"Paulinho da Viola, compositor e cantor carioca    nascido em 1942, é o nosso homenageado no mês da Consciência Negra. Paulinho imprime, em sua profícua produção, uma síntese do samba e do choro,como importante expressão do povo brasileiro no século XX calcado nas diásporas africanas.

Paulinho da Viola é vascaíno; o time dele não anda bem das pernas, mas, Paulinho nunca quis caminhar do lado de quem estava vencendo o jogo. Suas influências e inspirações vieram dos sambistas oriundos da classe trabalhadora, do povo pobre e das tradições populares. Para desafiar mais ainda o coro dos contentes, Paulo Cesar Batista de Faria, seu nome de batismo, nunca tocou viola na vida, cavaquinho sempre foi o seu instrumento. Assim, o cantor e compositor de samba, que acabou de fazer 79 anos, escreveu e nos contou através de registros fonográficos sua história na Música Popular Brasileira.

Paulinho teve seu auge produtivo na virada da década de1960 para a de 1970. Em 1966, ocorreu o seu primeiro registro fonográfico, com o conjunto Rosas de Ouro, organizado por Zé Keti e que contava com participação de Anescar do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento, Oscar Bigode e Zé Cruz. Mas foi em 1968 que ele gravou seu primeiro álbum solo. É a partir daqui que vamos contar trechinhos desse tempo, mais precisamente "polaroids" musicais dos 10 primeiros anos de sua carreira.

Com o pé na tradição e a íris nas inovações possíveis, ele dialogou com a sua geração, mas, sobretudo com seus mestres e inspiradores. Foi assim quando gravou o seu primeiro registro solo no ano de 1968 (antes desse, ele gravara o álbum Minhas Madrugadas, parceria com Elton Medeiros em 1966), Amor Proibido, um lindo samba de Angenor de Oliveira, o Cartola, que, diferentemente de Paulinho, amava a Mangueira, escola de samba rival da Portela, do bairro de Madureira, que deu forma e cor aos sonhos do jovem Paulinho:

Sabes que vou partir
Com os olhos rasos d´água
E o coração ferido
Quando lembrar de ti
Me lembrarei também
Deste amor proibido

Em 1969, Paulinho venceu o Festival da Record (que dividia corações e mentes à época) com Sinal Fechado, uma canção cuja letra dizia muito, de forma poética, daquele momento histórico, um Brasil que adensava sua vida urbana, interrompida, corrida, sem tempo para os papos longos e as trocas camaradas. O arranjo de Paulo Moura, influenciado pelo compositor de música contemporânea, Hans Joachim Koellreuter, aprofundava a angústia e a mensagem da canção:

Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge à lembrança
Por favor, telefone, eu preciso beber
Alguma coisa rapidamente
Pra semana, o sinal
Eu procuro você, vai abrir, vai abrir
Prometo, não esqueço
Por favor não esqueça, não esqueça
Não esqueço, adeus

Ainda em 1969, em outro programa da TV, a Feira Mensal da Rede Tupi, Paulinho apresentou ao mundo aquele que seria o seu principal e maior sucesso. Foi um Rio que Passou em Minha Vida ganhou o Brasil e foi lançado oficialmente no álbum homônimo de 1970. A letra pujante, uma verdadeira declaração de amor à Portela, grudaria no ouvido de gerações:

Não posso definir aquele azul
Não era do céu nem era do mar
Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar!

Em 1971, eram tão grandes o momento criativo e a popularidade de Paulinho, que ele lançou dois álbuns, um em cada semestre, chamados simplesmente Paulinho da Viola. Em cada qual foi cada vez mais forte a presença das composições próprias, mas foram mantidos o diálogo e as reverências à tradição; entraram duas canções em destaque, desvelando legados bem diferentes. Do primeiro álbum é o samba manifesto de Candeia, Filosofia do Samba, uma espécie de guia de orientação:

Pra cantar samba
Veja o tema na lembrança
Cego é quem vê
Só aonde a vista alcança

Mandei meu dicionário às favas
Mudo é quem
Só se comunica com palavras
Se o dia nasce
Renasce o samba
Se o dia morre
Revive o samba
Mora na filosofia
Morou, Maria
Morou, Maria
Morou, Maria

