Fundamental para os acelerados processos de crescimento urbano e industrial do século XX, a energia elétrica foi produzida por usinas termoelétricas e hidrelétricas desde os princípios da década de 1880. Por volta de 1890, já existiam várias usinas hidrelétricas no mundo, incluindo a pioneira brasileira no fornecimento para iluminação pública, atualmente conhecida como Marmelos Zero, surgida em 1889, em Minas Gerais (1).
Instalada no Brasil desde 1899, a empresa canadense São Paulo Light, Power & Tramway dominou completamente o mercado paulistano de fornecimento de energia elétrica e iluminação pública desde os primeiros anos do século XX (2). Operando também os bondes elétricos da capital, a Light construiu, em 1901, sua primeira usina hidrelétrica. Atualmente denominada Edgard de Souza, esta unidade de produção, localizada em Santana de Parnaíba, foi a principal fornecedora da Capital por vários anos, atingindo uma potência máxima de 16 MW (3). Muito provavelmente, foi desta usina que a região central de São Bernardo recebeu pela primeira vez a energia elétrica para iluminação pública, através de contrato firmado com a Câmara Municipal, em 1909. Dois anos depois, o jornal “O Progresso” publicava uma reclamação contra a Light, apontando o alto valor das tarifas e a irregularidade do abastecimento, a qual teria provocado um black-out de algumas horas na região da Rua Marechal Deodoro (4). Em 1914, começa a funcionar a hidrelétrica de Itupararanga, com potência inicial de 37,5 MW, servindo à região de Sorocaba, onde estava instalada, e também à Grande São Paulo, cujo consumo crescia ano a ano, juntamente com o aumento da malha urbana e da população (5).
Entre 1924 e 1925, a falta de chuvas levou à uma significativa diminuição da produção hidrelétrica em São Paulo, obrigando as autoridades municipais a implantarem medidas de racionamento energético, afetando a operação de serviços que dela dependiam como a iluminação pública, as linhas de bondes e o fornecimento doméstico. A Light busca então contornar a situação através de diversas medidas emergenciais para aumentar sua produção, estando entre elas a construção acelerada de uma pequena usina em Pirapora de Bom Jesus (6).
Em 1923, antes mesmo da crise, a demanda energética da capital havia subido 15% em 12 meses. Na mesma época, a Light entregou ao engenheiro Asa White Billings, um antigo projeto para construção de uma grande hidrelétrica para aproveitamento do potencial energético da descida da Serra do Mar na cachoeira de Itapanhaú – região de Mogi das Cruzes. Insatisfeito com o projeto, em setembro de 1923, Billings solicitou novos estudos na região da serra e acabou por aceitar uma sugestão do engenheiro F. S. Hyde, que previa o aproveitamento de uma queda 725 metros na região do Rio das Pedras, através do uso de águas de diversos rios da Bacia do Alto Tietê. Dois reservatórios - Rio Grande e Rio das Pedras – seriam construídos e ligados através de um canal. A Represa do Rio das Pedras – de baixa capacidade – receberia as águas do Reservatório do Rio Grande e as enviaria à uma usina a ser construída em Cubatão, através de tubulações que seriam instaladas na encosta da serra. Os diversos rios da região que seriam aproveitados pelo projeto corriam em direção ao Rio Tietê através do Rio Grande. Por isso, o curso natural das águas precisaria ser invertido através da construção de uma barragem neste rio. Resumidamente, este é projeto que daria origem às atuais represas Billings e Rio das Pedras, bem como à usina Henry Borden (7).
No decorrer do ano de 1925, com a maior parte dos terrenos necessários à construção do novo complexo hidrelétrico já adquiridos pela Light, iniciaram-se obras em diversas frentes: da usina, no pé da serra, em Cubatão, no mês de maio; dos tubos adutores, nas escarpas da serra; do Reservatório do Rio das Pedras, na crista da Serra; do canal denominado Summit, em outubro; da barragem do Rio Grande, em Santo Amaro, no mês de dezembro (8) (9) .
Em 10 de outubro de 1926, foi ligado o primeiro gerador da usina em Cubatão. Em janeiro de 1927, as águas do reservatório Rio Grande começam a subir. Em 19 de março de 1927, a capacidade de produção foi dobrada com a entrada em operação de um segundo gerador. Em abril de 1928, o reservatório do Rio Grande atingiu a cota de 727 m. A partir de 1929, já é possível navegar pelos braços da represa, ainda que com a cota abaixo da altura máxima, de 747 metros (10).
