Bom-Crioulo tornara-se assim, esquecido e indiferente, desde que se metera com o Aleixo, o tal grumete, o belo marinheiro de olhos azuis” 
(trecho de O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha).

O livro selecionado para o Clube de Leitura Leitores da Cidade de agosto é  Bom-Crioulo, um clássico da Literatura Naturalista Brasileira. O romance foi escrito e publicado em 1895 pelo escritor cearense Adolfo Caminha (1867-1897) e é considerado o primeiro romance da Literatura Brasileira a tratar da temática homoafetiva e ter como protagonistas personagens masculinos que vivem um relacionamento homossexual.

A trama do romance se constrói a partir da relação desses dois personagens, Amaro e Aleixo, com seus conflitos, angústias e inadaptações sociais, que geram um desenrolar dramático dessa relação, com desfechos fatídicos. Amaro era escravo fugido de uma fazenda de café no Rio de Janeiro e acabou se alistando na Marinha Brasileira, onde encontrou a liberdade na condição de marinheiro de segunda classe. Com o passar dos anos,  ganhou prestígio junto aos seus superiores e pares com sua força física, generosidade e disciplina, que lhe renderam a alcunha de “Bom-Crioulo”. Essa posição que ganhou só era ameaçada pelo vício em bebida alcóolica e seus efeitos, arrumando brigas e confusões quando estava em terra firme.

Numa dessas embarcações em que prestava serviço, Amaro conheceu o aprendiz de marinheiro Aleixo, jovem franzino de olhos azuis,  que chamou sua atenção pela alva beleza e candura, despertando sensações instintivas e de atração sexual pelo jovem grumete. “O desejo fisiológico da posse mútua, essa atração animal que faz o homem escravo da mulher e que em todas as espécies impulsiona o macho para a fêmea, sentiu-a o Bom–Crioulo ao cruzar pela primeira vez com o grumetezinho”.

Seu comportamento, influenciado por essa paixão, alterou sua relação com seus superiores e demais marinheiros, no intuito de defender o jovem Aleixo de possíveis castigos e afrontamentos. Durante alguns meses, já em terra firme, experimentaram uma vida em comum numa pensão carioca, senhoriada pela portuguesa Dona Carolina. Foram semanas em que o casal de marinheiros tornaram-se cúmplices e aprofundaram aquela amizade iniciada em alto-mar para um relacionamento amoroso e sexual. 

“Decorreu quase um ano sem que o fio tenaz dessa amizade misteriosa, cultivada no alto da rua da Misericórdia, sofresse o mais leve abalo. Os dois marinheiros viviam um para o outro”. Semanas marcadas mais por encontros do que por desencontros, o que começou a mudar após Amaro ser realocado para uma nova embarcação. Iniciou-se,  naquele momento, o declínio da relação e o posterior envolvimento de Aleixo com a senhora da pensão Dona Carolina. “Sim, que podia ele esperar de Bom-Crioulo? Nada, e, no entanto, estava sacrificando a saúde, o corpo, a mocidade... Ora, não valia a pena”. O que se seguiu foi uma progressiva degeneração física e psicológica de Amaro, sucumbindo ao vício da bebida, que se desdobrou num desfecho trágico desse triângulo amoroso.

O romance Bom-Crioulo trouxe à época temáticas que até então eram grandes tabus sociais, como a homossexualidade, assim como também os relacionamentos inter-raciais e o tratamento punitivo e os castigos físicos aplicados na Marinha brasileira. Por conta disso, a obra foi duramente criticada, recebendo críticas negativas avassaladoras, que atribuíam ao livro uma narrativa transgressora e abominável. Contudo, escrito num contexto Naturalista, o livro expressa posições preconceituosas e homofóbicas, animalizando e patologizando o comportamento sexual dos personagens, interseccionando questões de raça, gênero e sexualidade.

Outra característica da narrativa que diz respeito ao seu caráter Naturalista, é a sua escrita linear e objetiva, que tenta apreender a realidade da maneira mais factível possível, atribuindo aos seus personagens comportamentos determinados pelas condições ambientais e de hereditariedade, sendo os vícios, as perversões sexuais, a violência e as degenerações físicas e mentais inerentes ao modo de vida, principalmente das classes populares, condicionadas pelo ambiente social degradado em que viviam. “Não havia jeito, senão ter paciência, uma vez que a natureza impunha-lhe esse castigo”.

 

Boa Leitura

 

 

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