Um dos elementos mais distintivos da memória social de uma cidade é o nome de suas ruas. Na região de São Bernardo, o primeiro registro de rua com denominação  remonta ao primeiro arruamento realizado na  freguesia homônima, em 1833,  e se refere à  Rua da Constituição (1) , que a partir de  1894 passou a se chamar  Rua Santa Filomena, em alusão à  capela em cujo largo  a via tem início.  Foi também em 1894, que  as outras únicas  sete  ruas da cidade receberam seus nomes. Vivia-se então os primeiros anos do período republicano  e o contexto político-administrativo  contemporâneo influenciou a toponímia viária do nascente município de São Bernardo: ”Marechal Deodoro” e “Américo Brasiliense”  se referem a líderes  do partido republicano ligados à mesma facção do principal político local, o Dr. Fláquer (2) - que também emprestou seu nome à uma destas ruas; “Silva Jardim” é o nome de um conhecido  militante republicano falecido em 1891, em  circunstâncias trágicas; “Municipal” foi o topônimo aplicado à rua que tinha início no prédio da  Intendência Municipal, instalada poucos anos antes.  As demais denominações surgidas no ano foram  “São Bernardo” e “Bela Vista” (3). Todas permanecem até os dias atuais, à exceção desta última, que foi alterada para “Coronel Francisco Pedroso” - nome de um militar cuja  família era tradicional na região -  em 1908 (4), e para “João Pessoa”, em 1932 (5), fazendo referência ao candidato à vice-presidência da república cujo assassinato se liga ao contexto político que provocou  a vitoriosa revolução de 1930 .

Em 1900, a  Rua  Jurubatuba  recebeu a sua  denominação, que é a mesma da linha colonial - e antiga fazenda beneditina - na qual se localizava,  nas  proximidades de  sua  fronteira com a área urbana central. Foi o primeiro nome de origem tupi  empregado na toponímia viária da cidade.  No mesmo ano a atual Rua Djalma Dutra recebeu o nome de “ Rua Progresso”,  refletindo o cenário  ideológico da época (6) . O termo “Progresso” estava na bandeira nacional republicana,  adotada poucos anos antes  e,  em 1911,  estaria  também no título de um dos primeiros jornais locais. Esta denominação foi alterada para “Capitão Carlos Prugner”,  em 1911 (7). Imigrante alemão, Prugner foi ferreiro, hoteleiro, fabricante de cerveja, vereador e proprietário do primeiro cinematógrafo da região. Da mesma maneira que  Francisco Pedroso, Prugner foi uma personalidade local cuja homenagem na toponímia viária foi retirada em 1932,  para dar lugar a perpetuação de um “mártir”  da revolução de 1930, desta vez o militar mineiro Djalma Dutra. Neste sentido, Francisco de Oliveira Sales, comerciante e proprietário de terras durante muitos  anos no município, durante o século XIX, teve melhor fortuna, uma vez que seu  nome foi  aplicado,  em 1910, na denominação da Rua Tenente Sales, a qual permanece válida atualmente. Ainda neste período receberam denominação a  atual Rua Bela Vista ( em 1909,  quando este designativo deixou de ser aplicado à atual Rua João Pessoa),  a Travessa Marechal Deodoro (1911), e a “Dr. Duplé”, rebatizada em 1932 como Rua Major Carlos Del Prete, que assim como a Rua De Pinedo – nomeada no mesmo ano – faz referência a um célebre pioneiro da aviação italiana.

Na história de São Bernardo, na grande maioria das vezes, as  denominações viárias  surgiram por determinação da administração pública, ainda que, em certos casos, atendendo  alguma demanda privada. Raramente  foram resultado de atribuição popular, consagrada pelo uso e depois oficializada. Uma primeira exceção parece ter sido a “Rua da Fábrica”, que ficava ao lado da primeira tecelagem e maior fábrica do município na década de seu surgimento, em 1911. A denominação foi oficializada em 1923 e posteriormente, em 1950, foi alterada para “Ítalo Setti”, nome do fundador e diretor presidente da tecelagem (8).

Entre 1924 e 1934,  17 novas ruas receberam nomes  na região central, elevando para 34 o total de  vias denominadas na cidade (9).  Entre estas novas intitulações, a maioria indicava celebridades de vários períodos da história nacional – Tiradentes, Thomé de Souza, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Rio Branco,  General Osório (herói da Guerra do Paraguai), Lopes Trovão (militante republicano), Brasílio Machado (intelectual e político paulista). Duas delas se referiam às principais personalidades locais do século XIX: Padre Lustosa – pároco da Igreja Matriz e professor de primeiras letras durante várias décadas - e Alferes Bonilha - fazendeiro, tropeiro e juiz de paz durante muitos anos. Também foi nessa oportunidade que,  pela primeira vez em São Bernardo, a posse anterior  da área na qual uma rua  fora construída  foi o principal critério para a denominação da mesma. Foi o caso da Avenida Paulo Afonso, surgida sobre os terrenos de Paulo Krueger e Afonso de Oliveira (10).

