Beltran Asêncio (1927-2015) ficou conhecido entre memorialistas e antigos moradores de São Bernardo do Campo como “o fotógrafo da cidade”. Esta fama se deve, fundamentalmente, à sua grande produção fotográfica relativa aos anos 50 e 60, a qual foi decisiva para a preservação da memória visual da cidade e surgiu, sobretudo, de seu trabalho como fotógrafo contratado do prefeito Lauro Gomes. Filho do argentino Alberto Asêncio e da descendente de espanhóis Carmen Retamero, Beltran nasceu no antigo distrito de Santo André.  Foi criado na região central de São Bernardo, onde desde os 14 anos de idade  trabalhou  como entalhador  na indústria moveleira (1). Iniciou o aprendizado deste ofício em casa, com o pai, que, por volta do ano de  1934,  possuía uma pequena fábrica de filetes e aplicações para móveis em sua residência, na altura do atual nº 385 da rua Marechal Deodoro (2).  Em 1949, tirou suas primeiras fotografias, inicialmente para seu uso privado, tendo como assunto principal as partidas de futebol e usando uma simples câmera Box. Frequentou também uma escola de desenho arquitetônico, onde foi aconselhado a fotografar fachadas de casas, tendo, depois, passado a comercializar cópias destas imagens  entre os colegas. Em setembro do mesmo ano fez sua primeira reportagem, a qual teve como tema a procissão de Nossa Senhora da Boa Viagem.  A oportunidade surgira  no período em que Beltran frequentava o laboratório do fotógrafo Antenor Corradi, o qual  muito lhe ajudou e  ensinou  sobre a técnica fotográfica,  além de tê-lo  apresentado a célebres artistas da  fotografia,  como Francisco Albuquerque, Machado Florence e Aldo de Souza Lima. Em seguida, já em posse de sua primeira máquina profissional - uma Agfa de fole - começou a fazer reportagens fotográficas, documentando reuniões políticas, casamentos, aniversários e outras festas. A carreira de Asêncio seria determinada pela primeira fotografia que tomou de Lauro Gomes, à duas semanas da eleição municipal de 1951. Chegando às pressas de Paris para iniciar sua campanha com uma festa no cine Anchieta, o futuro prefeito foi flagrado pelas lentes da nova rolleiflex de Beltran, no exato momento em que adentrou ao recinto, sob uma chuva de pétalas de flores. No dia seguinte, Beltran procurou Lauro e ofereceu-lhe a foto. Lauro gostou muito do trabalho e o escolheu para a divulgação de sua campanha, mandando publicar a imagem em tamanho grande na Gazeta Esportiva e imprimi-la nos panfletos que cobririam os muros da cidade naquela semana.  Resumindo este episódio e os 14 anos de colaboração com Lauro Gomes que a ele se seguiriam, Beltran afirmou: “Eu o conheci através do visor da máquina, tornando-me sua sombra, acompanhando-o até o seu funeral”(3). Na década de 50, a cidade passava por intensas transformações: a indústria automobilística chegava, e, junto com ela, aqui aportavam grandes contingentes de migrantes. No centro urbano surgiam novas ruas, praças, prédios e casas, ao mesmo tempo em que, aos poucos, antigos marcos da paisagem desapareciam. As lentes de Beltran, a serviço do mesmo organismo público que conduzia este processo, registraram tanto as novidades que surgiam quanto os últimos momentos de representantes do passado que ainda resistiam, como o casarão do século XIX, que pertencera ao Alferes Bonilha, ou a famosa árvore conhecida como “A Magnólia”. Os registros desta época representam uma contribuição inestimável à memória da cidade, justificando a reputação de Beltran como fotógrafo mais importante do município. Porém, a carreira do fotógrafo  tem uma outra faceta notável, como ele mesmo explicou: “A minha carreira pode ser dividida em dois setores: temos a fotografia cotidiana, de todo dia, a que guarda fatos que acontecem em uma cidade, e tem a minha carreira como fotógrafo expositor. (...) Eu fotografava tudo (...) e no meio disso às vezes saia uma fotografia com aquele ‘cheiro de arte’, arte fotográfica, e eu separava “ (4).  Na carreira de Beltran como fotógrafo-artista merece menção especial a fotografia conhecida como “3 virgens”, a qual foi  batida na tentativa de registrar  rojões na festa de aniversário da cidade, no momento em que, acidentalmente,  sua máquina caiu  do tripé. Inicialmente, Beltran não sabia o que fazer com a imagem abstrata produzida, mas, pouco tempo depois, ao fazer a reportagem de um evento em homenagem ao intelectual modernista  Menotti Del Pichia,  teve a oportunidade de  mostrá-la  ao  escritor  e fotógrafo Arnaldo Machado Florence, o qual foi  o primeiro a reconhecer seu caráter artisticamente “moderno” e seu provável valor em salões e exposições, bastando para isso, segundo ele,  que recebesse um nome apropriado. Batizada como “3 virgens”, pelo próprio escritor, a fotografia acabou sendo selecionada e  exposta em vários eventos importantes, tanto nacionais como internacionais.  Ainda sobre esta obra, Beltran afirmou: “ ela nunca  mais falhou em salão nenhum. Ela só foi barrada em Portugal (...) por uma revista. O português não gosta de arte moderna, ele é mais pelo clássico e pelo real. E eu estou com ele e tenho que achar que me criticaram por justa razão” (5). Nos anos 50,  Beltran produziu outras fotografias artísticas importantes, tanto “modernas” quanto “clássicas”. Desde meados dos anos 70, quando, através de iniciativas diversas, a preocupação com a pesquisa, preservação e divulgação da história municipal começou a se manifestar de uma forma bastante nítida na cidade,  a produção fotográfica de Beltran Asêncio  tem sido intensamente utilizada em pesquisas, exposições, publicações, publicidade de estabelecimentos comerciais, e, recentemente,  tem se difundido vigorosamente pela internet, muitas vezes sem os devidos créditos. Beltran foi também um futebolista conhecido em São Bernardo, tendo se tornado, em 1947, aos 18 anos de idade,  goleiro no Esporte Clube São Bernardo, agremiação que já defendia, na categoria juvenil,  desde o início dos anos 40.  No “Esporte”, que junto ao Palestra de São Bernardo,  era o principal time da cidade, Beltran permaneceu até 1950, tendo atuado ao lado de  Elzo Lazzuri, futuro profissional da Sociedade Esportiva Palmeiras (1954 -1956). A baixa estatura (1,67m) esteve entre os fatores que acabaram por inviabilizar a carreira de Beltran como goleiro profissional (6). Entre as décadas de 50 e 60, Asêncio se tornou funcionário da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, tendo sido responsável pelo setor de microfilmagem de processos administrativos.
 
