A Fábrica de Móveis S. Bernardo foi uma das maiores e mais longevas representantes da indústria moveleira local. Suas origens  estão  ligadas às figuras de  Giovanni D’Angelo e Antonio Caputo,  italianos oriundos da pequena aldeia litorânea de Scario, na comuna de San Giovanni a Piro, região da Campânia. Foi também neste local que, em 1893, se estabeleceram laços familiares entre os dois, através do casamento entre Caputo e Sophia, irmã de D’Angelo (1).
 
Em 1895, os dois imigrantes mantinham armazéns no trecho central da Rua Marechal Deodoro (2) e,  por volta de 1900, estavam estabelecidos na região do atual Riacho Grande (3). Nesta época, João entrou no ramo de processamento de madeira ao arrendar a serraria de Abrão Delegá, na mesma área,  por um breve período (4). Em 1902, já sócios, Caputo e D’Angelo instalaram uma serraria movida a vapor em terras que haviam adquirido recentemente, nas proximidades do atual Centro de Esportes Aquáticos do Riacho Grande, no atual Bairro Estoril. O município era então um dos maiores produtores da madeira do Estado de São Paulo, contando  com 15  engenhos de serra hidráulicos e 4 serrarias movida a vapor (5). Entre os equipamentos adquiridos por Caputo para a empresa estava uma máquina belga para cortar toras (Hochleistungsgatter) fabricada pela indústria Danckaert, que, em  1982, foi cedida à prefeitura municipal e fixada como monumento aos moveleiros de São Bernardo do Campo, nas proximidades da esquina da Rua Jurubatuba com a Rua José Pelosini, local onde ainda hoje se encontra (6). Esta serraria seguiu registrada como pertencente à dupla até 1911, e,  à partir de 1912, surge nos registros da prefeitura como pertencente apenas à Antonio Caputo, que depois adquiriu também outras serrarias na região.
 
Em 6 de abril de  1912, Caputo, que ainda residia no Rio Grande, e João, que então morava na região central do município,  compraram,  por dois contos de réis,  um  terreno na Rua Marechal Deodoro, que media  33m de frente por 35,2m  de fundos,  e  pertencia à Francisco da Silva Madeira, Alexandrina Madeira e Isabel de Oliveira Salles (7).  Localizado onde hoje estão as Lojas Americanas, este imóvel fora propriedade, nas últimas décadas do século XIX,  do  Tenente  Francisco de Oliveira Salles, uma das pessoas mais poderosas da região.  Em 1913, sob o comando de João D’Angelo, foi instalada uma fábrica de móveis neste local ( 8 ). A indústria  moveleira da Vila de São Bernardo havia surgido apenas 3 anos antes, através de um empreendimento de João Basso, que também havia sido proprietário de serraria na região do Rio Grande, antes de estabelecer fábrica na Rua Marechal Deodoro. Em 1923, após D’Angelo abandonar o negócio, Caputo se tornou o único proprietário do imóvel e entrou em sociedade com seu genro, José Pelosini,  na posse da fábrica (9). Em 1924, a empresa empregava  38 operários (10) e operava articulada às duas serrarias de Caputo.
 
Em 1928, José  Pelosini já havia deixado a empresa para abrir sua própria indústria, também na Rua Marechal Deodoro, no local onde hoje está o Shopping São Bernardo.   Por esta época, a fábrica  de Caputo havia crescido consideravelmente, contando com cerca de 92 funcionários (11).
 
No ano de 1931,  Antonio Caputo enfrentou graves dificuldades financeiras e sua  indústria foi à leilão (12),  sendo adquirida pela família de Ítalo Setti,  passando a ser então  denominada  Setti & Filhos (13). As instalações se compunham, nesta época de 3 barracões, 6 pavilhões, e uma grande quantidade de equipamentos – incluindo a já citada  máquina belga  vinda da serraria do Rio Grande, a qual desaparecera neste momento, possivelmente devido à elevação do nível d’agua na Represa Billings, cuja construção estava sendo finalizada. No total, a empresa valia cerca de 400 contos de réis, sendo que os equipamento correspondiam a 25 % deste valor (14).
 
