“Se os imigrantes inquietam tanto (e muitas vezes de maneira tão abstrata) as pessoas instaladas, talvez seja, em primeiro lugar, porque eles lhes demonstram a relatividade das certezas inscritas no solo”
(Marc Augé).

A temática da diáspora, os relatos e memórias de imigrantes, migrantes, exilados e refugiados sempre tiveram presença na produção literária brasileira, sendo pela ascendência dos próprios autores, ou pelas narrativas de suas obras, ficcionais ou não.  Personagens que deram voz aos sujeitos e às suas experiências produzidas por esses movimentos humanos, esses grandes fluxos populacionais presentes desde os primeiros anos da História da Humanidade.

“Ao longe de sua existência, o imigrante tem sofrido um processo de alegorização [...] que o tem privado de sua capacidade de expressar um conteúdo que não seja aquele concedido pelo olhar autoral: conteúdo nacionalista, cosmopolita, regionalista ou transcultural” (O Imigrante na Literatura Brasileira, de Leonardo Tonus).

Como podemos observar através dessas obras, as motivações para tais deslocamentos foram e são as mais diversas possíveis, desde a procura por melhores condições de vida às perseguições a indivíduos ou grupos étnicos por questões religiosas, políticas e sociais. Indivíduos ou coletividade de pessoas que deixaram sua terra em busca de refúgio, abrigo, de uma perspectiva melhor de oportunidades, mesmo em outro país com uma cultura distinta e que, por muitas vezes, veem o imigrante como “o outro”, a ameça externa, que deve ser tratado de maneira diferenciada. Em suma, tanto a Literatura de imigração como a de exílio assumem uma dimensão universal: a da sobrevivência.

“Assaad está sentado à janela de sua casa em Santa Bárbara D’Oeste, um ano antes de sua morte. Algumas palavras saltam de sua mente e desabrocham em um sussurro: “O tempo de calar a dor ficou para trás.” (A Imensidão Íntima dos Carneiros , de Marcelo Maluf).

O Brasil, assim como o continente americano de uma forma geral, se consolidaram como uma região do planeta de forte imigração, voluntária, impelida ou forçada. Povos europeus, asiáticos e africanos se deslocaram para as terras brasileiras, trazendo suas histórias, experiências de vida e culturas, que contribuíram, de uma maneira ou de outra - como assimilação ou resistência-, para a formação do povo e da nação brasileira.

“O vocabulário de dona Angelina era reduzido - tanto em português como em italiano, sua língua natal, não sabia expressar-se corretamente; por isso deixava de empregar, muitas vezes, a palavra justa, adequada para cada situação. Usava o termo "atrevimento" para tudo: coragem, audácia, heroísmo, destemor, obstinação, irresponsabilidade e atrevimento mesmo”. (Anarquistas Graças a Deus, de Zélia Gattai).

Aos imigrantes, nosso país mostrou-se como a nova oportunidade de recomeço para alguns e ao mesmo tempo como local de desterro para outros. As dificuldades em uma nova terra marcaram a existência dessas pessoas e suas famílias, deixando marcas profundas na vida de seus descendentes.

Destacamos também as movimentações populacionais internas entre as regiões brasileiras, que cumpriram fluxos cíclicos de acordo com o desenvolvimento e declínio econômico desigual das regiões brasileiras no percurso da História do Brasil. Grandes êxodos humanos, do campo para a cidade, do norte / nordeste para o centro-sul do país.

“O migrante perde a paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a caça, a lenha, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo de falar. Suas múltiplas raízes se partem. [...] Seria mais justo pensar a cultura de um povo migrante em termos de desenraizamento. Não buscar o que se perdeu: as raízes já foram arrancadas, mas o que pode renascer nessa terra de erosão” (Cultura Brasileira, de Ecléa Bosi).

Essas perspectivas do lugar daqueles que chegaram de fora e tentaram construir  uma nova vida em condições adversas, a partir das identidades das famílias, dos costumes, dos sonhos e dos dilemas em terra estrangeira ou em outra região do mesmo país, ocuparam muitas narrativas produzidas na Literatura Brasileira, desde as obras clássicas às produções contemporâneas. Escritores como Milton Hatoum, Zélia Gattai, Raduan Nassar, Carola Saavedra, Luis Ruffato, Marcelo Maluf, entre outros, trouxeram em sua prosa as memórias e histórias desses homens e mulheres, exilados, refugiados, desterrados, que enfrentaram muitas adversidades em terras brasileiras, tanto nos fluxos migracionais dos séculos passados como nas diásporas contemporâneas.

 

“Na Pensão Fenícia, as vozes desses nativos faziam contraponto às dos imigrantes orientais: vozes dissonantes, que narravam histórias muito diferentes, mas que pareciam homenagear um tipo de saber citado por Benjamin: “o saber que vinha de longe do longe espacial das terras estranhas, ou do longe temporal contido na tradição”. (Relatos de um Certo Oriente, de Milton Hatoum). 

 

Acompanhe nossas redes sociais:

facebook       instagram       youtube