Fundada em 19 de junho de 1898, por um grupo de 29 imigrantes italianos, a “Societá di Mutuo Soccorso Italiani Uniti” foi, por muitas décadas, a única entidade do gênero existente no território do atual município de São Bernardo do Campo, além de uma de suas principais organizações nos âmbitos social, assistencial e cultural (1). As sociedades de socorro mútuo foram muito comuns na Itália e nos países que receberam seus imigrantes entre o final do século XIX e princípios do século XX (2). Entre suas características mais comuns estava a prestação de alguma forma de auxilio médico aos associados, os quais contribuíam mensalmente com uma taxa para a conta da entidade. Dezenas de organizações desta espécie surgiram na região metropolitana de São Paulo na década de 1890, das quais apenas uma parte teve existência duradoura, entre elas, a entidade de São Bernardo (3.).

O estatuto da “Italiani Uniti” de São Bernardo estabelecia que apenas italianos e filhos de italianos menores de 50 anos poderiam se tornar sócios, desde que fossem apresentados por outros dois associados e contribuíssem com uma taxa mensal de 5$000 e uma taxa de adesão de 10$000. Os sócios tinham direito a assistência médica e farmacêutica, desde que suas necessidades não fossem causadas por consumo excessivo de álcool, doenças venéreas ou brigas. Ainda segundo o estatuto, a associação contava com um grupo de três médicos para realização dos atendimentos necessários. Em caso de morte de um de seus membros, a sociedade deveria prestar e custear as honras funerárias. Neste caso, sócios em diversas partes do município – Rio Grande, Meninos, Galvão Bueno, Jurubatuba, e Estação S. Bernardo - eram avisados com urgência para que tomassem parte no cortejo fúnebre. Membros que se tornassem incapazes de trabalhar por invalidez também tinham direito a ajuda financeira vitalícia, proveniente do caixa permanente da associação, formado por doações, rendas de eventos recreativos e parcela das mensalidades ordinárias (4).

Entre os fundadores da entidade estavam políticos, artesãos, comerciantes e pequenos industriais: Ítalo Stefanini, primeiro presidente da sociedade, era o Intendente Municipal - maior autoridade administrativa da cidade – e dono de uma fábrica de charutos; Eugênio Meucci, era comerciante, fabricante de bebidas e um dos futuros presidentes da sociedade (1907-1908) ; Cláudio Sbrighi, ferreiro e comerciante ; Ítalo Setti, funcionário público e industrial; Fortunato Finco, proprietário de engenho de serra, futuro industrial moveleiro; Luiz Bruno, vereador (1892-1898) e comerciante; Silvestre Tironi, comerciante; Giuseppe Pasin e Antonio Toninato, sapateiros; Giuseppe Toguin, ferreiro. Um dos sócios iniciais, Giuseppi Nasossi, seria presidente e fundador, alguns meses depois, de uma outra sociedade italiana de mútuo socorro, denominada Savóia, na Estação São Bernardo, hoje município de Santo André (5). Uma lista de associados de 1934 revela a presença de uma maioria de operários da indústria moveleria- tupistas, lustradores, marceneiros, etc - mas registra também outras profissões, como mecânicos, torneiros e motoristas, entre outros (6). Nesta época o número de sócios chegou a mais de 500, sendo que uma grande parte deles já era de brasileiros natos.

Desde seus primórdios até pelo menos por volta de 1950, a sede da sociedade foi o principal espaço laico dedicado ao,lazer e à cultura na cidade.. Durante este período abrigou inúmeros bailes e festas, tendo sido também o abrigo da principal banda da cidade, a Corporação Musical Carlos Gomes, fundada em 1926. Adquirido ao sócio Abraão Delegá, em 1902, o imóvel tradicional da sociedade ficava onde hoje estão os atuais nºs 1359 e 1363 da Rua Marechal Deodoro (7). O local recebeu uma ampla reforma em 1932, mesmo ano em que abrigou, provisoriamente, um hospital auxiliar de guerra, para socorro de combatentes feridos nos conflitos da revolução constitucionalista (. O amplo e luxuoso salão - dotado de palco para apresentações musicais e eventos diversos - recebeu a denominação de Guglielmo Marconi, em referência ao célebre senador e engenheiro italiano, reputado como inventor do rádio. A sociedade guarda em seu acervo uma carta enviada por Marconi, em 23 de março de 1932, em que o engenheiro agradece a homenagem e deseja que a Societá Mutuo Soccorso Italiani Uniti di San Bernardo “continue o seu florescente desenvolvimento, para a satisfação comum dos sócios e em honra da pátria distante”(9).

