Ao longo dos 103 anos de sua vida,  o advogado paulista Enéas César Ferreira desempenhou múltiplas atividades: presidiu na juventude o  famoso Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito de S. Paulo; foi  vereador em Campinas, deputado estadual e até mesmo organizador de batalhões  na Revolução de 1932 (1). Dentro de sua profissão de advogado, um dos trabalhos mais demorados foi  possivelmente a conclusão  do inventário dos Sítio dos Vianas, em São Bernardo, quando, em 1925 (2), retomou o processo de partilha das terras do agricultor Miguel Alves Viana, iniciado quase cem anos antes, em 1832. Dividido em dezenas de quinhões com centenas de herdeiros e sucessores, o processo  correria até meados do século passado. O próprio Enéas ficaria com  um dos quinhões, o de número 46, um vasto terreno que, no sentido norte-sul,  ia do limite com a Vila Baeta Neves até  a Rua dos Vianas. Enéas  logo negociaria parte da área com seu primo Francisco Queiroz Ferreira, que ali instalou a Chácara Sofia (3). Na parte remanescente, o advogado, além de instalar também uma chácara, buscou um  novo empreendimento: em novembro de 1944 obteve autorização do governo federal para  pesquisar fontes de água mineral  no perímetro de seu  sítio (4). Vale lembrar que, nessa época, São Bernardo e áreas vizinhas ainda não estavam, em sua maioria, integradas em  nenhuma rede de tratamento de água, o que tornava  mais atraente como  negócio iniciativas como a de Enéas. 
 
Um anúncio com foto, feito no jornal “O Município” em julho de 1948 (5) , mostra que ele havia sido bem sucedido em sua  busca e já comercializava, àquela altura, a água ali encontrada, recebendo pedidos por telefone e vendendo-a em garrafões de três litros. A imagem publicada mostra que o painel  de azulejos que caracterizava a fonte já havia sido construído. A publicidade procurava atestar a confiabilidade do produto, informando ter sido aprovado em três análises laboratoriais, incluindo a do renomado Instituto Adolfo Lutz. Além disso, dizia que a carga de radioatividade encontrada na água lhe conferia características supostamente medicinais, fiando-se em um trabalho acadêmico francês da época, sem detalhar, porém, no que exatamente consistiam essas características.
 
Enéas esteve no comando do negócio até  1956, quando transferiu-o a Dino Gabriel, um filho de libaneses oriundo de Taquaritinga, interior paulista, que  desde 1951 possuía uma firma de distribuição de bebidas no Bairro de Santana, em São Paulo (6). 
 
Dino tinha sonhos grandes de  expansão do empreendimento no Baeta Neves.  Em 1959 já contava com uma frota de 15 caminhões disponíveis para distribuição,  tanto na cidade como em São Paulo, da água extraída da fonte do Baeta , engarrafada em versões com e sem gás. Bares e restaurantes estavam entre seus clientes. Posteriormente ele também doaria cerca de 18 mil litros diários para as escolas municipais. A fonte estava  aberta à visitação e ao  consumo público, tendo se transformado numa área de lazer para a  população local. Em publicidade de 1959, Dino afirmou desejar  incrementar essa vocação turística, tornando o local “programa oficial para todo aquele que se dispuser a visitar São Bernardo”. Pensava em construir ali “jardins pitorescos, piscinas e possivelmente um hotel” (7). 
 
Esses anseios de  transformar o local numa estância turística acabariam não se concretizando, deslocados diante do acelerado processo de urbanização da região dos Vianas nos anos seguintes.   Dino continuaria  a comercializar a água da fonte até 1971, quando negociou o terreno. Em 1978,  a área chegou a ser declarada  de utilidade pública pela prefeitura, com justificativa de preservação de manancial de água potável, mas o decreto foi revogado cinco anos depois( 8 ). O local continuou, contudo, a ser utilizado para coleta d'água pela população - algumas famílias inclusive  comercializam o que coletavam, como complemento de renda (9). Tal fluxo só seria interrompido em 1993,  diante da constatação  de contaminação da fonte, o que levou  ao seu fechamento definitivo (10). Em 2000, o painel  de azulejos do local foi tombado pelo Conselho de Patrimôno Histórico da cidade. O restante da área atualmente abriga edifícios residenciais.
 
 
Nas imagens, vemos acima o logotipo da água mineral São Bernardo, extraído de anúncio da empresa publicado no jornal Folha de S. Bernardo em 30-11-1959, e abaixo, vemos o local em  1989, quando populares ainda coletavam água nas torneiras da bica
 
 
Notas
 
1. O Estado de S. Paulo, 28-12-1991
 
2. Diário Oficial do Estado de S. Paulo, 21-03-1925
 
3. Barbosa, N.A.M. et al. Suplemento Especial – História dos Bairros. In FOLHA DE S.BERNARDO, 1979.
 
4. Decreto Federal 17077 de 8-11-1944
 
5. O Município, 10-07-1948
 
6. Biografia de Dino Gabriel,  com informações fornecidas pelo próprio, para o projeto de concessão da medalha de mérito cívico que o homenageou. SPE-PMSBC, 1976.
 
7. Folha de São Bernardo, 30-11-1959
 
8. Decretos PMSBC 5864/78  e 7519/83
 
9. Diário do Grande ABC, 08-07-1987
 
10. idem, 19-10-2011  
 

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