No segundo álbum de 1971, o diversificado Paulinho gravou Óculos Escuros, da dupla Valzinho e Orestes Barbosa, ambos artistas de múltiplas atividades. Valzinho, além de compositor e violinista, era artista plástico e um grande entusiasta do jazz e dos Standards estadunidenses do pós guerra, um dos precursores da bossa nova. Orestes era compositor, letrista, jornalista e cronista, uma das personalidades mais cativantes de nosso cancioneiro. A delicadeza de Paulinho reforçou a mensagem pictórica dos versos de Orestes:

Nenhum de nós tem culpa
neste drama
pois quem ama
é protagonista
sem querer
representamos
todos de improviso
num sorriso ou chorando
a saudade do prazer
teus óculos escuros
colocastes
e me fitaste
tentando assim
o pranto disfarçar
mas eu vi
pelo vidro enfumaçado
do outro lado
o cristal de uma lágrima rolar

O conjunto de canções que compõem Dança da Solidão, álbum de 1972, são a fina flor do samba triste, intimista e delicado. As parcerias com o baiano Capinam, as regravações de Nelson Cavaquinho, Monarco, Nelson Sargento e um dos sambas mais lindos da história da Música Brasileira, pérola fina de Wilson Batista, Meu Mundo é Hoje (Eu sou Assim):

Tenho pena daqueles que se agacham até o chão
Enganando a si mesmo por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte deste enorme batalhão,
Pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão.
Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.

Dizem que no ano de 1973, Paulinho da Viola passou por uma grande desilusão amorosa. Discreto, nunca explicitou o drama publicamente, mas o sambista dispôs da arte nas mãos e no peito e assim pôde expressar as alegrias, as dores e os amores através das faixas gravadas. O forte símbolo do estado de espírito do rapaz surgiu representado na antológica regravação de Nervos de Aço, do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, num álbum que trouxe outras peças de delicadeza como Não Quero Mais Amar a Ninguém, de Cartola e Zé da Zilda, Sonho de Carnaval, de Chico Buarque, Comprimido e Cidade Submersa, do próprio Paulinho, um verdadeiro clássico da dor de cotovelo:

Há pessoas de nervos de aço
Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhe venha qualquer reação
Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror
Eu só sei é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor

O sétimo álbum, também homônimo, foi gravado em 1975. A capa do
artista plástico e ilustrador Elifas Andreato mostrava uma mão segurando uma folha que trazia dois hinos manifestos: um em homenagem ao samba e outro à Natureza. Argumento e Amor à Natureza falam de um mundo em transformação diante da perplexidade de um compositor engajado e atento. No entanto, foi a canção Pecado Capital, composta e gravada sob encomenda para a trilha sonora da novela que tinha o mesmo nome, que foi um grande sucesso. Os versos estariam na boca do povo e na cena final da novela, que mostrava a dramática morte do personagem Herculano Quintanilha (protagonizado por Francisco Cuoco):

Dinheiro na mão é vendaval
É vendaval
Na vida de um sonhador
De um sonhador
Quanta gente aí se engana
E cai da cama
Com toda a ilusão que sonhou
E a grandeza se desfaz
Quando a solidão é mais
Alguém já falou

Para finalizar o primeiro decênio da carreira de Paulinho da Viola, em 1976, o compositor portelense gravaria dois álbuns simultaneamente: Memórias Cantando e Memórias Chorando. Os álbuns foram uma espécie de inventário criativo como balanço de 10 anos de carreira. Um com letra, o outro com peças instrumentais. O curioso é que Paulinho gravou poucas músicas alheias. Uma delas carrega uma história bonita. O pai de Paulinho, Cesar Faria, foi um exímio violonista de choro e samba. A casa de Paulinho desde sempre abrigara rodas de samba e choro com a fina flor dos músicos e compositores tocando, improvisando e mostrando suas novas canções. Reza a lenda que a bela Mente ao meu Coração, composta em 1938 por Francisco Malfitano e Pandiá Pires, foi mostrada pelo próprio compositor numa das rodas na casa do "seu" Cesar Faria, em meados da década de 1950. O menino Paulinho ouvira e guardara na memória. Décadas depois, pôde gravar:

Conta ao meu coração
Estória das crianças
Para que ele reviva
As velhas esperanças
Mente ao meu coração
Mentiras cor-de-rosa

Que as mentiras de amor
Não deixam cicatrizes
E tu és a mentira mais gostosa
De todas as mentiras que tu dizes

 

 

 

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