ImagemE havendo o Cordeiro aberto o Sétimo Selo, fez-se silêncio no Céu por quase meia-hora e os Sete Anjos, que tinham Sete Trombetas, prepararam-se para tocar” (trecho do livro bíblico do Apocalipse, com o qual inicia o filme O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman).

Embora a Peste Negra, enquanto pandemia, tenha devastado a Europa no século XIV, surtos e epidemias continuaram aparecendo e ceifando vidas por séculos.

Desde a Antiguidade no Médio Oriente e na Europa, passando pela Idade Média, as doenças eram pensadas como fenômenos individuais, originárias de algum desequilíbrio do corpo, causadas por diversos fatores, sejam pragas dos deuses, passando por desarmonias entre os humores corpóreos, entre outros, como os odores fétidos do ar, a alimentação ou o clima. Contudo, a noção de que doenças poderiam ser transmissíveis entre os seres vivos foi um processo secular, intuído na transmissão da lepra. Passou pela teoria dos germes no século XVI e com a descoberta dos microorganismos pelo desenvolvimento do microscópio, no século XVII. Todo esse processo desembocou na formulação da teoria microbiana, no século XIX.

Assim foi se construindo o pensamento de algo como transmissão comunitária, termo que nos acostumamos a ouvir durante a pandemia da Covid-19, do século XXI. Daí que historicamente aparecem formas de se proteger muito semelhantes às nossas de hoje contra o coronavírus (máscaras, distanciamento social e quarentenas), mas motivadas por ideias completamente diferentes.

Um dos veículos transmissores de doenças mais conhecidos antes do século XIX foram os miasmas. Você já ouviu falar em miasmas? Em Roma, no século III, os estudiosos associavam o aparecimento de doenças aos maus odores que se acumulavam nas cidades. Resolveram, então, desenvolver sistemas de coleta de esgotos e fornecimento da água para a população. Com o Cristianismo e uma cosmovisão do Deus que pune, contudo, a crença divina na transmissão de doenças retornou com força, seja no caso da lepra, seja no caso da Peste.
Retornando como numa ponte sobre a Idade Média, no século XVIII, os iluministas retomaram de forma crítica muitas concepções da cultura greco-romana. Aqui, então, se formula a teoria dos miasmas, que seriam os odores provenientes de matérias orgânicas desprendidas durante a putrefação.

Foi nesse período, num dos últimos grandes surtos da Peste Negra, que surgiu a famosa máscara com bico de pássaro. Nesses bicos eram colocadas ervas e especiarias como forma de se proteger dos odores patógenos. Ainda durante a Idade Média, porém, os médicos começaram a confeccionar modelos de máscaras. Em alguns casos, até mesmo cheirando, protegendo os narizes com buquês de flores.

O isolamento social era também uma forma de fugir destes odores “malignos”. Coisa difícil de acontecer nas cidades medievais, onde as ruas sinuosas e estreitas, cercadas por habitações pequenas e muito juntas, eram meio que favorecia, e muito, a transmissão de doenças: seja pelos odores, como acreditavam na época, seja pela transmissão comunitária.

Ora, qualquer semelhança dessa configuração com os núcleos favelados atuais não é mera coincidência, comprovada pela dificuldade que as famílias nas favelas do século XXI possuem de manter um distanciamento seguro, por isso as mais afetadas pela Covid-19, assim como lá no século XIV, pela Peste.

Hoje, o isolamento social e a quarentena apareceriam como uma possibilidade dentro de uma política pública de combate à pandemia, com medidas que passam do auxílio emergencial a empregados a linhas de crédito para pequenas empresas. Assim como para aqueles profissionais que tiveram condições de transferir suas tarefas para o “home office” (em tradução livre, “escritório em casa”).

Voltando ao passado, durante as pandemias e os posteriores surtos, sobretudo, os mais abastados tinham condições de optar por essa forma de proteção. Caso famoso foi o do grande cientista Isaac Newton, que recém-formado em Cambridge, seguiu para a quarentena e o isolamento social na fazenda da família, no interior da Inglaterra, devido a um último grande surto de Peste na Inglaterra, entre 1665 e 1666. Tal isolamento foi determinado devido à suspensão das aulas na Universidade, como forma de conter o contágio pela Peste Bubônica.

Ao isolar-se, Newton teve tempo para trabalhar em questões que se tornariam as bases da Física Moderna, mas também da Filosofia e da Matemática. Ao definir que a Natureza é produto de leis físicas e que, portanto, essas poderiam ser apreendidas pelos seres humanos a partir da experiência e da reflexão, Newton, que não era ateu, iniciava ali também um processo de reorientação nas relações dos seres humanos com o mundo sobrenatural.

É sempre importante reforçar que a História é complexa e sempre encadeada de processos das mais diversas origens. O surto de Peste na Inglaterra do século XVII não é diferente. Você sabia que ele aconteceu exatamente no mesmo período em que acontecia a Revolução Inglesa, Revolução esta que inaugurou os processos que acabariam com o Absolutismo na Europa Ocidental?

Siga conosco, pois na próxima quinta-feira vamos falar de como a Peste e os séculos que ela durou na Europa produziram muitas transformações em várias áreas da sociedade, como nos costumes, nos hábitos de cuidado do corpo, no desenho das cidades, mas também gerou muitas reações xenofóbicas à origem das doenças. Sim, vamos falar das fake news medievais!

 

Referências:
Interessante painel sobre formas de contágio e miasmas:
https://www.unifesp.br/reitoria/dci/publicacoes/entreteses/item/2194-contagio-miasmas-e-microrganismos

Vídeo sobre a Peste no Canal Nerdologia
https://youtu.be/Q87c4UBXTpY

As máscaras como formas de proteção
https://www.bbc.com/portuguese/geral-56346221

Filme o Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, legendado.
https://youtu.be/A-rBzHIvoVA

Sobre a quarentena de Isaac Newton e suas descobertas.
https://history.uol.com.br/noticias/isaac-newton-fez-suas-maiores-descobertas-durante-quarentena-contra-peste

 

 

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