Também entre as décadas de 1920 e 1930 foram aprovados novos loteamentos urbanos no território do atual  município. As plantas destes loteamentos podiam trazer as futuras  denominações de  suas ruas e em muitos casos era empregado um conceito ou critério único para a criação de várias nomeações.  Este foi o caso do loteamento original do Nova Petrópolis (1925), cujo conceito envolvia a idéia de habitação de veraneio sob clima ameno e salutar, imitando a cidade de Petrópolis (RJ),  onde,  todos os anos, durante o verão, residiam os membros da família real brasileira, cujos nomes foram aplicados às ruas da localidade são bernardense: Imperador Pedro II, Imperatriz Leopoldina, Princesa Francisca Carolina, Dom Luiz, Alameda Pedro I, Dom Miguel, Dom Paulo Mariano, Dona Tereza Cristina, Princesa Isabel, Princesa Amélia, Princesa Maria da Glória. Princesa Antonia.

É importante lembrar que a  data da aprovação dos loteamentos não corresponde às datas de abertura das ruas, sua ocupação e  uso efetivo das denominações, podendo se passar anos ou até décadas entre o planejamento inicial e a existência efetiva das ruas denominadas. Foi o que aconteceu com a Vila Jordanópolis, com aprovação de loteamento em 1925 e ocupação efetiva ocorrendo apenas vários anos depois. Neste caso, foram adotados como  critérios de nomeação  personalidades e datas importantes para a história do  Estado de São Paulo - Pindorama, Padre Anchieta, 9 de Julho, Borba Gato, São Paulo, Tibiriçá  e Martins Fontes - além de outros topônimos referentes à nacionalidade – Brasil, Pará, Belo Horizonte e Guanabara (11). No loteamento da Vila Mussoline (1928), além da homenagem ao líder fascista, que gozava de reputação relativamente boa no Brasil nas décadas de 1920 e 1930, foram empregados denominativos ligados à história italiana contemporânea: Gabriel d'Annunzio (poeta, político e herói da primeira guerra), Marechal Badoglio (chefe de estado, após a queda de Mussolini),  Rodolfo Crespi (industrial) , Duque de Aosta (nobre  e militar), Conde Siciliano ( industrial) , Vitor Emanuel (Rei do século XIX),  entre outros (12).

Ainda antes do final da década de 1930, surgiram as denominações das ruas dos loteamentos das vilas  Quirino de Lima,  Duzzi e Olavo Bilac, além de algumas outras vias avulsas, trazendo,  sobretudo, referências a antigos proprietários de áreas próximas - Quirino de Lima, Terezinha Setti,  Arthur Corradi e Oscar Marques - e a personagens da história e da política do Brasil - Jose Bonifácio, Wenceslau Brás, Rodrigues Alves, João Ramalho, Gonçalves Dias (13). A cidade contava então com menos de 11 mil habitantes e sua  área urbanizada e arruada ainda muito era restrita  em comparação com dos dias de hoje.

 

             

Djalma Dutra (acima, em 1977) e João Pessoa (abaixo, sem data),  duas ruas  denominadas por razões políticas em 1932,  com a finalidadede   homenagear personalidades ligadas à revolução de 1930. Ambas as imagens são da década de 1970.

     

        

Notas

(1) - Cf. Santos. Wanderley dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista: 1550-1892. Sâo Bernardo do Campo: Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, 1992. p.109. A constituição a que o topônimo alude é a primeira brasileira, promulgada cerca de uma década antes, em 1824.

(2) - Cf. Jacobine. Jorge Henrique Scopel. José Luiz Fláquer.  2022. Acessível no sítio eletrônico https://saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/jose-luiz-flaquer.

(3) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos Diversos. 1893-1899.  p. 7 -13.

(4) - Cf. . Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial e Viação. (1904-1923). p.3.

(5) - Cf. Prefeitura Municipal de São Bernardo. Taxa de Viação. Distrito de São Bernardo (1929-1935). p. 38-40. Acervo: Museu de Santo André Octaviano A. Gaiarsa.

(6) - Cf.  Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial. 1900 a 1902; p.12 e 14. 

(7) - Cf.  Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial e Viação. (1904-1923). p.13.

(8) - Cf.  Idem.  p. 99.

(9) - Cf. Prefeitura Municipal de São Bernardo. Taxa de Viação. Distrito de São Bernardo (1929-1935). Acervo: Museu de Santo André Octaviano A. Gaiarsa.

(10) - Cf. Terrenos de Propriedade do Sr. Paulo Krueger situados na Villa de São Bernardo. Planta L2-0099 -  Prefeitura de São Bernardo. 1925.

(11) - Cf. Planta do Loteamento da Vila Jordanópolis. Planta L2-00545A -  Prefeitura de São Bernardo. Vasconcelos, Motta Ltda. 1938.

(12) - Cf. Vila Mussolini - Caminho do Mar. Planta L3-00294 -  Prefeitura de São Bernardo.1928.

(13) - Cf. Planta do Distrito de São Bernardo. 1939. Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo (Arquivo digital  BR_APESP_IGC_IGG_CAR_I_S_0077_001_001_).

 

 

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