Em 1939, o antigo município de São Bernardo, cujo território envolvia toda a atual região do Grande ABC e era sediado na chamada Vila de São Bernardo – área correspondente ao atual município de São Bernardo do Campo, passou a ser denominado Santo André e teve sua sede transferida para o distrito de mesmo nome (1). Este distrito, que correspondia ao atual município de Santo André, desde o início do século XX vinha se desenvolvendo muito mais rapidamente - em termos econômicos, políticos e sociais - do que o restante da região. Isso acontecia, sobretudo, devido à instalação de grandes indústrias nas margens da estrada de ferro e nas proximidades da então chamada Estação São Bernardo, a começar pelas tecelagens de grande porte (Ipiranguinha e Kovarick), entre os últimos anos de século XIX e o início do século XX, chegando até as primeiras multinacionais da região ( Lidgerwood (1919), Rodhia (1921), Fichet & Schwartz-Hautmont (1923), Pirelli (1929)(2)), as quais transformaram o local em um dos maiores dos maiores polos industriais do Brasil. No plano político, durante as três primeiras décadas do século XX, o velho bairro da estação construiu sua hegemonia com a força do senador estadual José Luiz Fláquer , de seus irmãos, e também, da família Franco, antiga proprietária da fazenda do oratório, uma das maiores da região. Na década de 30, do ponto de vista demográfico, as diferenças entre as duas localidades do ABC também eram grandes. Em 1934, a população urbana de Santo André atingia a monta de 17012 habitantes, enquanto que em São Bernardo, o centro urbano abrigava 4036 pessoas (3). Estas circunstâncias justificaram perante as autoridades do governo do estado as mudanças de denominação e sede do município, mas escondiam o fato de que, embora sendo bem menor que a grande potência que Santo André havia se tornado, a Vila de São Bernardo, por si mesma, possuía indicadores econômicos, geográficos e demográficos que a habilitavam a pleitear o status de município. Em 1940, a área total da antiga sede municipal possuía 11685 habitantes (4), a segunda maior indústria moveleira do estado, três tecelagens de médio porte e abrigava as obras de construção de uma das mais sofisticadas estradas de rodagem da América Latina, a Via Anchieta. Em 1943, apoiando-se nestes números, no fato histórico de que a Vila de São Bernardo havia sido a sede política da região desde a época de sua elevação à condição de Freguesia (1812) e também em uma oportunidade surgida com a notícia de que o governo estadual preparava uma nova revisão de seu quadro territorial (5), um grupo de industriais, comerciantes e profissionais liberais, em articulação com o banqueiro de renome nacional Wallace Simonsen (6), acreditaram que seria possível conseguir, junto às autoridades paulistas, a emancipação do então distrito são-bernardense. Com este objetivo, além da promoção de outras benfeitorias para a localidade – como a construção de um novo prédio para a Igreja Matriz - o grupo fundou, em 6 de junho de 1943, a Sociedade Amigos de São Bernardo. Embora as fontes disponíveis não permitam conhecer as reais dimensões do envolvimento popular no movimento pela emancipação, alguns documentos do acervo do Centro de Memória de S.B.C atestam sua existência. Entre eles estão, alguns depoimentos integrantes do Banco de História Oral, dos quais transcrevemos a seguir alguns trechos. Armando Marotti, alfaiate e artista plástico, nascido em 1933, residente na Rua Marechal Deodoro, afirmou que “O povo lotava (o prédio) da Sociedade Italiana todas as noites. E a gente ensaiava lá os três hinos que o Simonsen trouxe pra turma. O João Gomes fez o Hino de São Bernardo, que a gente ensaiava e mais algumas músicas brasileiras. O Simonsen ... vinha com a banda Carlos Gomes, com o João Gomes, e a gente ficou dois meses e meio ensaiando. Os batateiros todos desciam aí de noite, o pessoal das colônias também, os Bonício, os Breda, o Vanderlick sempre participou das coisas também ...” (7). Segundo Odete Tavares Bellinghausen, educadora, musicista e esposa de Alberto Bellinghausen - um dos sócios da fábrica de móveis “Irmãos Bellinghausen”, residente na Rua Dr. Fláquer, nascida em 1915: “A emancipação, eu tomei parte mesmo, com minha família, minha mãe, meu pai, meus filhos. Nós comparecíamos aos ensaios da banda e do coral popular que se preparou para o dia da emancipação (...) e nós estávamos sempre firmes lá cantando“ (8). Bortolo Basso, comerciante, ex-vereador e ex- industrial, nascido em São Bernardo em 1901, foi o elo entre Simonsen e o restante do grupo que trabalhou pela emancipação. Segundo ele: “Essas conversas (sobre a emancipação e outras melhorias para a cidade) que eu fazia quase que diariamente com o Sr. Wallace, eu transmitia aos meus amigos (...) e foi andando por aí a conversa. São Bernardo era um lugar pequeno, em pouco tempo São Bernardo inteirinha sabia que este senhor se interessava por São Bernardo (...). A população estava toda eufórica.(,,,) A fé foi tanta que nós obtivemos a emancipação. O povo ficou mais do que alegre, mais do que contente.” (9). Além de Bortolo, faziam parte do grupo dos autonomistas mais conhecidos: Nerino Colli - marceneiro e comerciante; os industriais Pery Rochetti, Armando Setti, Francisco Miele, Manoel e João Corazza; o médico Gabriel Nicolau; Plínio Guirardello - dentista; João Batista de Oliveira Lima, entre outros. Por fim, em 30 de novembro de 1944, graças, sobretudo, a influência política de Wallace Simonsen, foi publicado o Decreto Estadual nº 14.334, trazendo, na nova divisão administrativa do estado, o novo município de São Bernardo, com a expressão “do Campo” acrescentada ao nome original e os limites territoriais que permanecem até hoje, à exceção da área que atualmente integra o território de município de Diadema. Estava assim consolidada a emancipação de São Bernardo do Campo e a primeira cisão político-administrativa da atual região do Grande ABC - cuja unidade remontava aos tempos da antiga freguesia de São Bernardo. No dia 1º de janeiro de 1945 ocorreu a instalação do novo município e a posse de seu primeiro prefeito, Wallace Simonsen. Imagem: População se reúne para ouvir discurso de Wallace Simonsen, em atividade relacionada à emancipação do município e à Sociedade Amigos de São Bernardo. O documento original não oferece informações exatas sobre a data e a razão do encontro, mas podemos afirmar que ele ocorreu no segundo semestre de 1944, sendo possível mesmo que se trate do próprio anúncio da emancipação, em 30 de novembro de 1944. O local retratado é a esquina da Rua Marechal Deodoro com a rua Dr. Fláquer. A população está voltada para o antigo sobrado do Banco Noroeste, cuja sacada era usada por Simonsen e outros políticos para discursos e anúncios. No canto superior esquerdo está o prédio do Bar e Café Expresso, local que Wallace Simonsen costumava frequentar e onde travou amizade com Bortolo Basso, o proprietário do estabelecimento, que o apresentou aos demais líderes emancipacionistas. Este imóvel existe até hoje, é um bem tombado pelo COMPAHC-SBC e ainda abriga um restaurante no andar superior.
 
