BIBLIOTECA PÚBLICA LUGAR DE  CONHECIMENTOS -  PARTE 1: DO GLS AO LGBTQIA+ :Eu sou porque nós somos

 

A todo momento, ao longo de nossa vida, quando a gente se comunica, aprende a fazer o uso de conjunções. Na gramática das línguas, a conjunção aditiva ("e"), bem como a conjunção alternativa ("ou"), muitas vezes nos são apresentadas de maneira a entendermos como formas de oposição e que pode nos levar a enxergar opções como normas. Você prefere o azul ou o amarelo? Você gosta de cebola ou de alho?

A gramática, como conjunto de prescrições e normas sobre o uso correto das línguas que falamos são elas também, assim como a língua que estudam, construções histórico-culturais das sociedades. Como fenômeno humano, a língua, o desenvolvimento da linguagem, é bastante interessante se pensarmos no percurso de como fomos agregando sons mais complexos a sons que manifestavam sensações, como fome, raiva, dor, entre outros e os transformamos em sentimentos.

O ser humano, também ele como fenômeno cada vez mais complexo, construiu, ao longo do tempo, normas, muitas vezes baseadas em oposições usando para isto nossa própria ancestralidade biológica. Na Natureza existem machos ou fêmeas, segundo o cromossomos XY e XX. Mas será que uma criatura capaz de desenvolver cultura, de construir sentimentos como amor e também a vingança, cabem numa classificação binária regida pelo “ou se é isso, ou se é aquilo”?

Começamos falando de conjunções aditivas e alternativas na gramática portuguesa, para falarmos de expressões de sentimentos e sensações. Voltemos agora às letras que identificam o tema das nossas conversas ao longo do mês de julho. O que significa a sigla LGBTQIA+? O significado é complexo e hoje nossa proposta é a de identificar cada uma das letras que compõem esse todo. Vamos lá?

Na década de 1980 começamos a tomar contato com a expressão GLS, onde cada letra dava conta de representar os gays, homens que se sentem atraídos afetiva e sexualmente por homens; as lésbicas, mulheres que se sentem atraídas afetiva e sexualmente por mulheres; e os simpatizantes, que são aqueles seres humanos que se identificam com a ideia de que o amor e o sexo estariam além daquilo que era considerado normal, normativo da conjunção alternativa referida acima.

Daí, na década de 1990, os movimentos atualizaram a sigla para GLBT, pois se reconheceu que não existiam apenas os gays e lésbicas, mas também os bissexuais e as travestis (que não devemos associar como sinônimo das drag queens). Como todos os movimentos de seres humanos, a diversidade e a heterogeneidade fazem parte, inclusive, dos debates. Neste contexto, coloca-se em evidência o questionamento ao protagonismo gay na sigla desse movimento que já se fazia ouvir globalmente e buscava por reconhecimento e direitos. Daí a inversão das letras oficiais, passando de GLBT para LGBT. 

Esta inversão encontra respaldo num evento histórico, considerado um dos mais marcantes na história da luta pelos direitos civis das pessoas homoafetivas e transgêneros. Durante o conflito ocorrido para se defender da polícia no bar Stonne Wall, em Nova Iorque, foram as mulheres as primeiras a enfrentar a violência policial. “Mulheres de várias identidades de gênero, etnias e orientações sexuais que tiveram papéis importantes no estopim do confronto que definiu a luta pelos direitos. Stormé DeLarverie, “a guardiã das lésbicas”, foi a pessoa que primeiro deu um soco num policial durante a batida que deu início à revolta.”

LGBT não representa apenas uma inversão nas letras iniciais e a inclusão de pessoas que se sentem atraídas por pessoas de sexo diferente ao longo do tempo, as bissexuais. A letra t avança para reconhecer no movimento a existência de pessoas com outros gêneros. 

Qual a diferença entre sexualidade e gênero? Na sexualidade, que dão conta das letras L,G e B, o referencial é por quem aquela pessoa sente atração, sejam elas hetero, homo e bissexuais. Ao agregar as pessoas transexuais à legenda, há o reconhecimento da necessidade de se evidenciar que existem diferenças de gênero também. Aqui, o referencial muda completamente, no gênero, o que importa é "como eu sinto, como eu penso e me vejo com relação à identidade ou não a partir da nomenclatura biológica do meu corpo". Falando em língua de novo, a partícula grega “trans” significa "algo para além do". Neste caso, transexual é alguem que está para além do sexo homem ou mulher. A oposição ao trans é o cisgênero, quando há a identidade entre gênero e sexo.

Pode ter homem, cis e gay? Pode. Assim como pode ter também mulher, trans e hetero; parece confuso, mas é mais porque estamos acostumados a uma norma que alterna ou opõe sentimentos. Após anos de crescimento do movimento e as atualizações da sigla, chegamos à conformação LGBTQIA+. Se lá em cima falamos sobre as conjunções, agora deixamos como curiosidade, o porquê desta sigla não ter um ponto final e sim um símbolo de adição; o que acha?

Falamos do significado de LGBT, introduzimos as pessoas cis para chegarmos na letra Q. O que é queer? A matização acima foi necessária para a gente conseguir se aproximar do significado de queer, que de certa forma, permeia todo o alfabeto que representa a diversidade do movimento e propõe trazer consigo uma concepção de que todas as categorizações ou enquadramentos que pretendem definir normativamente podem criar limitações e restrições à existências diversas.

Queer são pessoas que superariam qualquer tentativa de identificação ou normatização a partir de padrões binários de gênero, desconstruindo as dicotomias e oposições ao que é considerado padrão, ou seja, ao que identificam como o padrão hetero-cis-normativo. É mesmo um questionamento da norma e uma teoria em curso.

E, por fim, mas não menos importante, chegamos ao I, de intersexuais. São indivíduos que anatomica e fisiologicamente não se enquadram em padrões de nomenclatura binários, podendo ter a genitália feminina e o aparelho reprodutor masculino, ou vice-versa, em que corpo físico não define gênero e/ou sexualidade. Esta letra chega ao código genético dos seres vivos, em que se apresenta que XX (fêmea) e XY (macho) não são as únicas formas pela qual a natureza manifesta-se sobre isso. Hoje a biologia conhece cerca de 40 variações cromossômicas possíveis. Em 2007, o filme XXY, com o ator argentino Ricardo Darín, traz o drama de uma família cuja filha era intersexual.

Dissemos que era o fim, mas não: a sigla, que representa o movimento, agrega também as pessoas assexuadas, pessoas que não sentem desejo em realizar o ato sexual. Contudo, são pessoas que se relacionam amorosamente com outras.

O sinal de + agrega as outras possibilidades como demissexuais, pansexuais e intrasexuais. Ou seja, aqui o "ou" entra para uma afirmação sobre como o movimento se vê; como o de reconhecer outras formas de ver a vida e de se relacionar com ela.

Esperamos, com este breve glossário contextualizado, contribuir para percebermos a complexidade e importância de todos os movimentos para o reconhecimento de direitos inclusivos na sociedade.

 

 

Sobre StonneWall e o reconhecimento por direitos:
https://rosalux.org.br/wp-content/uploads/2020/11/ponto_debate_ed21_final.pdf

Sobre a sigla:
https://youtu.be/SOXXjyB8OtM
https://youtu.be/EREoc40JBr8

Sobre o significado de Queer
https://youtu.be/Uu4PEFhV8N0

Trailer do filme XXY
https://youtu.be/25p0AnmX2E0

 

 

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