Desde a segunda metade do século XIX as leis brasileiras que regulavam o estabelecimento de núcleos coloniais para a ocupação de imigrantes estrangeiros previam a diferenciação entre lotes de terrenos urbanos e rurais (1). Com uma extensão significativamente menor, os primeiros se agrupavam nas sedes dos núcleos coloniais e, em geral, estavam associados ao exercício de atividades urbanas tradicionais, tais como o comércio, a prestação de serviços e a pequena indústria artesanal. Concentrando um novo contingente populacional em uma área anteriormente rural e mais escassamente povoada, tal arranjo tendia a reunir, ainda que em quantidades relativamente modestas, força de trabalho, conhecimento técnico e mercado consumidor, criando dessa forma, condições favoráveis para o desenvolvimento da pequena indústria. No caso da sede do Núcleo Colonial São Bernardo, fundado em 1877, à tais circunstâncias se somaram, na década de 1890, a proximidade com a capital paulista – então em fase de crescimento populacional extraordinariamente acelerado - e com a estrada que a ligava ao porto de Santos. Com este ambiente propício, a indústria local praticamente surgiu durante esta década, inicialmente tendo sua expressão mais significativa através das fábricas de charutos. Os charutos foram apresentados aos europeus pelos índios, durante o século XVI (2), mas seu uso só se difundiu em uma escala maiora partir do século XVII. No decorrer do século XIX, sua fabricação se converteu em um ramo importante da nascente indústria brasileira, com dezenas de unidades fabris espalhadas pelo país. A indústria do charuto foi introduzida em São Bernardo em 1893, pelo imigrante alemão Bruno Klausnner, que, oriundo de Joinville/SC, já atuava no ramo há vários anos (3). Sua fábrica empregava por volta de 30 operários e existiu até o final da década de 1890 (4). Em 1895, surgiu uma segunda fábrica de charutos na cidade, fundada pelo negociante italiano Ítalo Stefanini, residente no lote urbano nº 6 do núcleo colonial São Bernardo, na Rua Américo Brasiliense (atual nº 385), mesmo local onde estava sediada sua indústria (5). Durante parte do período em que foi proprietário desta fábrica Stefanini se elegeu vereador e intendente municipal – cargo equivalente ao de prefeito, tendo ocupado o posto entre 1899 e 1901. Em 1905, sua empresa foi vendida a outro imigrante italiano residente no núcleo, o também industrial Ítalo Setti (6). Setti já possuía, desde 1901, uma fábrica de charutos nas proximidades do terreno onde residia, na esquina da Rua Marechal Deodoro com a Rua Américo Brasiliense (atual nº 1692). No passado, já havia trabalhado para a administração do núcleo colonial (ainda durante sua menoridade), e também atuado como comerciante, proprietário de fábrica de cerveja e procurador da Câmara Municipal. Fundida com a antiga fábrica de Stefanini, esta empresa seria a mais longeva do ramo charuteiro na cidade, existindo até o ano de 1919 (7). No decorrer da primeira metade do século XX, a popularidade dos charutos caiu significativamente e o cigarro se tornou o produto mais consumido da indústria fumageira mundial, fato este que se associa à decadência da maior parte das antigas fábricas de charutos no país (3). Em São Bernardo, na década de 1910 - a última da indústria do charuto local - já despontavam e cresciam os ramos industriais moveleiro e têxtil, o quais se constituíram nos grandes fundamentos da economia fabril do município até o final a da II guerra mundial. Imagem: Operários da fábrica de charutos de Ítalo Setti. 1904. Denominada “A Delícia”, a fábrica comercializava seus produtos no interior do estado e chegava a empregar até 70 operários. Em 1911, Ítalo Setti se tornou o fundador e principal acionista de uma tecelagem de médio porte, também localizada em São Bernardo, e, possivelmente, devido a isso, tenha deixado a seu filho José Setti, a direção da “Delícia”, como sugere uma outra fotografia dos operários desta fábrica, tomada em 1912.


Notas:
(1) – Império do Brasil. Cf. Decreto nº 3.784, de 19 de janeiro de 1867.
(2) – Cf. Borba, Silza Fraga Costa. Industrialização e exportação de fumo na Bahia de 1870 a 1930. Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas. Salvador: UFBA, 1975.
(3) – Cf. Gazeta de Joinville. 25 de abril de 1883.
(4) – Cf. Livros dos registros dos impostos sobre indústrias e profissões do Município de São Bernardo. 1893-1899.
(5) - Cf. Idem.
(6) – Cf. Jornal “A Província de São Paulo”. 8 de junho de 1905.
(7) - Cf. Livros dos registros dos impostos sobre indústrias e profissões do Município de São Bernardo. 1900-1910. Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.
Livros dos registros dos impostos sobre indústrias e profissões do Município de São Bernardo. 1911-1923.
(8) – Cf. ALMEIDA, Paulo Henrique de. A manufatura do fumo na Bahia. 1983. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. p. 79-82 e 90-92. Segundo o autor, foi no início da década de 30 que o consumo mundial de cigarros suplantou o de charutos.

 

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