Doação: Beatriz Bornhausen. Acervo e Pesquisa: Centro de Memória de São Bernardo do Campo. 

NOTAS:
(1) - Na época estava em vigência a ditadura do Estado Novo. O processo eleitoral e o poder legislativo haviam sido suprimidos em todo o país. O Estado de São Paulo era governado através de decretos, por um interventor diretamente nomeado pelo ditador Getúlio Vargas. O decreto estadual nº 9775, que rebaixou a vila de São Bernardo à condição de distrito, incluía a revisão do quadro territorial de todo o estado. Foi publicado em 30 de novembro de 1938, pelo então Interventor Federal Adhemar de Barros, o mesmo homem que, menos de um década depois, em outro contexto institucional, lançaria a carreira política de Tereza Delta em São Bernardo do Campo. Alguns dias antes de sua publicação, Barros havia visitado os distritos de Santo André e São Caetano, para o lançamento da pedra fundamental de um grandioso serviço de águas e esgotos - o qual deveria contemplar toda a região - em evento que recebeu ampla e destacada cobertura na imprensa nacional, evidenciando a enorme importância política e econômica da localidade. O prefeito do município, neste momento, era o advogado Décio Leite, o qual havia sido nomeado pelo interventor em julho de 1938. 
(2) - A empresa francesa Rodhia adquiriu terreno em Santo André em 1914, mas, devido à Primeira Guerra Mundial, a construção de sua fábrica só se desenvolveu a partir de 1919, e o início das atividades de produção, em 1921 (Cf. https://www.rhodia.com.br/rhodia-no-brasil/100-anos/anos-20 ). A italiana Pirelli iniciou suas atividades no Brasil e na região do então distrito de Santo André em 1929, através da aquisição da fabricante de cabos e artefatos de borracha e fios de cobre CONAC (Cf. Jornal “O paiz”, 7/8/1929, p.2 e https://corporate.pirelli.com/corpo.../en-ww/aboutus/history).
(3) - Cf. Estado de São Paulo. Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Comissão Central do Recenseamento. Recenseamento Demográfico, Escolar e Agrícola-Zootécnico do Estado de São Paulo. 20 de setembro de 1934. Imprensa oficial do Estado.1936. p.44.
(4) – Cf. IBGE. Recenseamento Geral do Brasil. 1 de setembro de 1940. Série Regional. Parte XVII - São Paulo. Tomo 2. Censo Demográfico – População. Serviço Gráfico do IBGE. Rio de Janeiro, 1950. p.558. Este contingente populacional superava a população de dezenas de outros municípios paulistas.
(5) - Cf. Jacobine, Rodolfo Scopel. Uma Pequena História da Emancipação. p.3. 2005. Estudo disponível para consulta no Centro de Memória de SBC.
(6) - Wallace Simonsen era proprietário do Banco Noroeste, cuja agência local ficava em um sobrado localizado esquina da Rua Marechal Deodoro – atual n. 1294 - com a Rua Dr. Fláquer. Era irmão de Roberto Simonsen, político, industrial e intelectual dos mais influentes na condução da política econômica do governo Vargas durante o Estado Novo, sendo membro do conselho consultivo da Coordenação de Mobilização Econômica. Wallace possuía uma luxuosa chácara no atual bairro Nova Petrópolis, onde passava os finais de semana. Este imóvel atualmente é tombado pelo COMPACH-SBC e abriga o Parque Chácara Silvestre. 
(7) - Cf. Marotti, Armando. Depoimento. 10/2005. Banco de História Oral. Centro de Memória de S.B.C.
(8) - Cf. Bellinghausen, Odete Tavares. Depoimento. 16/09/1977. Banco de História Oral. Centro de Memória de S.B.C.
(9) - Cf. Basso, Bortolo. Depoimento. 17/12/1976. Banco de História Oral. Centro de Memória de S.B.C.
 

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