BIBLIOTECA PÚBLICA LUGAR DE CONHECIMENTOS – UMA HISTÓRIA DAS PANDEMIAS – PARTE 9: RATO BUM BUM TAM TAM

As pestes e a música uniram as biografias de Casemiro Gonçalves da Rocha - nascido em 1880, no Rio de Janeiro - e Leandro Aparecido Ferreira - que nasceu em Itapecerica da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo, em 1994. Rato, Rato, Rato, uma polca choro composta em 1902, e Bum Bum Tam Tam, um funk composto em 2017 e remixado em 2020, obtiveram aquilo que, segundo Noel Rosa, o compositor popular mais almeja: entrar no coração do povo.

A polca Rato Rato Rato foi inspirada nos pregões dos compradores de ratos que surgiram durante a campanha empreendida por Oswaldo Cruz (1872-1917). O sanitarista pretendia, com isso, conter o alastramento da peste bubônica que ameaçava o Rio de Janeiro. O trompetista da Banda do Corpo de Bombeiros fluminense, Casemiro Rocha, ao ouvir os bordões de convocação da equipe de Oswaldo Cruz nos subúrbios, compôs a polca choro que, um tempo depois, receberia uma letra do parceiro Claudino Costa. Interessante atentar que, tanto na versão instrumental quando na versão com letra, a sonoridade alusiva ao roedor se faz presente:

“Rato, rato, rato
Por que motivo tu roeste meu baú?
Rato, rato, rato,
Audacioso e malfazejo gabiru.
Rato, rato, rato,
Eu hei de ver ainda o teu dia final
A ratoeira te persiga e consiga
Satisfazer meu ideal.”

A canção ainda sem a letra seria gravada pela Casa Edison e ganhou de fato o gosto popular. Posteriormente, sua letra foi divulgada no boca a boca das ruas do Rio de Janeiro e tornou-se um grande sucesso no Carnaval de 1904, para ser efetivamente cantada por Orestes Matos, em 2010. A cantora potiguar Ademilde Fonseca, 41 anos depois, gravou a canção que novamente faria sucesso no Carnaval de 1945. Não havia mais ratos infestando a cidade do Rio de Janeiro; Oswaldo Cruz ganhara a batalha sanitária e a canção popular registrou tudo isso.

Em 2017, o jovem Leandro Aparecido, conhecido como MC Fiotti, registrou em seu celular o mote inicial de uma música que viria a ganhar mais de um bilhão e seiscentos milhões de visualizações e 12 milhões de “likes” no canal do YouTube da Produtora Kondzilla. Nasceu Bum Bum Tam Tam. 

Para acompanhar esse início, além da batida, Mc Fiotti usou um recurso legítimo (legal e esteticamente) e “sampleou” um trecho de Partita em Lá Menor, peça clássica para flauta solo, de 1723, do compositor barroco alemão Johann Sebastian Bach, que está sob domínio popular. Bach inspirou Fiotti também na letra:

É a flauta envolvente que mexe com a mente
De quem tá presente
As novinha saliente
Fica loucona e se joga pra gente”

Assim, a música Bum Bum Tam Tam, que já fora sucesso em 2017, ganharia vida nova, motivada pela tragédia do coronavírus, o que só reforça o poder e a força da Música Popular, sobretudo aquela referendada pelas pessoas comuns, no dia a dia. A potência do refrão do funk, que misturou batidas fortes, versos grudentos e a flauta barroca do século XVI, associada à sonoridade alusiva do Instituto Butantan (que já inspirara a primeira versão), encontrou a “peste” do século XXI, a Covid-19. Seu primeiro verso, agora adaptado à realidade da pandemia, ganhou novamente o gosto popular:

 “É a vacina envolvente que mexe com a mente
De quem tá presente
A vacina é saliente
Vai curar nóis do vírus e salvar muita gente
...
Vai, treme o bum bum
Tam tam tam tam tam tam tam tam tam tam
Tam tam tam tam tam tam tam tam tam tam"

“Uniram-se”, então, o trompetista do Rio de Janeiro do início do Brasil Republicano no século XX e o MC paulista de Itapecerica da Serra, em pleno século XXI, para compor seus hinos contra as pestes, a bubônica e a Covid-19, contra o negacionismo, a ignorância e o obscurantismo. Ambos ganharam a boca (e o coração) do povo pelas medidas sanitárias, pela Ciência, pela vacina. A polca choro e o funk em uníssono.

Quem foi mesmo que disse que o povo é ignorante e alienado?

 

 

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