IMAGENS:
À Esq: Fotografia tomada por Beltran Asêncio, retratando lance da partida entre o Esporte Clube São Bernardo e o Ipiranga, realizada no antigo Estádio Ítalo Setti (proximidades do atual cruzamento da Rua Marechal Deodoro com a Avenida Prestes Maia). O Ipiranga venceu o Esporte por 3 a 1; À dir: Beltran Asêncio. Sem data. Pesquisa, texto e acervo: Centro de Memória de São Bernardo do Campo.
 
NOTAS:
(1) – Cf.  ASÊNCIO, Beltran. Depoimento cedido a Ademir Médici. 08/05/1987. Disponível no acervo de história oral do Centro de Memória de S.B.C. Segundo o depoimento Beltran trabalhou inicialmente na fábrica de móveis dos Irmãos Corazza e posteriormente se empregou na indústria dos Irmãos Bellingausen, onde permaneceu por 13 anos.
(2) - Cf. Prefeitura Municipal de São Bernardo. Indústria e Profissões (1932-1935) - Livro de Registro de Impostos.  Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.     
 
(3) - Cf. CONGRESSO DE HISTÓRIA DA REGIÃO DO ABC, 1., 1990. Santo André. Anais...Prefeitura Municipal de Santo André, Museu de Santo André, 1990. p. 125.  
(4) - Cf. ASÊNCIO, Beltran. Depoimento cedido a Ademir Médici. 08/05/1987. Disponível no acervo de história oral do Centro de Memória de S.B.C.
(5) - Cf.   ASÊNCIO, Beltran. Idem.
(6) - Cf.  ASÊNCIO, Beltran. Depoimento cedido a Ademir Médici. 1990. Disponível no acervo de história oral do Centro de Memória de S.B.C. 
 

 

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