BIBLIOTECA PÚBLICA LUGAR DE CONHECIMENTOS - O TRABALHO DE LER E ESCREVER - CONCEIÇÃO EVARISTO

“(...) Eu concebo meus textos a partir da minha posição de mulher negra (...)”

Assim, a nossa escritora do mês, Conceição Evaristo, delimita o espaço de onde tira a matéria-prima para seu trabalho de criar uma ficção. Matéria-prima, não, no caso de Conceição Evaristo, é mais apropriado dizermos matéria-bruta, porque é assim sua narrativa ficcional. Seu trabalho é transformar as experiências das pessoas reais, trabalhadoras, em personagens que narram os dramas cotidianos da vida; e tudo isso, filtrado por seu olhar de mulher, negra, com 75 anos, trabalhadora pobre:

Mãe lavadeira, tia lavadeira e ainda eficientes em todos os ramos dos serviços domésticos. Cozinhar, arrumar, passar, cuidar de crianças. Também eu, desde menina, aprendi a arte de cuidar do corpo do outro. Aos oito anos surgiu meu primeiro emprego doméstico e ao longo do tempo, outros foram acontecendo.

Conceição Evaristo concluiu seus estudos no Ensino Médio quando tinha 25 anos. Ingressou na universidade já adulta e sentiu na pele o desconforto também gerado pela diferença de idade, além de todas as outras marcas da vida de uma mulher pobre e negra. Graduou-se em Letras pela PUC-RJ, concluiu seu Mestrado no ano em que completou 50 anos e o Doutorado aos 55 pela Universidade Federal Fluminense.

Ao longo do tempo, outros trabalhos foram acontecendo, como o de escritora, que chegou na fase adulta de sua vida. Conceição teve seus primeiros textos literários publicados em 1990, aos 44 anos, e seu primeiro livro, Ponciá Vicêncio, em 2003, aos 57 anos. Se falamos da escrita, logo pensamos na leitura. Como Conceição Evaristo tornou-se leitora?

Gosto, entretanto, de enfatizar, não nasci rodeada de livros, do tempo/espaço aprendi desde criança a colher palavras. A nossa casa vazia de bens materiais era habitada por palavras. Mamãe contava, minha tia contava, meu tio velhinho contava, os vizinhos e amigos contavam. Tudo era narrado, tudo era motivo de prosa-poesia, afirmo sempre. Entretanto, ainda asseguro que o mundo da leitura, o da palavra escrita, também me foi apresentado no interior de minha família que, embora constituída por pessoas em sua maioria apenas semi-alfabetizadas, todas eram seduzidas pela leitura e pela escrita.

A leitura, muitas vezes pensada como consumo daquilo que é verbalizado por meio escrito, poderia acabar valorizando o domínio de uma tecnologia. Ler, nesse sentido, seria apenas aprender a dominar o código da escrita, ou seria também, como define o historiador Michel de Certeau, “uma operação de caça”? Se sim, isso não poderia colocar em cheque um paradigma de que para ser um escritor, deve-se primeiro ser um leitor de livros?

Sabemos que, na realidade brasileira, as famílias que possuem acesso material ao livro, enquanto objeto, são poucas. Mesmo nas bibliotecas públicas, é comum ouvir de usuários o medo de se levar um livro e causar algum dano material a ele. Conceição Evaristo subverte os sentidos atribuídos a ler e escrever ao conjugá-los em verbos da sua vida, tornando-os ação de construção e difusão de sentidos a partir de sua experiência vivida, sua “escrevivência”.

Ao valorizar essa operação, reposicionando os sentidos atribuídos aos valores da leitura e escrita, ela nos ensina que leitura e escrita são ferramentas de trabalho e não bens a serem conquistados. E, se a energia que manipula essas ferramentas é o que chamamos de vida, nossas histórias podem ser usadas para transformar.

Um belo relato autobiográfico de Conceição Evaristo:

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo

Conceição Evaristo - Olhos d’Água:

https://youtu.be/fM2JzUqqBjw

Conceição Evaristo sobre seu processo de escrever:

https://youtu.be/3CWDQvX7rno

Sobre a Invenção do Cotidiano:

https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Inven%C3%A7%C3%A3o_do_Cotidiano

 

 

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