O primeiro registro da presença de uma olaria na região que hoje compreende o Grande ABC paulista surgiu no século XVIII. Refere-se a uma grande fábrica de telhas, tijolos e outros objetos afins, que existiu na Fazenda São Caetano, que pertencia ao Mosteiro de São Bento paulistano. Sua produção era muito utilizada na capital paulista, inclusive em obras públicas, como a reforma do Palácio do Governo, realizada em 1792 (1). No primeiro terço do século XIX, nos anos de 1822, 1827, e 1829, o português Jerônimo José é mencionado em um recenseamento como dono de uma “olaria de telhas”. O mesmo ocorreu com Salvador Cardoso, apenas em 1822, e uma certa Gertrudes, em 1827 e 1829 (2). Até aqui, todos os estabelecimentos mencionados, muito provavelmente, funcionavam com o uso de trabalho escravo. Em 1827, aparece também o registro de José Joaquim de Toledo, um pequeno fabricante de telhas que não possuía escravos (3).
Especificamente na área hoje ocupada pelo município de São Bernardo do Campo, a primeira olaria construída pertenceu ao imigrante alemão Adolfo Lucks, que se estabeleceu no núcleo colonial S. Bernardo em 1877 (4). Esta olaria está documentalmente registrada entre os anos de 1883 e 1915 (5). Situava-se nas terras do lote colonial rural de Adolfo, área onde atualmente estão a Vila Gonçalves e parte das adjacências da Rua Tenente Sales, na região central da cidade.

Também deste período é a olaria do italiano Jacob Scopel, que ficava nas proximidades da confluência entre a Estrada dos Vianas e a Rua Marechal Deodoro, permanecendo em atividade entre 1886 e 1918. Ainda em relação a esta época, destacam-se, na área correspondente à atual região central do município, os estabelecimentos dos também imigrantes Francisco Bocalletti – ativo entre 1891 e 1897 – e de Agostinho Del Bianco, em funcionamento entre 1890 e 1899.

O número de olarias situadas no território da atual São Bernardo do Campo, que, desde 1890, frequentemente girava em torno de 5 estabelecimentos, aumentou consideravelmente a partir de meados da década de 20, atingindo 14 empresas em 1925 e 20 em 1935.
Nas proximidades do então chamado “Caminho para a Estação” -hoje, Avenida Pereira Barreto, no Baeta Neves – existiram, em média, duas olarias entre 1909 e 1923. A mais longeva delas pertenceu, na maior parte do tempo, a Francisco Dala, que permaneceu na ativa até 1932, e depois foi sucedido pelos possíveis descendentes, Armando e Vitório Dala. Na mesma época, destaca-se também Lalli Sabatini, que manteve estabelecimento na área entre 1917 e 1928. Em 1925, o número de olarias nesta região, que também foi conhecida como Bairro da Viúva, saltou para 10, incluindo o estabelecimento do Dr. Baeta Neves, discriminado como “cerâmica e olaria” neste momento.
No Bairro dos Meninos, atual Rudge Ramos, o primeiro registro de olaria aparece em 1913, através de uma empresa de Francisco Gasperi, que durou apenas 3 anos. Nos anos seguintes se destacaram no bairro os estabelecimentos de Francisco Perin (1914 - 1926), Leoni Angeli ( 1926-1935) e o da família Thomé (1927-1947), que foi fundado por Rafael Thomé.
Continuamente impulsionado pelo intenso crescimento urbano de toda a região metropolitana, o número de olarias seguiu em crescimento entre a segunda metade da década de 1930 e a década de 1940, chegando a 74 unidades fabris em 1947 (6). Nesta época as olarias já se espalhavam por diversas áreas da cidade, especialmente nos atuais bairros Taboão, Alvarenga, Rudge Ramos e Paulicéia (7).