Entre  março e abril de 1984, funcionárias da  antiga Sala São Bernardo, embrião do atual Centro de Memória-SBC, entrevistaram Ângelo e Antonio Vial, Armando e Argermiro Zampieri, Ângelo Baraldi e Luigi Demarchi, todos ex-funcionários e proprietários da Fábrica de Móveis S. Bernardo (15). Na ocasião, eles relataram como,  em agosto de 34 , Pery Ronqueti, Antonio Próspero, e José Tosi, em meio às dificuldades decorrentes de uma greve nas indústrias da cidade,  resolveram criar uma sociedade para adquirir de uma fábrica de móveis, convidando trabalhadores interessados. Depois de conseguirem a adesão de 105 pessoas, começaram a fazer reuniões. Inicialmente pretendiam comprar a Fábrica  de Móveis S. Luís, depois se decidiram por adquirir a antiga fábrica de  Antônio Caputo. A partir de então, ao menos uma boa parte dos proprietários passaram a ser também funcionários da empresa, que recebeu neste momento  a denominação de Fábrica de Móveis São Bernardo.   Ainda segundo o depoimento dos trabalhadores, houve grande dificuldade para que cada um deles conseguisse reunir  recursos financeiros relativos à compra de sua cota na sociedade – que era  a mesma para todos. Logo em seguida,  o salário máximo foi fixado em  apenas 8 mil-réis por dia,  e até mesmo os  gerentes e  o guarda-livros trabalhavam de graça, à noite e nos finais de semana, para que o empreendimento sobrevivesse. Demoraram por volta de 2 anos para que os sócios pagassem a compra da fábrica.  A madeira utilizada na empresa era adquirida em forma de  tora e vinha, através da estrada de ferro, até  a Estação Santo André, sendo então transportada por caminhões até o centro de S. Bernardo. Através da serraria da própria empresa, as toras eram transformadas em madeira própria para o uso da fábrica. Posteriormente, passou-se a comprar madeira já serrada. O tipos de madeira mais usados foram   canela,  pinho, embuia e cerejeira.
 
Ainda segundo o relato dos antigos sócios-funcionários da empresa,  o salário  dos trabalhadores eram definidos pelos gerentes. Marceneiros e lustradores trabalhavam à contrato, ganhando pela produção. Os maquinistas eram diaristas,  ganhavam por horas.  Acidentes de trabalho ocorriam com certa freqüência – sobretudo afetando  mãos  e dedos - e um deles, logo nos primeiros anos de existência da sociedade, foi fatal.  A fábrica pagava um seguro e também os dias parados para as vítimas.
 
Também na mesma ocasião, os antigos trabalhadores informaram que,  inicialmente, o negócio estava organizado sob a forma de  uma companhia limitada, com número fixo de sócios. Vinte anos depois, a empresa se tornou uma sociedade anônima,  possibilitando a venda de ações, com prioridade para os sócios, que logo caíram para o número de 61. Os entrevistados lembraram ainda que os trabalhadores da empresa eram  festeiros da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem no dia 20 de agosto, que  é dedicado  à S. Bernardo, o santo padroeiro da fábrica. Realizavam quermesses, participavam de missas dentro da fábrica  e até mesmo doaram à Igreja Matriz  uma  estátua de  madeira representando o santo francês.
 
No momento da criação da sociedade, a lista dos 105  acionistas   da empresa era a seguinte:   Antonio Prospero,  Atílio Locatelli,  Paschoal Pagi, José Tosi Filho, Mário Bochini, Antonio Bueno, Rubens Locatelli, Zelindo Ongaro, Luiz Catelan, José Marson, Andrea Demarchi, Gotardo Catelan, João Dal Checo, Pedro Oneda, Antonio Andriani, Egisto Stefano Echendes, Antonio Casa, Caetano Arsuffi, José Copini,  Lourenço Morassi, Dante Bonício, Jacinto Lotto, Pedro Pachuki, Pedro Roque Tosi, José João Tosi, Orestes Savordelli, Antonio Cruchiak, Luiz Bonício, Angelo Marçon, Paschoal Secoli, Manoel Cremonesi, João Coperski, Carlos Farina, João Marson, Ernesto Dellabarba, Ernesto Carlos Colombo, Pedro Bonício, Ângelo Sabatini, Hilário Lotto, João Storti, Silvestre Cuzziol, Antonio Sergio Raul Pasin, Antonio Colchak, Joaquim Casemiro, Ferdinando Lotto, Pedro Feltrim, José Soprano, Caetano Bonício, José Baraldi, Laurindo Adamo, João Gastaldo, Ricardo Savordelli, Alfredo Gianotto, Anselmo Venzol , Luiz Pinotti, Antonio Bonício, Carlos Catelan, Angelo Zardo, Luiz Savordelli, Antonio Versolato, Angelo Feltrim, Emídio Jacinto Cerchiari, Quirino Savordelli,  Artur Ferrari, Natalino Vertamatti,  João Batista Marson,  Ítalo Sabatini,  Angelo Catelã, Juvenal de Almeida Machado, Pery Roncheti, Aldino Pinotti, Irte Geraldo Coppini,  Aléssio Luiz Vertamatti,  Luiz Dellabarba,  Armando Zampieri, João Feltrim, Nicola Adamo, Primo Dellabarba, Joanin Fregonesi,  Salvador Capassi, Augusto Soares , Angelo Fregonesi, João Adamo, Geraldo Capassi, Arnaldo Sabatini, Argemiro Zampieri, José Vertamatti, José Rocco, Antonio Vial, Pedro Breda, José Bozzer, Guilherme Gastaldo, Antonio Dellabarba, Mário Pagni, Primo Ongaro Sapatera, Luiz Cuzziol, Luiz Demarchi, Angelo Vial, Ernesto Cuzziol , José Maria Lauriano, Esidro Bertuilhe, Angelo Baraldi,  Antonio Storti, Zéfiro Massolini, José Pancelli. Os sobrenomes presentes nesta lista revelam que a  grande maioria dos sócios  é descendente de imigrantes –sobretudo italianos - que chegaram ao município no último quartil do século XIX.
 
