/3/1888. Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo. A memória familiar guardou a lembrança da profissão de Giuseppe em Poggio Rusco, ele trabalhava como agricultor e “calzolaio”, isto é, sapateiro. Cf. Rodrigues, Marly (Coord.) – Tradição e Qualidade – A História da Viação ABC. São Paulo: K&P. Historiadores Associados, 1999. p.17.

(8) - Cf. Livro de Matrícula dos Colonos – Núcleo Colonial de São Bernardo/Sede. Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo; Câmara Municipal de São Bernardo. Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Livro de Lançamento dos Impostos Municipais. Livro nº 1. 1890-1892. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa; Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899) e (1900-1903).
(9) - Cf. Gomes, Fábio. Op. Cit. p. 202 e 203.
(10) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899);
(11)  - Cf. Livro de Matrícula dos Colonos – Núcleo Colonial de São Bernardo/Sede. Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo
(12) - Cf. Rodrigues, Marly (Coord.) – Tradição e Qualidade – A História da Viação ABC. São Paulo: K&P. Historiadores Associados, 1999. p.17-20.
(13) - Cf. Gomes, Fábio. Op. Cit. p. 205 - 207.
(14) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Livro de Lançamento dos Impostos Municipais. Livro nº 1. 1890-1892. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa
(15) - Cf. 9º Livro de Notas do Escrivão de Paz da Freguesia de São Bernardo. 1892. Escritura pública de contrato de sociedade comercial que fazem Giuseppe Dal Zotto e Italo Setti.28/1/1892. p.131
(16) - Cf. Procuradoria da Câmara Muncipal de São Bernardo .Balancete da receita e despesa da Câmara Municipal de São Bernardo no bimestre de 9 de fevereiro a 31 de março de 1899. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa ; Procuradoria da Câmara Muncipal de São Bernardo. Apresentação do balancete de abril a julho de 1895. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa.
(17) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Arrecadação do Imposto Predial (1892-1899). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano A. Gaiarsa.; (2) – Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial. 1900 a 1902.
(18) - Cf. Jornal Correio Paulistano. 12/6/1899. p.2
(19) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1900-1903).p.43 ; Livros dos registros dos impostos sobre indústrias e profissões do Município de São Bernardo. 1911-1923; Cf. Jornal “A Província de São Paulo”. 8 de junho de 1905.
(20) - Cf. Jornal “O Estado de São Paulo. 16/11/1895
(21) - Cf. Médici, Ademir. Jornal Diário do Grande ABC. Série Eleições no ABC. 10-11-1988.
(22) - Cf. Jornal “O Estado de São Paulo em 12/9/1943
(23) - Cf. Gomes, Fábio. Op. cit. p. 203 - 205.

 

 

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