O que diferencia a Aids de outras epidemias? Na primeira fase da doença (começo da década de 1980), os principais atingidos foram os homossexuais, seguidos dos usuários de drogas injetáveis e logo depois os hemofílicos. Não precisamos pensar muito para entender que isso gerou uma reação e ajudou a desinformar a população como um todo sobre os perigos de contágio, o avanço da doença, além de reforçar estereótipos e preconceito sobre os afetados.

A mobilização política dos movimentos sociais, dos gestores do SUS (Sistema Único de Saúde) e de outros segmentos da sociedade civil ajudou a provar que a Aids é uma doença muito mais complexa do que o preconceituoso rótulo de “câncer gay”,  que manchou as manchetes alarmistas de jornais há quarenta anos. As perguntas que ficam são: foi pacífica essa mudança de consciência? Está consolidada a sua percepção? As respostas: não e não.

Como dito acima, para tentar reverter os estereótipos e os preconceitos, foi necessária uma ampla mobilização de setores organizados do movimento homossexual que, aliado ao movimento sanitarista, que trazia toda uma discussão acumulada sobre saúde pública e prevenção de doenças desde os anos 1970, deu uma importante resposta: todos somos suscetíveis à infecção pelo HIV e o enfrentamento dessa pandemia depende da solidariedade e da garantia dos Direitos Humanos.

O artigo Prevenção do HIV e da AIDS * * nos lembra que a AIDS chega ao Brasil na transição entre o governo civil-militar e o período de redemocratização. O papel da sociedade civil foi (e ainda é) fundamental para que o respeito e a garantia da saúde como um direito de todos (e a garantia de outros direitos sociais) avançassem e se transformassem em políticas de Estado. Uma das importantes transformações das políticas públicas para AIDS no Brasil foi exatamente a mudança de ênfase nas campanhas públicas de prevenção que ocorreram no início dos anos 1990, nas quais a propagação do medo foi substituída pela conscientização. Foi necessário investimento público e políticas articuladas entre sociedade civil e o poder público para criar os programas de prevenção baseados no conceito de vulnerabilidade dos afetados e não na sua culpabilização.

A percepção popular sobre a AIDS hoje depende como nunca de uma política de prevenção. Vários aspectos justificam essa preocupação:

O primeiro deles é a falsa sensação de que os remédios e as medidas de prevenção, que sem dúvida tiveram muitos avanços nos últimos anos, protegem totalmente as pessoas. A AIDS é tratável, mas não deixa de ser uma doença que limita a vida das pessoas e é fortemente marcada por processos de estigmatização e discriminação sociais;

Uma outra questão é de que a doença continua afetando os setores mais vulneráveis da sociedade (com ênfase na conjugação entre raça/classe/gênero), exatamente aqueles que têm menos acesso à informação e enfrentam problemas econômicos e sociais em maior escala no seu cotidiano;

Por fim, e não menos grave, é o avanço do pensamento preconceituoso na sociedade, que interdita o debate e limita a circulação de informações seguras sobre os efeitos e as formas de contágio da doença. O moralismo e as fake news desinformam e matam. Como um exemplo recente, basta observar o peso da desinformação como um dos causadores do grande número de mortes na pandemia do novo coronavírus.

A mobilização da sociedade em busca da tolerância com o diferente e a aceitação da diversidade e das liberdades individuais integradas ao interesse coletivo, tudo isso articulado com informações seguras, baseadas na Ciência, são os principais fatores de prevenção contra uma doença que afeta a vida de muitas pessoas e famílias. Prevenir doenças e promover a saúde e o bem-estar da sociedade dependem, antes de tudo, de participação social e democracia.

 

Links

https://papodehomem.com.br/aids-doenca-de-gay-aids-desconstruida-1/

https://www.cartacapital.com.br/blogs/saudelgbt/por-que-a-aids-predomina-entre-jovens-gays-negros-e-pardos/

https://www.blogs.unicamp.br/rainha/2008/10/hiv-descoberta/

https://abiaids.org.br/dossie-abia-hiv-aids-e-covid-19-no-brasil/34379

https://ricovasconcelos.blogosfera.uol.com.br/2019/09/13/entenda-por-que-e-um-erro-associar-o-aumento-do-hiv-a-homossexualidade/

https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/hiv-aids/campanhas.html

 

Instituição de referência:

https://abiaids.org.br/

 

Eventos que acontecerão em breve:

Simpósio Temático sobre História da Aids no Brasil: perspectivas de análise e contribuições para o debate contemporâneo. No dia 24 de junho das 11 às 12h30 no 4º Encontro Luso-brasileiro de História da Medicina Tropical e o 2º Simpósio Nacional de História das Doenças e Artes de Curar:

https://www.congressosaopaulo2021-4elbhmt-2snhdac.com/ transmitidos nesse endereço: https://www.youtube.com/c/museuhistoricodafmusp

Seminário Repensando a Prevenção, organizado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS.

O encontro acontecerá no modo virtual na próxima quinta-feira (24/06), das 9h30 às 17h. Para se inscrever e conferir a programação completa acesse https://abiaids.org.br/repensando-a-prevencao/


* Disponível em https://abiaids.org.br/prevencao-do-hiv-e-da-aids-a-historia-que-nao-se-conta-a-historia-que-nao-te-contam/33603 - Acesso: 21/06/2021

 

 

 

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