A empresa permaneceu como uma das principais indústrias moveleiras da cidade até o princípio dos anos 1980, quando foi desativada. 
 
 
Nas imagens a fachada da Fábrica de Móveis São Bernardo aparece  em dois momentos. Abaixo,  em uma fotografia pertencente à
Osvaldo Coppini,  provavelmente tomada entre as décadas de 20 e 50. E acima, em  1976, um dos seus últimos anos de funcionamento,
registrada pela prefeitura municipal.  
 
 
 
Notas:
 
(1) - Cf. - Gomes, Fábio. Origem das Famílias de São Bernardo do Campo – Famílias Tradicionais e Ilustres.  São Paulo, EDICON, 2002 (vol.1.) e 2005 (vol.2).  p.102 – vol. 1, e  p.89 - vol 2.  
(2) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899) 
(3) - Cf. Orsi, Itamir e PAIVA, Eddy C. Famílias Ilustres e Tradicionais de São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, Edições Preservação da Memória Nacional, 1990. v. 1.  p.65.
(4) - Cf. 2º Tabelião de Notas de São Bernardo do Campo. Escritura pública de desistência de arrendamento de uma serraria e terrenos adjacentes que fazem João D´ Angelo e Amedeo Tosi. 24/09/1900.  Livro 14. p.2-4.  
(5) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos Diversos. 1904-1909. p.69. Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa. 
(6) - Cf. Jacobine, Jorge Henrique Scopel. O ciclo das serrarias em São Bernardo. 2021. Texto publicado no Portal da Secretaria de Cultura.
(7) - Cf. 1º Tabelião de Notas de São Bernardo do Campo. Escritura Pública de Venda entre Partes. 6/4/1912. Livro 23. p.25.
(8) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial e Viação. (1904-1923).p.21; Livro dos registros dos impostos sobre indústrias e profissões do Município de São Bernardo. 1911-1923. p. 25.
(9) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial e Viação. (1904-1923).p.81; Livro dos registros dos impostos sobre indústrias e profissões do Município de São Bernardo. 1911-1923. p. 95; Diário oficial do Estado de São Paulo. 29/03/1923. p. 2489. Disponível no website da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo ( Prodesp). 
(10) - Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos de Indústrias e Profissões.1924-1935. Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano  Armando Gaiarsa.
(11) - Cf. Estado de São Paulo. Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria de Estatística,Indústria e Comércio. Estatística Industrial do Estado de São Paulo correspondente ao ano de 1928. São Pauo, Tipografica Casa Garraux, 1930. p.62. Disponível no website da Biblioteca Digital da Fundação SEADE. 
(12) - Cf. Diário Oficial do Estado de S.Paulo. 6/6/1931. p. 4806. Disponível no website da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo ( Prodesp). 
(13) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos de Indústrias e Profissões. 1924-1935. ps.1 e 8 . Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano  Armando Gaiarsa. 
(14) - Cf. Diário oficial do Estado de S.Paulo. 6/6/1931. Idem. Disponível no website da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo ( Prodesp). 
(15) - Cf.  Ex-sócios da Fábrica de Móveis São Bernardo. Depoimento. 30/3/1984 e 7/4/1984. Banco de História Oral.  
 

 

 

Pesquisa, texto e acervo: Centro de Memória de São Bernardo

 

Alameda Glória, 197, Centro

Telefone: 4125-5577

E-mail: memoria.cultura@saobernardo.sp.gov.br

 

Veja esta e outras histórias da cidade no portal da Cultura:

https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/tbt-da-cultura