Fundada em 8 de abril de 1553, a Vila da Santo André da Borda do Campo foi o primeiro município brasileiro a ser estabelecido fora da planície litorânea. Existindo por apenas 7 anos, em ponto desconhecido do atual território da região do Grande ABC, é tomada como marco inicial da história dos atuais municípios de Santo André e São Bernardo por suas respectivas legislações, apesar dos vários séculos de completa descontinuidade administrativa e urbana que a separa das cidades atuais.

A vila surgiu a partir de núcleos populacionais mamelucos dispersos pelo planalto paulista, que foram reunidos em 1550 pelo recém- chegado padre jesuíta Leonardo Nunes, o qual fundou, na sede da povoação, uma capela dedicada a Santo André. Esta população, que se encontrava no planalto paulista há vários anos, intimamente ligada à controversa figura do português João Ramalho e de sua concubina Bartira, índia tupiniquim, filha do Cacique Tibiriçá. 

Entre as poucas fontes primárias que dão conta da existência da efêmera vila, destacam-se as atas de sua câmara municipal referentes ao período entre 1555 e 1558 – único que se preservou – os quais foram publicados, como anexo, no livro do grande historiador Affonso de E. Taunay, “João Ramalho e Santo André da Borda do Campo”, que se encontra disponível para consulta no Centro de Memória de São Bernardo do Campo. As atas revelam diversos pormenores da vida administrativa, social e cotidiana da pioneira urbe, além dos nomes dos primeiros habitantes conhecidos da região.

De maneira geral, no império colonial português do século XVI, as câmaras municipais eram formadas por um grupo de oficiais principais eleitos anualmente por uma minoria de munícipes mais abastados - denominados homens bons, além de alguns outros funcionários, em geral subalternos, nomeados por estes ou, em alguns casos, também eleitos. Os oficiais mais importantes eram os  dois juízes – postos de grande autoridade e múltiplas funções, inclusive administrativas e policiais; os três vereadores – responsáveis, entre outras coisas, pelas posturas municipais; e um procurador. Na vila de Santo André, o número de juízes variou ao longo do tempo, registrando-se como ocupantes dos cargos, os nomes de Paulo de Proença, Francisco Alves, Antonio Cubas, Garcia Rodrigues, João Annes. Simão Jorge e Antonio de Magalhães. Vários destes nomes ocuparam outros cargos ao longo dos anos. As atas apontam a presença de apenas um vereador a cada ano, assim como ocorria com o procurador. Entre estes oficiais encontram-se os nomes de Alvaro Annes, Francisco Pires. João Ramalho e Gonçalo Fernandes. Entre os outros funcionários estavam o almotacel - fiscal do comércio e da higiene pública, entre outras atribuições; o escrivão, ao qual era atribuída a escritura das atas da câmara; e o aferidor. O cargo de alcaide, ao qual se ligavam funções policiais, foi exercido várias vezes pelo próprio João Ramalho, primeiro líder do povoado, nomeado capitão em 1553, pelo próprio governador geral do Brasil Thomé de Souza (2).

Abaixo apresentamos alguns registros das atas da câmara, mostrando aspectos do cotidiano social e urbano da vila quinhentista.

Em 22 de julho de 1555, Paulo de Proença, juiz, condenou João Pires, almotacel, por não limpar os “monturos”, os depósitos de lixo da cidade. Preocupações com a higiene pública apareceram também em 18 de junho de 1557, quando se estipulou uma multa porque “haviam privadas dentro dos muros desta dita vila e se queixavam muitas pessoas que tinham grande fedor e não podiam sofrer o dito fedor “ e estabelecendo que “ pusessem pena de dois tostões para cada vez que se achar a dita privada.”. Para os leitores atuais das atas, ainda mais inusitado que o estado sanitário da cidade talvez seja a circunstância legal de que o valor arrecadado pela cobrança da multa era dividido entre a própria câmara e “aquele que o acusar”, isto é, a quem denunciasse o infrator.

Em ata do ano de 1556, um inventário indicava a pobreza do patrimônio da câmara, o qual consistia em ”umas balanças de pau, com um peso de ferro (...), uns taipais (moldes para construção de muros e paredes de taipa) com seus parelhos e mais um machado de carpinteiro”.  Outro indício da pobreza da vila surgiu nas atas de 26 de junho de 1557, onde aparece ordem para que “mandassem por no pelourinho argola e cepo como nas vilas e cidades se costuma e logo pelos ditos oficiais foi dito que ao presente não tinha o concelho dinheiro, e era pobre e o não podiam fazer”. O pelourinho era um poste localizado na área mais central de um município, onde se expunham réus e castigavam criminosos em geral. Era um dos grandes símbolos da autoridade pública.

Indicações sobre os alimentos consumidos na época aparecem diversas vezes nas atas, com menções ao gado bovino, aos porcos e à farinha de mandioca.

O problema da segurança era expresso através da preocupação com o agrupamento dos moradores na área do povoado cercado por muros – onde estava o núcleo urbano da vila, como aparece na ata de 8 de fevereiro de 1556 , onde se determinava que “que nenhuma pessoa faça casa sobre (isto é, “além dos “ ) os muros da cerca” e que “quem tiver terra no termo (isto é, sobretudo, na área rural) desta vila seja obrigado dentro de um ano a fazer casa nesta vila “. Em 30 de julho de 1557 surge a ordem para “que os homens que estão por fora os ajuntem e os façam vir a viver na vila” e finalmente em 21 de agosto de 1557, se afirma que “porquanto iam todos às suas roças e ficava esta vila sem gente, que se repartissem a metade um dia e outra metade outro dia de maneira que não fique a vila sem gente” (4). O estado dos muros e cercas foi motivo de preocupação em vários momentos e na última ata sobrevivente, de 31 de março de 1558, aparece diretamente vinculado à necessidade de defesa da vila em virtude dos “índios que vinham contra nós”, juntamente com ordem para também “fazerem-se guaritas para nossa defesa”.

Em 1560, a questão da segurança foi fundamental na decisão pelo abandono do local, com transferência da população e do aparato administrativo para as imediações do Pátio do Colégio dos Jesuítas, na região central da atual cidade de São Paulo.

As atas da Câmara da Vila de Santo André da Borda do Campo

Uma das páginas do livro de atas da Câmara Municipal da Vila de Santo André da Borda do Campo. 1555. Segundo o Museu Histórico Municipal Washington Luís, que mantém a guarda deste acervo, trata-se do documento seriado mais antigo existente no Brasil. Manuscritos de dificílima leitura, as atas foram decifradas em 1914 por Manoel Alves da Costa e Manoel Alves da Costa. No mesmo ano foram publicadas pela primeira vez, com o apoio do historiador, futuro presidente e então prefeito, Washington Luís.

 

Notas
(1) – Taunay, Affonso de E. “João Ramalho e Santo André da Borda do Campo”. Publicação comemorativa do IV Centenário da Vila de Santo André da Borda do Campo. 2ª edição. São Paulo, 1968. Esta obra foi encomendada ao historiador pela comissão dos festejos do 4º centenário da fundação da antiga vila, em 1953, o qual contava com participação de autoridades dos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano. 
(2) – Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o munıcípio e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 7. ed., 2012. p.42-43; 61- 62; 97-98.
(3) – Neves, Cylaine Maria das. A Vila de São Paulo de Piratininga. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2007. p. 104-106. 
(4) - Rocha Filho, Gustavo. A Vila de Santo André da Borda do Campo. 2017. Disponível em: <http://historiadesaopaulo.com.br/a-vila-de-santo-andre-da-borda-do-campo/>.

 


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