Por volta de meados do século XIX, depois de existir durante séculos sob uma organização social e econômica de tipo feudal, o Japão iniciou, de forma acelerada, um processo de modernização que o transformou, em algumas décadas, em uma potência militar industrializada (1). As transformações econômicas e institucionais que permitiram um aumento substancial da população levaram também graves dificuldades para uma grande parcela de pequenos agricultores, submetidos a pesados impostos e a queda dos preços de seus produtos, como, por exemplo, o arroz (2). Aliando pressões demográficas e desagregações econômicas e sociais, este processo histórico levou, já na década de 1880, ao inicio do movimento migratório japonês. A imigração oficial para o Brasil começou em 1908, sob o influxo de novas dificuldades socioeconômicas geradas pela guerra russo-japonesa (1904-1905). Do ponto de vista brasileiro, a imigração japonesa se apresenta, inicialmente, como forma de atendimento da demanda por mão de obra agrícola nos prósperos cafezais do estado de São Paulo. Em São Bernardo, o primeiro japonês a se estabelecer foi Sadaichi Takeshita, que era chamado de José Takeshita. Takeshita chegou à cidade em 1918, trazido pela família Pelosini. Aí foi médico naturalista, mecânico de teares e barbeiro (3), mantendo um estabelecimento dedicado à esta última atividade na esquina da Rua Marechal Deodoro com a Rua Municipal, entre o final dos anos 20 e a primeira metade da década de 1930. Seu filho, Claudio Takeshita, nascido em São Bernardo em 1920, seria vereador e presidente da Câmara Municipal, na legislatura 1952-1955, e, também, na mesma época, jogador de futebol - no Esporte Clube S. Bernardo - e industrial, proprietário de uma importante fábrica de vidro e produtos refratários, localizada no Bairro Rudge Ramos. No decorrer das décadas de 20 e 30, enquanto no Japão alternavam-se crise e prosperidade econômica e o militarismo se fazia mais presente na política, a imigração para o Brasil continuou, apesar das limitações impostos pelo governo brasileiro no início da Era Vargas. A migração nipônica para a região do ABC se ampliou muito neste período, de modo que, em 1940, registrava-se a presença de 1133 naturais do Japão estabelecidos na área (4). No território do atual município de São Bernardo do Campo, se estabeleceram as famílias Shiguetomo, Keissuke, Sato, Kumakura, Sato, Hirai, Horita, Maeda, Yague, Adachi, Ino, Takata, Kojima, Ogawa, Mishida, Enoshita, Yogo, Homae (5). Destaca-se ainda, neste período, a migração simultânea das dez famílias (Matsumoto, Ito, Iida, Inoue, Tamai, Sassaki, Adachi, Shintomi, Suga e Takaki) que fundaram, em 1935, a Colônia Mizuho, núcleo inicial do atual Bairro Cooperativa. Estas famílias, assim como a imensa maioria dos japoneses que chegaram em São Bernardo, não vieram diretamente do Japão, tendo habitado antes em outras localidades no Brasil, especialmente no interior de São Paulo. Nos anos seguintes, enquanto a imigração japonesa para o Brasil diminuía, até praticamente cessar na década 40, a Colônia Mizuho continuou recebendo outras famílias nipônicas e o contingente de japoneses em São Bernardo continuou aumentando, inclusive em outras áreas da cidade. Entre as atividades exercidas por japoneses no município, destacaram-se, por várias décadas, aquelas do setor agropecuário, em especial, o plantio de hortaliças e a produção aviária das dezenas de granjas da região do Mizuho/Cooperativa. O setor de comércio e serviços se fez presente desde a década de 20, com o já citado Sadaichi Takeshita, e, também, com Massachiki Suzuki, que manteve botequim e restaurante na antiga estrada da estação (hoje Avenida Pereira Barreto), entre 1929 e 1933 (6). Ainda no mesmo setor, sobressaíram-se as atividades de Kunio Sato, que, em 1947, inaugurou uma tinturaria no centro da cidade, e de Shin-ItiHorita, que, em 1945, fundou um mercado na altura do atual n. 1395 da Rua Marechal Deodoro, o qual seria muito popular na cidade por cerca de 4 décadas. No setor industrial, o primeiro estabelecimento fundado por imigrante japonês foi a fábrica de panelas de alumínio “Fuji”, inaugurada no fim dos anos 40, por Saburo Kagawa (7). Nas atividades da população japonesa em São Bernardo, durante o decorrer do século 20, é possível notar uma forte tendência à cooperação entre conterrâneos e a criação de entidades associativas com finalidades econômicas, esportivas e, sobretudo, culturais. Uma das mais importantes foi a Associação Cultural do Alvarenga, surgida na Colônia Mizuho, logo após sua criação, em 1935, e que, desde, então foi responsável pela promoção do tradicional festival desportivo e recreativo “Undokai”. Na área educacional destaca-se a presença da Casa de Estudantes Harmonia, criada no Rudge Ramos - outro bairro da cidade com forte presença nipônica- em 1953, para acolher estudantes, sobretudo de origem japonesa, que necessitavam de moradia. Posteriormente, na década de 90, esta casa de estudantes foi transformada em colégio. Antigo membro da União Cultural Nipo-brasileira, Nobuyuki Tanaami, que chegou à cidade em 1947, foi um dos primeiros japoneses a se preocupar com a preservação da memória da imigração nipônica em São Bernardo, tendo escrito e publicado sobre o tema já na década de 1970. Tanaami, que foi também um dos militantes fundadores do M.D.B. local, cedeu, em 1996, um longo depoimento ao Centro de Memória de S.B.C, do qual transcrevemos o trecho inicial, que relata uma experiência de estranhamento cultural que, enquanto referente aos hábitos alimentares, foi muito comum entre os primeiros imigrantes orientais que chegaram ao Brasil: “Eu nasci na cidade de Tóquio, Japão, em 13 de dezembro de 1917. Nossa família chegou em Santos em janeiro de 1926. Pegamos o trem da São Paulo Railway, viemos para a Casa dos Imigrantes, em São Paulo, no Brás. Pousamos aí uma ou duas noites, e como os imigrantes eram redistribuídos pelo interior do Estado de São Paulo conforme as necessidades das fazendas, nós fomos destinados para à fazenda Criciúma, em Ribeirão Preto. Um fato interessante que ocorreu na viagem, foi que o governo do estado dava um lanche para os imigrantes, pão com salame. Mas o japonês nunca tinha visto salame. Então o japonês cheirava o salame, achava esquisito aquele cheiro e quando o trem se punha em movimento o pessoal pegava o salame e jogava tudo fora, só comia o pão. “ (8). 
Imagens: Acima - > Evento esportivo integrante do festival “Undokai”, realizado na Colônia Mizuho, em 1956. Abaixo - > Imigrantes japoneses reunidos na antiga sede da Associação Japonesa de São Bernardo do Campo. Entre outros, aparecem: NaodoKichida, TokuoYoshikawa, YoshinoriMaeda, JikichiMakimoto, TeruichiKamiya, RiusaburoKojima, MamoruKawano, ChiujiNakae, SenjiSuguino, MasaeSuguino, Keijiiwatomi, Cesário ToshioMaeda, TakaharuSuguino, CintokoKogima, NoriyoshiTakahashi, KeishiIwatomi, KiyoharuSughino, TsurukoNakai, Maria SumikoKogima, MatikoNakai, SatikoKawano, HiromiIwatomi, MadokaYagui. 1945 


