Em 1975, o Kraftwerk, quarteto musical da cidade de Dusseldorf, Alemanha, um dos precursores da mistura da Música Eletrônica de vanguarda com elementos do Rock, que se tornaria a Música Pop nas décadas posteriores, cantava assim na abertura do seu quinto álbum:
“Radioactivity
Is in the air for you and me
Radioactivity
Discovered by Madame Curie
Radioactivity
Tune in to the melody
Radioactivity
Is in the air for you and me”.
“Radioatividade
Está no ar para você e para mim
Radioatividade
Descoberto por Madame Curie
Radioatividade
Sintonize a melodia
Radioatividade
Está no ar para você e para mim” (tradução livre).
Os alemães do Kraftwerk, por meio da distorção dos sintetizadores, além de saberem muito bem misturar os avanços tecnológicos que despontavam na década de 1970 com as angústias causadas pelos próprios avanços da Ciência, sabiam muito bem quando e onde a Ciência vivera a grande virada que deu a forma ao nosso mundo marcado por microchips, fascínios, evoluções, combate às doenças, mas também dos horrores nucleares.
A polonesa radicada na França, Marie Skłodowska-Curie, que nascera Maria Salomea Skłodowska no ano de 1867 na cidade de Varsóvia, foi parte da Revolução Científica que mudaria o mundo na virada do século XIX. Não foi à toa que o Kraftwerk a citou em meio a um jogo de palavras que misturou a radioatividade a disrupção musical. Isto gerou os versos e os ritmos robóticos de abertura do seu disco mais revolucionário.
Mas quem realmente foi e o que fez de revolucionário Madame Curie?
Ela era a mais improvável das revolucionárias: uma estudante de pós-graduação de 30 anos, uma mulher em uma época em que os homens dominavam as pesquisas cientificas. Vinda da Polônia, um país não reconhecido como liderança na ciência. No entanto, em quatro anos, as descobertas de Marie Curie transformariam nossa compreensão da matéria e a tornariam uma das mulheres mais famosas do mundo.
Na época em que Marie Curie nasceu, Varsóvia foi engolida pela Rússia, sendo a Polônia literalmente varrida do mapa. Filha de professores, ela se destacou em Ciências e Matemática. Na Polônia governada pela Rússia, as mulheres não tinham permissão sequer para frequentar a universidade, muito menos se tornarem cientistas. Sua única esperança veio da migração para Paris. Como sua família não tinha dinheiro para mandá-la, porém, de início, Maria teve de trabalhar por seis longos anos como governanta para sustentar os estudos da irmã mais velha.
Somente aos 24 anos ela finalmente teve sua chance. Na chegada em Paris, Marie se deleitou com a liberdade e sofisticação tecnológica da cidade capitalista dita mais moderna do mundo, nas Ciências e nas Artes. Na Sorbonne, ela se formou em Física como a primeira da classe e, logo após a formatura, conheceu um físico e brilhante pesquisador chamado Pierre Curie. Logo se juntaram formando uma brilhante dupla nas pesquisas e descobertas. Eles se casaram em 1895, e em 1897, mesmo com uma filha pequena para cuidar, Marie decidiu ganhar algo que nenhuma outra mulher na França havia recebido: um doutorado em Física. O casamento de Pierre e Marie Curie resultou em uma dinastia científica. Seus filhos e netos também se tornariam cientistas notáveis.
O trabalho de Pierre e Marie sobre radioatividade foi baseado nos resultados de Wilhelm Röntgen e Henri Becquerel. Em 1898, o casal de cientistas encontrou o elemento polônio após uma investigação minuciosa e, em seguida, rádio. Além disso, Pierre e Marie descobriram que os raios beta são partículas carregadas negativamente. Os Curie trabalharam consideravelmente para alcançar suas realizações científicas. Pierre compartilhou o Prêmio Nobel de Física de 1903 com sua esposa Marie Curie e Henri Becquerel.
