Sempre fez  parte da  natureza das cidades o contínuo remodelamento de seus  espaços, com o apagamento e redesenho  de  alguns trechos e a preservação de  outros. À grosso modo, devido a diversos fatores,  nos últimos dois séculos,    podemos dizer que o processo  tem se acelerado,  fazendo com que, em muitos casos,  subsistam apenas   poucos vestígios das elaborações mais antigas. Na Rua Silva Jardim, localizada na região  central de São Bernardo do Campo, esta última  tendência   parece se verificar com clareza. Quem anda por ela  nos dias de hoje encontra arranha –céus, estacionamentos, e uma grande quantidade de  estabelecimentos voltados à prestação de serviços – incluindo um pet shop e um buffet infantil. Há 40 anos atrás, nenhum ou quase nenhum destes elementos existiam.  Se pudéssemos recuar  mais duas décadas veríamos amplos estabelecimentos industriais se destacando na paisagem.  Se voltássemos à  virada do século XIX para o XX, não haveria nenhuma indústria e observaríamos uma rua mais curta – finalizada aproximadamente na esquina com a Rua Bela Vista, dividida em cerca de 16 grandes lotes, parcialmente ocupados por famílias de imigrantes europeus, chegados ao local duas décadas antes, por ocasião da criação da  sede urbana do Núcleo Colonial S. Bernardo, a qual implicou no surgimento da rua. A denominação  “Silva Jardim” surgiu em 1894, fazendo referência ao militante político republicano falecido tragicamente em viagem turística ao monte Vesúvio, na Itália, em 1891 (1). Entre os moradores destas primeiras décadas, estavam os membros da grande  família Borali, ocupando dois lotes na esquina com a atual Bela Vista,  a Sra. Adelaide Zapararolli  e seu filho Francisco, o casal de idosos Vicenzo e Clotilde Rusi , a pequena família do  ferreiro alemão Antônio Neuranter – no terreno de  esquina com a rua João Pessoa,   além de membros das famílias Guardezani, Blacher, Mainel, Orso, Pinotti e Vertamatti (2). Por volta de 1900, Aléssio Vertamatti adquiriu de Augusto Branco uma grande área preenchendo quase todo o quarteirão situado entre as atuais ruas Marechal Deodoro e José Bonifácio. Nos entorno do que hoje é a esquina desta última rua com a Silva Jardim, Vertamatti construiu uma série de pequenas casas, das quais pelo menos uma ainda mantém uma parte muito significativa de sua estrutura e fachada originais, constituindo a única construção remanescente desta época (3).

Por volta de 1925,  o leito da rua ainda era de  terra e margeado  por  algumas poucas casas cercadas por enormes quintais – provavelmente repletos de pomares, hortas e criações de animais, que representavam um precioso complemento no orçamento das famílias pobres que ali residiam na época.  Pouco tempo depois o elemento industrial se  fez presente na rua através da fundação das fábricas de móveis dos  irmãos Copede (1933)-  localizada nos antigos lotes da família Borali - e Bruno (1934) , além da Fábrica de Sedas Angelina (1935), de Luís Pagani. Nas três décadas seguintes, conforme o processo de industrialização se intensificava na cidade, novas indústrias surgiram, ocupando estes mesmos espaços, ou se instalando em novas áreas, como é o caso da fábrica de móveis dos irmãos Ongaro, que por volta de 1962 se instalou no quarteirão acima da esquina da Bela Vista com a Silva Jardim (4). A indústria mecânica Rymer, fabricante do bombas hidráulicas e máquinas de lavar roupa, ocupou, aproximadamente entre 1955 e 1965, o antigo terreno da fábrica de móveis dos irmãos Bruno, defronte com  a rua Lopes Trovão . Por esta época, as instalações da antiga fábrica dos Copede abrigaram a Duresmalt. Na parte inicial da Silva Jardim,  no terreno da velha fábrica de sedas,  instalou-se, em 1943, uma fábrica de formas para calçados( 5 ). Neste último espaço, funcionaria, nas décadas de 80 e 90, o Colégio Santa Inês e a escola de informática ENIAC, cujas ruínas permanecem até os dias de hoje. 

Na época em que indústria automobilística chegou com força total à cidade, entre 1948 e 1962, disparando o processo de imigração e crescimento demográfico, a ocupação da Rua  Silva Jardim se tornou mais densa e se expandiu efetivamente até a Rua Tiradentes, destacando-se neste período o surgimento do Hospital Anchieta  - construído entre 1948 e 1958 - e de uma das suas  travessas, a  Rua Fioravante Demarchi . Nas décadas de 60 e 70, vários estabelecimentos comerciais já funcionavam na rua, entre eles  o bar da esquina com a Rua Tiradentes, o qual existe até hoje (6).

A partir da segunda metade da década de 1970 as indústrias foram desaparecendo da área e nos anos 80 iniciou-se o processo de verticalização, com o surgimento do primeiro aranha-céu, o Cond. Castel Del Mont, no terreno da  antiga fábrica de móveis dos irmãos Ongaro. Nos anos seguintes surgiram ainda os edifícios Cond. MontGermant (década de 1990) , Cond. Kamayurá Park e o Silva Jardim Business Center (década de 2010). Os estacionamentos surgiram em grande quantidade a partir da década de 1990, assim como diversos estabelecimentos  do setor de serviços, o qual se tornou dominante na geração de empregos no  município desde a virada para os anos 2000.

             

Rua Silva Jardim na altura da esquina com a Rua Lopes Trovão.  O cão e o pônei estavam entre as  atrações da procissão dos carroceiros. Note-se  ainda que a rua ainda era calçada com paralelepípedos, benfeitoria surgida provavelmente por volta de 1950. 1967.

 

 

Notas


(1) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899).

(2) - Cf. Livro de Matrícula dos Colonos – Núcleo Colonial de São Bernardo/Sede. Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo.; Delpy, Luiz. Planta Cadastral da Vila de São Bernardo. São Paulo: Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo.1902. 

(3) - Cf. Vertamatti, Rodolfo. Imigração em São Bernardo – Família Vertemati - Volume 4. São Paulo. Ed. Do autor,  2006. p. 107.

(4) - Cf. Tanaami, Roberto. Depoimento. 12/5/2021. Banco de História Oral. Centro de Memória de S.B.C; PMSBC. Seção de Cartografia.  Reemplacamento da Rua Bela Vista, conforme a Lei Municipal 218, de 1953. Planta ; Relação.

(5) -Caldeira, João Netto. Álbum de São Bernardo. São Paulo: Organizações Cruzeiro do Sul, 1937. p.17 ; PMSBC. Processo Administrativo. SB 1550 /43. 16/03/1943.  

(6) – Cf. PMSBC. Seção de Cartografia. Planta do levantamento aerofotogramétrico 1957-1958. Planta ;  Cf. PMSBC. Seção de Cartografia. Planta do levantamento aerofotogramétrico 1957-1958. Atualização 1962. Planta;   Cf. PMSBC. Seção de Cartografia. Levantamento Cadastral . 1971 – Atualização 72/73.

 

 

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