NOTAS:
(1) –Cf. Neré, Jacques. História Contemporânea. São Paulo: Difel, 1975. p. 326-339.
(2)–Cf. Handa, Tomoo. O imigrante Japonês. História de sua vida no Brasil. São Paulo, T. A. Queiroz – Centro de Estudos Nipo-brasileiros, 1987.p. 73-74.
(3) – Cf. Medici, Ademir. A imigração japonesa em São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, PMSBC - Secretaria de Educação, Cultura e Esportes, 1983. p. 20.
(4) – Cf. IBGE. Recenseamento Geral do Brasil. 1 de setembro de 1940. Série Regional. Parte XVII – São Paulo. Tomo 1. Censo Demográfico. População e Habitação. p. 103. 
(5) – Cf. Medici, Ademir. Op. cit. p. 21-26.
(6) – Cf. Câmara Municipal de São Bernardo - Imposto de Indústria e Profissão (1924-1931) e Prefeitura Municipal de São Bernardo. Indústria e Profissões (1932-1935). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa. 
(7) – Cf. Nobuyuki, Tanaami. Desenvolvimento do comércio e indústria da colônia japonesa em São Bernardo. Jornal Folha de São Bernardo. 20/08/1978. Edição Especial. p. 40. 
(8) – Cf. Nobuyuki, Tanaami. Depoimento. 5/7/1996. Banco de História Oral. Centro de Memória de S.B.C.

 

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