“Porque, acredite em mim, uma cicatriz não se forma num morto. Uma cicatriz significa: “Eu sobrevivi.” (trecho de Pequena Abelha, de Chris Cleave).

O livro selecionado para o Clube de Leitura Leitores da Cidade para o mês de setembro é o romance Pequena Abelha, do escritor inglês Chris Cleave. Publicado em 2008, Pequena Abelha é um livro sobre a principal crise humanitária do século XXI, a crise dos refugiados.

A narrativa do romance traz a voz de duas mulheres, uma jovem refugiada nigeriana e uma jornalista inglesa, que tiveram suas vidas marcadas de maneira traumática após o encontro numa praia deserta na Nigéria, um dia fatídico que marcou profundamente tanto Abelhinha e sua irmã mais velha, quanto Sarah e seu marido Andrew, que passavam férias no litoral nigeriano. Vidas que se entrecruzaram e se desencontraram dias depois, mas que o movimento da história e da luta pela sobrevivência fizeram encontrar-se novamente.

Os capítulos do livro são intercalados pelas vozes dessas mulheres, de Abelhinha e Sarah, duas personagens femininas que narram suas memórias a partir de suas visões e do lugar que ocupam no mundo, contadoras de uma história que deixou cicatrizes profundas, marcadas pela tristeza, desalento, intolerância, preconceito e crise de identidade.  Segredos e silêncios que vão sendo descobertos a cada capítulo, e que explicam os sentimentos e frustrações que uniam essas mulheres.

Já no primeiro capítulo, Abelhinha narra sua vida reclusa em um centro de detenção de imigrantes na Inglaterra. Cada palavra expressa sua condição de sujeição e humilhação pelas autoridades inglesas em relação àqueles seres sociais indesejados, os refugiados. Dois anos de reclusão que, da mesma forma, não fizeram Abelhinha esquecer as violências que atingiram sua aldeia na Nigéria e vitimaram toda a sua família e, agora, sozinha numa prisão em um país distante do seu, as lembranças e o terror continuavam a acompanhá-la, o medo constante  da chegada “daqueles homens”.

“Às vezes penso que gostaria de ser uma moeda de uma libra em vez de uma menina africana. Todo mundo ficaria satisfeito ao me ver”.  

“Dois anos, fiquei dois anos no centro de detenção. Estava com quatorze anos quando cheguei no seu país”.

Sarah e Andrew tentaram retomar suas vidas após aquelas férias na Nigéria, mas os eventos que presenciaram não saíam de seus pensamentos, não conseguiam legar ao esquecimento aquilo que haviam vivenciado. Os sentimentos de culpa e impotência paralisavam suas vidas. Questionavam seu modo de vida e o que tinham feito até então para mitigar as condições indignas a que estavam condenados imigrantes e refugiados em seu país. Os eventos narrativos se desdobram de maneira dramática quando o reencontro com aquele passado recente se torna iminente e, com aquela menina nigeriana, se torna uma realidade.

“Abelhinha nos telefonou na manhã em que a soltaram do centro de detenção. Meu marido atendeu a ligação(…). Cinco dias depois se enforcou”.

A partir daí, a narrativa segue seu fluxo, dura, direta e intensa, mas, ao mesmo tempo, com alguns momentos de poesia e leveza proporcionados pelos devaneios de Abelhinha. 

O que tentou ser calado e esquecido, volta e vai sendo desvendado com riqueza de detalhes e impressões das duas personagens. Aquilo que poderia significar rupturas e ressentimentos vai ganhando outros significados e possibilidades. O que poderia separar de maneira incontornável, une pelo luto, pela tristeza, pelo não pertencimento e também pela esperança e o seguir em frente. Nesse último caso, porém, os condicionamentos humanos, políticos e sociais transformam esse caminho em um terreno íngreme, de difícil travessia. Aqueles que tentam fazer essa travessia nem sempre encontram a redenção, mas somente se deparam com a realidade de desigualdades, exclusão e ausência de empatia.

Um pequeno retrato de nosso tempo, marcado pela acumulação, ganância e relações de poder e dominação. Realidade produtora e reprodutora de relações sociais perversas, produtora de indivíduos que buscam refúgio.

“Ah, então sou uma garota, uma garota africana. É o que sou e o que vou continuar sendo, enquanto isso a mágica das formas mutantes dos sonhos volta, sussurrante, a se misturar ao rugido do oceano”.

 

Vídeos Youtube:

AudioLivro Pequena Abelha – Chris Cleave
https://www.youtube.com/watch?v=9Wa24ycVQKw

 

 

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