BIBLIOTECA PÚBLICA LUGAR DE CONHECIMENTOS - UMA HISTÓRIA DAS PANDEMIAS – PARTE 4  CIÊNCIA PARA A CIVILIZAÇÃO CONTRA A SUPERSTIÇÃO. AS FAKE NEWS MEDIEVAIS

“A ignorância não é causa do negacionismo, mas sua consequência, e fabricada propositalmente. É uma construção articulada por pessoas que possuem altíssima informação e meios sofisticados de produzir comunicação e que constroem espaços seletivos, no qual grupos enormes de pessoas são expostas à desinformação”. (Yurij Castelfranchi, professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG).

Historicamente, as epidemias, por sua extensão em número de vítimas mortas ou mesmo de sobreviventes, geram ações e reações que extrapolam o limite do racional e produzem discursos negacionistas, que muitas vezes estimulam conflitos e a estigmatização de minorias. Também, por se tratarem de eventos que penetram fundo nas sociedades afetadas, seja por sua extensão, seja por sua gravidade, mais cedo ou mais tarde todas essas tragédias serão estudadas e vistas como um problema social, pois as epidemias também produzem transformações culturais profundas.

O número de mortos e infectados são dados reais que forçam o estudo sobre as formas de contágio, as medidas de tratamento e de erradicação do problema. Obrigam as sociedades a tomarem providências que superam o âmbito dos cuidados individuais.

Preconceitos e Negacionismo

A Peste Negra, ao longo de sua história, era considerada uma doença trazida pelos judeus; inicialmente, a pandemia de AIDS foi apelidada, inclusive por médicos, como a “peste gay”; a Covid foi inicialmente tratada como mais uma gripe e, depois, como produto de um vírus criado em laboratório chinês. De uma forma ou de outra, os discursos se orientam a explicar a pandemia a partir da estigmatização de minoria ou revelando supostos interesses conspiratórios de grupos econômicos ou países.

A xenofobia de uma Europa medieval e moderna, construindo sua identidade a partir de uma unidade cristã, levou a episódios de perseguição e morte de judeus durante a Peste Negra. As “fake news” (termo em inglês que significa “notícias falsas”) medievais estimularam episódios trágicos, como o massacre de Estrasburgo, acontecido em 1349, quando centenas de judeus foram mortos em fogueiras, acreditando serem eles os culpados pela Peste.

Não fossem os interesses econômicos e políticos existentes e que contribuíram para criar as notícias falsas, uma observação mais atenta perceberia que judeus foram menos suscetíveis à Peste por viverem mais isolados, por não estarem seguros nos centros urbanos dos feudos e por hábitos de higiene pessoal coletivos, orientados por princípios religiosos de purificação, por exemplo.

Já no século XX, temos o exemplo das fake news criadas pelo Nazismo na Alemanha, que rejeitou a Ciência produzida por judeus, negando, inclusive, a Teoria da Relatividade de Einstein. Hoje, grupos neonazistas negam a existência do Holocausto dos judeus.

Processos Civilizatórios

A realidade se impõe e o debate científico é necessário para a orientação de novos comportamentos, costumes e tecnologias, a fim de que sociedades e seus estados possam construir políticas capazes de superar essas tragédias. A saída sempre será pelo caminho da Ciência, porque tem de superar as práticas e opiniões individuais como forma de garantir segurança.

Ao longo dos séculos, a Peste Negra foi sendo estudada e motivou o desenvolvimento das pesquisas médicas que, de maneira mais imediata, é a que aparece primeiro, como no caso do desenvolvimento de vacinas e antibióticos para combater os agentes causadores de doenças. E isso é importante para que a cura ou a erradicação da doença seja global.

Um exemplo da importância do desenvolvimento de vacinas e remédios pode ser constatado com o que aconteceu nas Américas. Quando dos processos de colonização, houve o contato dos europeus com os nossos povos originários, ocorrendo a morte de boa parte desses povos indígenas por não terem anticorpos para doenças como o sarampo e a varíola, por exemplo. Não existiam vacinas no século XVI, então, os sobreviventes que adquiriam anticorpos, ao travarem contato com povos que ainda não haviam sido expostos, criavam uma epidemia entre estes.

Há, porém, transformações para além das práticas médicas (estas, aliás, somente são possíveis a partir do desenvolvimento de outras áreas do conhecimento, como a Biologia e a Física, por exemplo) que demoram muito mais tempo para produzirem seus efeitos.

O desenho das cidades, por exemplo. O desenvolvimento do Urbanismo também foi motivado pela Peste, ao introduzir preocupações com o saneamento básico e sistema de esgotos como preocupação sanitária. Ao olharmos comparativamente o desenho das cidades medievais e modernas é possível ver a preocupação com a circulação de ar nas ruas.

Isso acaba por orientar nossos hábitos e costumes, como a de reunir e guardar nosso lixo para coleta, nas maneiras como cuidamos do nosso corpo com a higiene pessoal, nos cuidados com a preparação e armazenamento seguro dos alimentos.

No Brasil, a título ilustrativo, a epidemia de Peste Bubônica, na virada do século XIX para o século XX, gerou uma preocupação sanitária pela produção de vacina e soro, que demandou ao estado a criação, em São Paulo, do Instituto Butantã e, no Rio de Janeiro, do Instituto Soroterápico, atual Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Sem o reconhecimento da importância do desenvolvimento científico nacional no século XIX, estaríamos hoje ainda mais dependentes de pesquisa e produção de vacinas internacionais.

Por fim, a fala do famoso historiador israelense Yuval Harari: “vamos ter práticas, de rever fronteiras: entre disciplinas, porque a complexidade do enfrentamento de pandemias requer saberes e colaboração transdisciplinares; entre países, em prol da solidariedade e da cooperação; e entre o mundo humano e o dos animais não humanos, com revisão do próprio antropocentrismo e da proeminência que os humanos acham que exercem no mundo, que afinal não nos é exclusivo”.

 

Crédito da foto: Arte Wikmidia Commons

REFERÊNCIAS:

A Peste, do século XIV ao século XVII; guerras e xenofobia.

https://www.historiadomundo.com.br/idade-media/peste-negra.htm

https://aminoapps.com/c/amantes-do-saber-br/page/blog/o-massacre-de-estrasburgo/gEMm_wRf6uQ2YNR3lW6bDR0rGBoEm0Z2rr

https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/da-peste-negra-a-covid-19-4-erros-repetidos-em-toda-pandemia/

Sobre o negacionismo como estratégia de desinformação

https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2021/04/14/negacionismo-na-pandemia-virulencia-da-ignorancia

Sobre criação da quarentena em Veneza no século XIV

https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/04/quarentena-isolamento-peste-negra-origem-quarentena

Sobre a Peste a as transformações econômicas, políticas e culturais

https://super.abril.com.br/historia/e-se-a-peste-negra-nao-tivesse-acontecido/

Sobre pandemias e urbanismo

https://jornal.usp.br/artigos/pandemia-e-urbanismo/

Pandemia, urbanismo e arquitetura sob o ponto de vista da mídia comercial

https://blogdaliga.com.br/pandemias-do-passado-deixaram-marcas-nas-cidades-como-sera-urbanismo-pos-coronavirus/

Vídeos sobre pandemia e as transformações sociais

https://youtu.be/Cm5O-mMmP0o

https://youtu.be/MdSTOal9dxA

 

 

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