O romance Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende, nos conta a história da narradora-protagonista Alice, professora aposentada, que deixa sua moradia na Paraíba – a pedido de sua única filha, Aldenora (Norinha), com a finalidade de lhe dar apoio no futuro plano de ter um bebê – para morar em Porto Alegre. BIBLIOTECA PÚBLICA LUGAR DE CONHECIMENTOS -  MULHERES NA CIÊNCIA E EM TODOS OS LUGARES - PARTE 6 -  A TRISTE HISTÓRIA DA MARIA DEGOLADA - "... até que ele emputeceu, deu de mão numa faca, cortou a cabeça dela, fez o que quis..." trecho de "Quarenta Dias", de Maria Valéria Rezende

O deslocamento de Alice se transforma numa saga pelas ruas dos bairros populares da capital gaúcha (para o leitor sentir e entender, é necessário ler o livro).  No meio de tudo, Alice chega na Vila Maria Degolada.

Quem foi Maria Degolada? E o que tudo isso tem a ver com a triste realidade do feminicídio no Brasil?

Maria Francelina Trenes, popularmente conhecida como Maria Degolada, alemã de nascimento, aos 21 anos foi brutalmente assassinada por Bruno Soares Bicudo, soldado da Brigada Militar, quando faziam um piquenique com amigos no Morro do Hospício, em frente ao Hospital São Pedro, o primeiro centro psiquiátrico da cidade de Porto Alegre. 

Era o ano de 1899 e, para uns, Maria Trenes seria uma prostituta; para outros, uma moça namoradeira, mas isso pouco importa. A brutalidade do assassinato causou comoção na população e, no local, foi levantada uma capela chamada Nossa Senhora da Conceição. Logo, a suposta prostituta, no entendimento popular, tornar-se-ia santa, milagrosa, cultuada. O morro, cenário da tragédia, é hoje chamado de Morro da Maria Degolada. No local se formou a Vila Maria Conceição.

O feminicídio gerou algo raro: a beatificação de uma mulher estigmatizada em vida, dada as condições violentas de sua morte. Jaz na memória coletiva como santa. Nem sempre as histórias de feminicídio acabam em redenção, ainda que na dimensão simbólica.

O feminicídio é uma marca da violência cada vez mais presente em nossa sociedade. O relatório Dor e Luta: Número do Feminicídio, da Rede de Observatórios da Segurança*, destaca que a classificação de feminicídio depende de uma interpretação e, por isso, a subnotificação pode encobrir dinâmicas da sociedade e afetar os números dos relatórios oficiais.

Em resumo: na maioria das vezes o caráter ainda machista e patriarcal da sociedade não reconhece o feminicídio como tal, há uma naturalização e um apagamento da violência contra a mulher, diluído como violência doméstica.

É importante atentarmos para o aumento do feminicídio e da violência contra o gênero em tempos de pandemia. Não é algo para relativizar ou para fazer questionamentos baseados em "achismos" e preconceitos. Nunca é demais lembrar que o feminicídio foi tipificado como crime por meio da Lei nº 13.104 de 2015: é enquadrado como feminicídio o assassinato de uma mulher pelo simples fato de ser mulher. Não é mistificação, é algo que acontece, e muito.

A matéria é tão importante e mexe tanto com o imaginário e os costumes brasileiros que, somente no mês de março de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu o uso da tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio no Brasil, considerado inconstitucional, por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

*Rede de Observatórios da Segurança: trata-se de uma rede de organizações de cinco estados brasileiros, vinculadas a iniciativas acadêmicas, que monitoram e divulgam informações sobre violência e direitos humanos.

Saiba mais em:

http://observatorioseguranca.com.br/a-rede/o-que-e/

 

Links:

Sobre feminicídio:

https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2018/03/Dados-Sobre-Feminic%C3%ADdio-no-Brasil-.pdf

https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/03/08/ong-alerta-imprecisao-dados-mulher/

https://www.youtube.com/watch?v=-CabjmNUk18

http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462336

Sobre a Maria Degolada:

https://brapci.inf.br/index.php/res/v/23099

https://lume.ufrgs.br/handle/10183/76898

https://www.youtube.com/watch?v=gnPi_dQyjuA

 

Consulte esse e outros livros em nosso acervo:

https://bibliotecapublica.saobernardo.sp.gov.br

 

 

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