A carta de Marconi expressa a ainda forte ligação afetiva dos sócios da entidade com a nação italiana, característica indicada também pelo uso do idioma estrangeiro em todas as atas de suas reuniões, até 1939. Entre 1938 e 1942, devido ao agravamento das tensões políticas internacionais e o início da Segunda Guerra Mundial, nas quais Itália e Brasil acabaram por se colocar em campos opostos, as sociedades italianas do Brasil foram obrigadas a se adequarem às novas regras para funcionamento de entidades estrangeiras, definidas no decreto lei n. 383, de 23 de outubro de 1938. Várias tiveram seus nomes e estatutos alterados. No caso de São Bernardo, foi criada uma nova entidade, sucessora da original, denominada Sociedade de Beneficência São Bernardo, oficializada em 1942. Ainda no contexto das hostilidades decorrentes da Segunda Guerra Mundial, segundo depoimento de um antigo munícipe, a bela fachada da sociedade chegou a ser vandalizada (10).

A partir da década de 1950, a entidade passou a alugar seu salão principal por longos períodos. Entre os locatários estiveram a Igreja Batista de São Caetano e, depois, entre 1957 e 1961, a Rádio Independência, a célebre emissora pioneira da cidade (11). A rádio utilizou o salão como auditório para seus concorridos programas transmitidos ao vivo, fazendo com que o espaço voltasse a se destacar nos âmbitos do lazer e da cultura no município. Também em 1957, sob a presidência do político e comerciante Bortolo Basso, sofreu mudanças em seu estatuto, passando a ser denominada Associação Italo-Brasileira de Beneficência. Depois de alguma mudanças de endereço, a associação se fixou, na segunda metade dos anos 1980, em uma sala do Edifício Laura, na esquina da Avenida Prestes Maia com a Rua Marechal Deodoro, local onde se encontra até os dias de hoje (12).

 

Tradicional fachada da “Societá di Mutuo Soccorso Italiani Uniti”, na Rua Marechal Deodoro, durante evento beneficente

organizado pela Associação Bartira. Inverno de 1951.

 

Notas

(1) - Cf. https://aibb.org.br/.

(2) - Cf. Biondi, Luigi . Mãos unidas, corações divididos. As sociedades italianas de socorro mútuo em São Paulo na Primeira República: sua formação, suas lutas, suas festas.. . Tempo. Vol. 16, n.33. Julio-diciembre. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012 .p.77.

(3) - Ibidem, p.82

(4) - Cf. Statuto della Societá di Mutuo Soccorso “Italiani Uniti”, riformato ed aprovato dall’assemblea generale straordinaria di luglio 1899, 7 marzo 1909, 31 agosto 1924 e 23 de aprile 1933.

(5) - Cf. Diário Oficial do Estado de São Paulo. 05/12/1900. p.4067

(6) - Cf. Rolino Sociale Della Societá Mutuo Soccorso “Italiani Uniti” di 1939. São Bernardo. p. 2-24. Original: Associação Italo-Brasileira de Beneficência.

(7) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Arrecadação do Imposto Predial do exercício 1900 a 1902. p.41

(8) - Cf. Jornal Diario Nacional. 20/9/1932 p.1.

(9) - Cf. Carta de Guglielmo Marconi à Sociedade. 23/3/1932. Original: Associação Italo-Brasileira.

(10) - Cf. Marotti, Armando. Depoimento. 10/2005. Banco de História Oral. Centro de Memória de S.B.C. Segundo uma outra lembrança de Armando, por volta de 1944, a sede da “Italiani Uniti” foi também utilizada para reuniões do grupo que lutou pela emancipação do município e seus apoiadores, Até mesmo crianças participavam dos encontros, os quais incluíam ensaios musicais pertinentes à militância.

(11) - Cf. Médice, Ademir. Jornal Diário do Grande ABC. 2/2/1986, cad .A p.12.

(12) - https://aibb.org.br/.

 

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