UMA HISTÓRIA DAS PANDEMIAS - PARTE 5: A GRIPE ESPANHOLA

“A doença começa como o tipo comum de gripe, mas os doentes desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada no hospital, têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado.” (trecho de carta escrita entre 1918-1919, divulgada pelo British Medical Journal).

A Gripe Espanhola, que não era espanhola, causou mais de 50 milhões de mortes ao redor do mundo, entre 1918 e 1920 e é considerada a mãe das pandemias por ter sido a primeira que atacou todos os continentes, praticamente. Assim como a nossa pandemia atual, acredita-se que o vírus tenha saltado de uma espécie animal para os seres humanos.

Como temos discutido ao longo dos textos passados, as pandemias não devem ser enxergadas fora de seus contextos históricos mais amplos, sendo elas entendidas como processos complexos que geram desdobramentos e que também são causadas por outros eventos tão grandes quanto elas mesmas.

Se a Peste Negra contribuiu para a longevidade da Guerra dos Cem Anos na Europa Medieval, obrigando os conflitos a serem suspensos em alguns momentos, não conseguimos imaginar a devastação causada pela Gripe Espanhola no século XX sem pensarmos na proporção global da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A pergunta primeira que nos ocorre é: onde surgiu a Gripe Espanhola e, mais importante, como surgiu?

A Gripe Espanhola veio do vírus H1N1, mas, diferentemente dos vírus de gripe comum, ele se apoderava das células dos pulmões, mais do que do nariz e garganta. Isso produzia um quadro infeccioso bastante grave e agudo, conforme nossa epígrafe narrou. As pessoas sangravam pelos olhos, nariz e boca e poderiam demonstrar os primeiros sintomas mais fortes de manhã e estar mortas no final do dia. Tudo indica que o vírus tenha passado das aves aos humanos por meio de uma recombinação, tendo os porcos como vetor. Aves migratórias teriam infectado uma criação de porcos nos Estados Unidos, mais precisamente no Kansas, e daí contaminado o soldado Albert Gitchel, no Forte Riley e de lá levado o vírus para a Europa, pois, nesse momento, ainda eram travadas as batalhas na Primeira Guerra Mundial. Ao chegar neste cenário sangrento, o vírus alastrou-se para o mundo.

Até hoje um dado intriga os pesquisadores: normalmente o vírus influenza ataca mais as faixas etárias com menor imunidade, ou seja, velhos e crianças. Diferentemente, a Gripe Espanhola vitimou mais os adultos. Uma hipótese para isso está na força do sistema imunológico dessa faixa etária, que, ao combater a doença, provocava uma reação inflamatória violentíssima no corpo.

Por que uma doença, provavelmente iniciada nos Estados Unidos, foi receber o nome de Gripe Espanhola? Aqui, o cenário político é duplamente importante. Primeiro, por causa da própria Grande Guerra, em que havia a preocupação em se controlar a circulação de informações. Nos EUA, o presidente Woodrow Wilson censurara os órgãos de imprensa para não falarem da doença, assim como outros países envolvidos na Guerra. Segundo, a Espanha, por sua neutralidade no conflito devido a crises políticas e sociais intensas no período, acabou por divulgar amplamente a crise sanitária.

A questão de se associar a Gripe Espanhola diretamente à Primeira Guerra Mundial tira dela muitas outras questões importantes, como é o caso das medidas que foram tomadas para contê-la e seus impactos sociais e econômicos. Um estudo de economistas em 43 cidades dos Estados Unidos concluiu que as cidades que adotaram medidas sociais e sanitárias mais rígidas primeiro, foram as cidades que tiveram menos mortes e se recuperaram economicamente mais cedo. Aqui, é importante destacar que, ao olharmos a pandemia de 1918, podemos ter um olhar histórico que nos permite problematizar com mais propriedade o nosso presente, encontrando semelhanças e destacando as diferenças. No próximo texto, falaremos da Gripe Espanhola no Brasil.

Histórico sobre a Gripe Espanhola
https://hospitaldocoracao.com.br/novo/midias-e-artigos/artigos-nomes-da-medicina/gripe-espanhola-a-mae-de-todas-pandemias/

Gripe Espanhola e a tese da imunidade de rebanho
https://www.hospitaloswaldocruz.org.br/imprensa/noticias/infectologista-compara-coronavirus-com-gripe-espanhola-e-diz-que-imunidade-de-rebanho-e-inviavel

Causas e sintomas da Gripe Espanhola
https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/gripe-espanhola-100-anos-da-mae-das-pandemias/

Negacionismo e tratamentos precoce na Gripe Espanhola.
https://www.bbc.com/portuguese/geral-53576486

Vídeos:
https://youtu.be/_gm66nW1Jek

https://youtu.be/R8ffOIVsXn0

 

 

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