Antes que a imponente construção que hoje é a Igreja Matriz fosse edificada, seu espaço foi por mais de um século ocupado por outra de menor dimensão, mas que durante muito tempo foi o principal prédio público do toda a região. Este antigo prédio começou a ser edificado em 1814, dois anos após a criação da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem e ficou pronto - ou pelo menos apto a receber cultos - em 1825 (1). Matriz durante largo tempo de uma paróquia com jurisdição sobre toda a área que hoje é o ABC paulista, a igreja esteve no centro da existência da humilde - salvo exceções - e escassa população que habitou São Bernardo por muitos e muitos anos. Batizados e casados sob seu teto e sepultados sob sua terra foram tanto senhores quanto escravos, tanto moradores das ruas vizinhas como colonos vindos das inóspitas áreas mais profundas do Riacho Grande, onde os seus sinos não podiam ser ouvidos. Gente como os escravos Rita e Justino, que ali se casaram em 1849; gente como João Correia Dias, senhor desses cativos, que também ali contraiu matrimônio, dez anos depois; gente como os colonos poloneses Antônio e Stanislava Tomagesvki, moradores da distante paragem do Rio Pequeno, que batizaram na Matriz a filha Verônica em 1911 (2).
De início muito simples, ao longo de sua existência o prédio da antiga Matriz melhorou seu aspecto em diversas reformas, recebendo acabamento e ornamentações. Por volta de 1840, a igreja já estava assoalhada e seu primeiro frontispício pronto; vinte anos depois, ela ganharia douramento nas partes internas e novo assoalho, uma vez que o original já estava apodrecido. Durante uma dessas muitas obras, um desastre ocorreu: em 1866, quando reparos eram feitos no frontispício, este veio abaixo junto com a torre, que caiu sobre o telhado da igreja. Nada foi noticiado sobre vítimas. Apesar do frontispício já apresentar problemas estruturais tempos antes da obra (3), pelo acidente foram responsabilizados o pedreiro Honorato Delpozzo e seu assistente, chamados na imprensa da época de indivíduos que "nem sequer sabem o que sabe o mais ignorante dos pedreiros" (4). A reconstrução duraria até cerca de 1870. 
Ao longo do tempo, por várias mutações passaria também a área externa da igreja: no princípio o pátio frontal (e também o interior do templo) era usado para, sem muita ordenação, sepultar os corpos dos fiéis, conforme o antiquíssimo costume que então começava a ser questionado por razões sanitárias. A situação incomodou o Vigário Thomas Inocêncio Lustosa, que reclamou ao presidente de província em um oficio de 1852: "(...) ficou esta freguesia até o presente momento sem um cemitério, que tanto precisa, visto que muitos tem grande repugnância de sepultar seus parentes no pátio da igreja, onde passeiam todos os animais" (5). Em 1855, o problema foi resolvido com a construção do cemitério em um terreno atrás da igreja (atualmente ocupado pelo salão paroquial e parte do prédio novo da Matriz). Cercado por um muro de taipa, ele receberia sepultamentos até cerca de 1892, quando o cemitério da Vila Euclides, já então eventualmente utilizado, o substituiu definitivamente. No entanto, a transferência dos despojos do velho cemitério para lá só se daria em 1915, por ordem do Bispo Dom Duarte Leopoldo. Não muito tempo depois a área da necrópole abandonada foi ajardinada e o pátio frontal da igreja transformado em praça, com coreto, luminárias, bancos, escadaria e jardim. 
Entre 1926-7, o prédio da Matriz volta a passar por grandes reformas, com troca de madeiramento dos telhados, substituição dos assoalhos de madeira por ladrilhos de cerâmica, e instalação de um lampadário de bronze doado pelo industrial Ítalo Setti (6). Outros reparos aconteceriam nos anos seguintes, mas não o suficiente para dar conta dos problemas estruturais que surgiam com mais frequência e gravidade conforme a igreja envelhecia. No início da década de 1940 surgiria a idéia de demolição do prédio e construção de um novo. O então pároco Jerônimo Angeli chegou a mencionar o risco de desabamento em um documento. Além disso, as dimensões do templo já eram pequenas para a população da cidade, cujo ritmo de crescimento começava a acelerar naqueles anos. Embora tenha se cogitado na época preservá-lo e edificar a nova Matriz em um terreno no Bairro Nova Petrópolis (oferecido por Wallace Simonsen), a deterioração do prédio e um parecer da Cúria Metropolitana que não reconheceu seu valor histórico levaram os responsáveis a decidir pela demolição. Em 1947 a atual igreja começou a ser erguida sobre os fundos de sua antecessora, que foi posta abaixo no ano seguinte, quando as obras da nova Matriz já haviam evoluído a ponto de permitir o funcionamento da paróquia (7), mesmo que precariamente. Desaparecia assim uma construção que foi durante gerações uma das principais referências simbólicas de nossa região.

Nas imagens, acima à esquerda vemos a igreja no início do século passado, ainda com seu pátio de terra batida (imagem do livro Uma Caminhada Missionária, produzido pela Paróquia); em seguida a igreja por volta de 1936, já com a praça construída. Embaixo, vista interna dela.


NOTAS:
(1) dos Santos, Wanderlei. Antecedentes Históricos do ABC Paulista. PMSBC, 1992.
(2) Registros Paroquiais de São Bernardo. Cúria Diocesana de Santo André.
(3) dos Santos, op. cit.
(4) Correio Paulistano 25-01-1866; 28-01-1866; 30-01-1866.
(5) Ofícios diversos 13-03-1852. Arquivo do Estado de SP.
(6) Costa, Pe. Gelmino (org.). Centenário da Presença dos Missionários de São Carlos no ABC Paulista. Edições Loyola. 2004.
(7) Rossetti, Sérgio. Parte II - 1930-1955 in: Uma Caminha Missionária. Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, 2004.

 

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