Biblioteca Pública - Lugar de Conhecimentos: Cientistas pretos

A divulgação científica é uma ferramenta para democratização de conhecimentos e por isso a importância de se trabalhar sempre com fontes confiáveis que compartilham dados e análises baseadas em pesquisas.

Nas ciências humanas, muitas vezes, ainda mais nos dias atuais, confunde-se muito analistas e sínteses com a emissão de opiniões. É como se não existissem fatos, apenas interpretações sobre eles; “ganha” quem tiver o melhor discurso.

E nessa segunda série de postagens sobre a Biblioteca Pública como mediadora na divulgação científica vamos trabalhar com um recorte temático que coloca em evidência as contribuições científicas produzidas por homens e mulheres pretos (há um consenso hoje em se usar a cor como uma forma neutra de se designar, ao invés do negro que ganha função de um adjetivo pejorativo).

O racismo infelizmente existe e serviu como justificativa para o transporte de milhões de seres humanos de sociedades africanas para as Américas. Somente no Brasil cerca de 4,9 milhões de pessoas foram escravizadas ao longo de 300 anos. Esse é um fato e existem trabalhos muito potentes e consistentes sobre a formação de uma civilização transatlântica. Nesse site, que é produto de um esforço coletivo de pesquisadores internacionais podemos ter uma boa e segura introdução: https://www.slavevoyages.org (Está em Português)

Aqui você encontra dados e trabalhos científicos dos mais diversos, inclusive uma representação digital 3D de um navio negreiro:  https://www.slavevoyages.org/voyage/ship#slave- (A descrição está em inglês, mas a produção gráfica é muito autoexplicativa)

A existência da escravização dos povos pretos africanos é um dado e deixou marcas profundas de desigualdades sociais por um discurso racialista. Mas isso não significa que tanto escravizados quanto seus descendentes não tenham resistido e não tenham lutado para produzir ciência. Esse artigo é muito interessante para se saber um pouco mais sobre escravos cientistas nas colônias portuguesas, antes mesmo da abolição da escravidão: https://bit.ly/31vaD5g

Josué/ Conceição/ MiltonE vamos inaugurar falando de três cientistas brasileiros que foram e são referências em suas áreas de estudo, respeitados no mundo. O que une Conceição Evaristo, Josué de Castro e Milton Santos, três intelectuais, cientistas, sendo uma Poeta/romancista, um médico, um geógrafo, três intelectuais, três negros, três brasileiros? É muita coisa em comum que garante união e a harmonia das obras, mas há algo grande que cria e ornamenta o encontro dos três: a facilidade de extrapolar as suas áreas de atuação. Conceição não é apenas romancista (como se isso não fosse o bastante), Josué não é se restringiu à medicina, Milton vai muito além da geografia. Como se não bastasse fazer muito bem o que fazem em suas áreas, eles fazem muitas conexões em seus percursos. 

Antes de lançar o clássico Geografia da Fome no ano de 1946, o médico Josué deixou a psiquiatria pela nutrologia, fez estudos nos quais relacionava alimentação e geografia humana, dirigiu o Instituto de Tecnologia Alimentar, criando na sequência o periódico Arquivos Brasileiros de Nutrologia. Deu aulas de Fisiologia e Geografia Humana, e comandou estudos com base antropológica sobre fome no país. Escreveu contos e crônicas. O clássico Geografia da Fome é um grande texto que dá forma à questão da fome no Brasil e as causas sócio-econômicas que a perpetua. https://bit.ly/2NFR0PP

Chegamos a educadora e poeta Conceição Evaristo. nos anos 70, ela saiu de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro e entrou para o magistério, fez letras no UFRJ em meados daquela década. Entre aulas, curso universitário e as andanças da vida, na década de 90, Conceição passou a integrar o coletivo de escritores Quilomboje. A educadora mergulhou na fabulação. Em 2003, Conceição lançou o seu romance de estreia "Ponciá Vivêncio", a saga de uma mulher preta em meio à violência, a desigualdade e o legado escravista que recorta e enreda a história do povo brasileiro.
Conceição Evaristo é escritora de raro refinamento em mescla à dureza e aos dramas reais:

Aqui, um trecho de sua poesia, vertente que ela também domina:

“Sim, eu trago o fogo,
o outro,
aquele que me faz,
e que molda a dura pena
de minha escrita.
é este o fogo,
o meu, o que me arde
e cunha a minha face
na letra desenho
do auto-retrato meu.”

http://www.letras.ufmg.br/literafro/…/188-conceicao-evaristo

E o geógrafo Milton onde se encaixa nesse trio de virtudes múltiplas? O baiano Milton Almeida dos Santos se formou em Direito na Universidade Federal da Bahia em 1948, em 1956 foi fazer doutorado em geografia pela Universidade de Estrasburgo, França. De Brotas de Macaúbas, pequena cidade do Interior da Bahia foi para o mundo, dando aulas em Sorbonne (França) e nas prestigiosas universidades de Stanford e Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos.
Levou o conceito de Geografia Humana a outro patamar tendo sua produção voltada para os efeitos e impactos sociais da globalização e também estudos sobre a urbanização. Foi o único estudioso fora do mundo Anglo-saxão a receber o prêmio Vautrin Lud, considerado um Nobel de Geografia, pelo conjunto de sua obra. https://bit.ly/2Vty237

Por fim, voltamos à nossa pergunta inicial: o que une esses três cientistas brasileiros, um médico e um advogado geógrafos e uma escritora educadora? Todos fizeram também viagens ao redor do mundo, são reconhecidos também fora do Brasil exatamente porque sempre reforçaram seu papel de estudiosos comprometidos em transformar a realidade local e superar o passado sofrido por nossos ancestrais, subverteram as fronteiras de suas especialidades, olhando para o pais que desejam construir. E eles estão também no nosso acervo, consulte:
https://bibliotecapublica.saobernardo.sp.gov.br

Nos próximos posts, vamos conhecer três cientistas estadunidenses, outra sociedade cujas contradições da escravidão foram fundamentais em sua formação.

Crédito da Imagem dos três cientistas: Stefano Maglovsky, designer

 

 

 

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