Segundo os defensores do projeto e a imprensa da época, além da sua função primária de abastecer a Usina Henry Borden, o Reservatório Rio Grande poderia também servir para abastecimento de água – como de fato ocorreu algum tempo depois – e para amenizar o problema das enchentes em São Paulo, através do controle das águas da bacia do Rio Pinheiros (11).
As obras no reservatório do Rio Grande – que receberia a denominação de Billings apenas em 1949 - prosseguiram até 1934. Já a usina de Cubatão continuaria a ser ampliada nas décadas seguintes, atingindo sua máxima capacidade apenas em 1961, três anos antes de receber a denominação de Henry Borden. Em 5 de janeiro de 1936, com a entrada em operação do terceiro gerador, a usina atingiu uma potência de 100 MW e se tornou a principal produtora da Light. Quatro anos depois, com 5 geradores em funcionamento, a usina detinha cerca de 22% da potência hidrelétrica instalada no Brasil (11). Na década de 1960, com uma potência máxima de 914 MW, a Usina Henry Borden ainda era responsável por grande parte da energia consumida na Grande São Paulo (12).
São Bernardo do Campo é o município que abriga a maior parcela da bacia hidrográfica da represa, à qual, além do Rio Grande, é composta por outros cursos d’água que tem ao menos uma boa parte de sua extensão localizada no município, como os rio Pequeno, Capivari , Taquacetuba, Alvarenga e Pedra Branca, além de alguns outros rios formadores. Para que a Usina Henry Borden atingisse todo seu potencial produtivo, a Billings passou a receber as águas da bacia do Tietê na década de 1940. Com o objetivo de viabilizar este aumento na massa d´água da represa, o curso do Rio Pinheiros foi invertido através das inaugurações das usinas elevatórias de Pedreira e Traição, construídas em 1939 e 1941. As águas recebidas do Rio Pinheiros foram determinantes para o surgimento e agravamento do problema da poluição da represa ao longo dos anos, fato que levou à interrupção de sua ligação com este rio em 1992. A medida levou a uma redução radical na produção regular de energia da Henry Borden. Nas décadas seguintes a ligação com o Rio Pinheiros e o aproveitamento do potencial da usina passaram a ocorrer apenas excepcionalmente, em momentos de crise energética ou para minorar danos com enchentes na capital (13). O aproveitamento da Billings como reservatório de água potável para a região – o qual acontece desde o final da década de 1950 – é um outro fator que se liga à questão da reversão do Rio Pinheiros e ao uso das águas da represa para geração de eletricidade.
Barragem do Rio das Pedras, em São Bernardo do Campo. 1929. Reprodução do livro História da Light, de Edgard de Souza.
Notas:
(1) - Cf. Marcolin, Neldson. Rotas da Eletricidade. In: Revista FAPESP. Edição 118, dezembro de 2005. Acessível em : https://revistapesquisa.fapesp.br/rotas-da-eletricidade/
(2) - Cf. Saes, Alexandre Macchione. Luz, leis e livre-concorrência: conflitos em torno das concessões de energia elétrica na cidade de São Paulo no início do século XX. In: Dossiê: História, direito e justiça. Revista História (São Paulo). n.28. Editora Unesp. 2009. Os. 172-234. Acessível em https://www.scielo.br/j/his/a/kqMDc3Hzwmy5ND3ZqBZ6RSt/
(3) - CF. Souza, Edgard. História da Light – Primeiros 50 anos. São Paulo: Eletropaulo, 1989. p.191.
(4) - Cf. Jornal “O Progresso”, 2/7/1911, p.3.
(5) - Cf. Souza, Edgard. Idem.
(6) - Cf. Ibidem. p.91 e p.92.
(7) - Cf. Ibidem.
(8) - Cf. Macedo, Toninho. Billings Viva. p.80.
(9) - Cf. Souza, Edgard. Idem. p.108.
(10) - Cf. Macedo, Toninho.Idem. p.80-81.
(11) - Cf. Jornal “A Manhã”, 27 de janeiro de 1929. p. 6.
(11) - Cf. Gomes, Francisco de Assis Magalhães. A Eletrificação no Brasil. In: Revista História & Energia. Número 2. São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo. Outubro de 1986. p.4.
(12) - Cf. Diniz, Renato & Ferrari, Sueli. A Billings e o Projeto da Serra. In: Revista História & Energia. Número 5. São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo. 1995. p.22-25.
(13) - Cf. Capobianco , João Paulo Ribeiro & Whately , Marussia. Billings 2000 –Ameaças e Perspectivas Para o Maior Reservatório de Água da Região Metropolitana de São Paulo. Relatório do Diagnóstico Socioambiental Participativo da Bacia Hidrográfica da Billings no Período 1989-99. Instituto Socioambiental, março, 2002. p.16.
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