A radioatividade foi a primeira de uma série de descobertas, começando no final da década de 1890, que levou a uma visão radicalmente nova do átomo. Até então, a maioria dos cientistas acreditava que os átomos eram as menores unidades da matéria e que era impossível para um tipo de átomo, ou elemento, se transformar em outro. A pesquisa dos Curie, porém, abriu uma nova janela para o átomo, revelando que deveria haver pedaços menores dentro, ainda aguardando descoberta.
Em 1911, Marie recebeu o segundo prêmio Nobel de Química pelos seus serviços para o avanço da Química, graças ao descobrimento dos elementos radioativos e o estudo da natureza de seus compostos. Ao longo de um período de 35 anos, cientistas de toda a Europa descobririam essas peças e aprenderiam como elas se encaixam: o elétron, o núcleo, o próton e, finalmente, o nêutron. Ao fazer essas descobertas, esses cientistas não apenas aboliram a velha ideia de que os átomos não eram divisíveis; eles também mostraram que mudanças nas partes internas de um átomo podem mudar sua própria identidade.
Ainda mais surpreendente, Marie descobriu, a seguir, que um minério de urânio chamado pitchblende continha dois novos elementos altamente radioativos: polônio, que ela batizou em homenagem a sua Polônia natal, e rádio, como citado anteriormente. Para convencer os químicos céticos de que o rádio era real, Marie passou quatro anos isolando um décimo de grama de cloreto de rádio de dez toneladas de pechblende. No processo, ela descobriu que o rádio brilhava no escuro, despejando calor e luz, aparentemente para sempre.
À medida que sua pesquisa sobre radioatividade se intensificou, os laboratórios de Curie tornaram-se inadequados. O governo austríaco aproveitou a oportunidade para recrutar Curie e se ofereceu para criar um laboratório de ponta para ela, de acordo com Barbara Goldsmith, sua biógrafa. Curie negociou com o Instituto Pasteur a construção de um laboratório de pesquisa de radioatividade. Em julho de 1914, o Instituto de Rádio (“Institut du Radium”, no Instituto Pasteur, hoje Instituto Curie) estava quase completo.
Quando a Primeira Guerra Mundial estourou em 1914, Curie suspendeu sua pesquisa e organizou uma frota de máquinas de raios-X móveis para médicos no front. Durante a Guerra, ao lado da filha Irène, que cursava Medicina, Marie dedicou-se às técnicas de radiografia, salvando vidas e evitando mutilações.
Depois da guerra, ela trabalhou bastante para arrecadar dinheiro para seu Instituto de Rádio. Em 1920, porém, ela estava enfrentando problemas de saúde, provavelmente por causa de sua exposição a materiais radioativos.
Em quatro de julho de 1934, Curie morreu de anemia aplástica - uma condição que ocorre quando a medula óssea não consegue produzir novas células sanguíneas. “A medula óssea não conseguiu reagir, provavelmente porque foi ferida por um longo acúmulo de radiação”, escreveu seu médico. Curie foi enterrada ao lado do marido em Sceaux, uma comuna no sul de Paris. Em 1995, seus restos mortais foram removidos e enterrados no Panteão de Paris ao lado dos maiores cidadãos da França.
A ambiguidade da letra de Radioactivity do Kraftwerk, eles também revolucionários na Música, alude à complexa rede de triunfos e tragédias que povoaram a vida de Madame Curie. Ela não foi apenas uma revolucionária na Ciência (o que já seria bastante), mas uma mulher de convicções e contestações. Uma verdadeira revolucionária. As descobertas de Madame Curie geraram coisas como o tratamento do câncer, mas geraram também as bombas que destruíram as cidades de Hiroshima e Nagasaki, escolhas dos personagens e instituições que se
apoderaram do conhecimento gerado.
Como escreveu Thomas Kuhn no clássico Estrutura das Revoluções Científicas, uma nova verdade científica não triunfa porque os que se opunham a ela veem a luz e saem convencidos, mas porque eles acabam morrendo e surge uma nova geração mais familiarizada com ela”.
Curie comunicou muito a essas novas gerações e fez nascer um novo momento da Ciência. De fato, uma revolucionária.
Fontes:
https://exame.com/casual/marie-curie-e-eleita-mulher-mais-influente-da-historia-em-pesquisa-da-bbc/
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/14/cultura/1505400027_400435.html
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