O trabalho nas olarias era árduo, e a remuneração, muito provavelmente, na maioria das vezes, era mínima. Algumas empresas chegavam a empregar dezenas de operários, que eventualmente residiam em moradias situadas no local de trabalho.
Em 2015, o Sr. Arsênio Alvite, que trabalhou em estabelecimento desta espécie na região do Rudge Ramos, nas décadas de 1940 e 1950, deixou ao Centro de Memória de São Bernardo do Campo, uma minuciosa descrição da labuta cotidiana dos operários oleiros da época (8) : " No Bairro dos Meninos não tinha nada, eram chácaras de verduras e olarias (...). Na olaria, o pipeiro pegava às 2 horas da manhã. Ele vai pegar os burros para engatar na pipa e começar a amassar o barro, para sair os primeiros carrinhos de barro para o camarada fazer o tijolo. O primeiro tijoleiro começa às 3 horas. Já tem um ou dois carrinhos de barro em cada banca para ele bater. Não tinha luz, era tudo com lamparina de querosene. O pipeiro trabalha até as 9 horas, colocando o barro nas bancas. Cada tijoleiro tem que fazer 1500 tijolos por dia, em 4 ou 5 horas. Eu, com meu irmão, fazíamos 500 tijolos por hora. Eu cortava o barro, fazia a pelota, batia na forma, cortava e tirava o excesso (...). O lançador vai tirar da forma, por na tabuleta, e colocar no chão. Meu pai chamava às 4 horas da manhã, quando era 8 e meia estávamos com 1500 tijolos no chão. Ai tinha que limpar a forma e tudo, para deixar na água até de noite, porque a forma, as tabuletas e o arco tem que ficar na água, senão entorta tudo. À noite, o tijoleiro, ou o lançador, tira a forma da água e coloca na banca para o outro dia cedo. Depois do almoço, descansávamos meia hora ou uma hora, e íamos para o gancho. E o que era o gancho? Era enfornar o tijolo que já estava seco”. Neste ponto Arsênio descreve em detalhe as técnicas empregadas para colocar milhares de tijolos para secar ao mesmo tempo. E continua: “ Levavam de 4 ou 5 dias para secar.Nós tínhamos dois fornos, que levavam 46 mil tijolos em cada um. Eram três carrinheiros e um forneiro (...). Tinha os preços para fazer as coisas.Por exemplo, para bater tijolo, era 40 mil réis por milheiro, ficando 2/3 para o tijoleiro e 1/3 para o lançador. Para enfornar era 7500 por milheiro, ficando 5000 para o carrinheiro e 2500 para o forneiro. Para desenfornar era a mesma coisa. Quando os caminhões não vinham pegar diretamente do forno, a gente desenfornava e empilhava fora. (...) E tinha também o caçambeiro, que ia buscar o barro no barreiro. Eram 4 viagens de barro forte, quatro viagens de barro fraco, quatro viagens de terra, (...), barro branco. Então o cara faz a mistura (...) porque, se você pegar só o barro forte o tijolo estoura todinho na hora que queima, arrebenta em pedacinhos. Então tinha que dosar.”

 

Trabalhador em uma olaria. Chácara Royal Park- Bairro Batistini. Sem data.

Acervo: Divisão de Preservação da Memória/ Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo.

 



Notas:

(1) - Martins, José de Souza. A Escravidão em São Caetano (1598 – 1871). São Caetano do Sul: Associação Cultural, Recreativa e Esportiva Luiz Gama/Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Caetano do Sul/CEDI, 1988. p. 13 e 14.
(2) - Cf. Lista nominativa de habitantes de S. Paulo e S. Bernardo. 1822 e 1829. Acervo: Arquivo do Estado de S. Paulo.
(3) - Cf. Lista nominativa de habitantes de S. Paulo e S. Bernardo. 1827. Acervo: Arquivo do Estado de S. Paulo.
(4) - Cf. Livro de Matrícula dos Colonos – Núcleo Colonial de São Bernardo/Sede. Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo.

(5) - No decorrer deste texto, todas as referências a localização, proprietário e datas de funcionamento de olarias existentes entre 1883 e 1947 foram extraídas de fontes que registravam o pagamento do imposto de indústrias e profissões, cobrado, inicialmente, pela Câmara Municipal de São Paulo (1883-1889) e, em seguida, pelo antigo Município de S. Bernardo (1890 -1938) e pelo atual município de São Bernardo do Campo. São elas:
- Câmara Municipal de São Paulo. Livro de Impostos. São Bernardo. 1882/1883, 1885/1886. Acervo: Arquivo Histórico Municipal Washington Luis.
- Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Lançamento de Impostos Municipais (1890-1892). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Gaiarsa.
- Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899). Acervo: Centro de Memória de São Bernardo do Campo.
- Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1900-1903). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.
- Câmara Municipal de São Bernardo. Indústrias e Profissões.( 1904-1909). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.
- Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos de Indústrias e Profissões. 1911-1923. Acervo: Centro de Memória de São Bernardo do Campo.
- Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos de Indústrias e Profissões. 1924-1935. Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.
(6) - Cf. Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Imposto de Licença sobre estabelecimentos comerciais,industriais e similares. 1947.
(7) - Cf. Ibidem.
(8) - Cf. CAlvite, Arsênio. Depoimento. 14/10/2015. Banco de História Ora

 

 

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