Antônio Tito Costa, prefeito de São Bernardo do Campo entre 1 de fevereiro de 1977 e 31 de janeiro de 1983, faleceu no dia 28 de outubro de 2023, aos 100 anos de idade, em Torrinha, no interior de São Paulo. Primeiro prefeito eleito pelo Movimento Democrático Brasileiro em São Bernardo do Campo, governou a cidade nos últimos anos do regime militar ao qual se opunha e contra o qual apoiou as célebres “greves dos metalúrgicos” no final da década de 1970. Político culto e apreciador das artes e das humanidades, afirmava ter o objetivo de fazer de São Bernardo a “Capital do Homem”, uma alusão às alcunhas de “Capital do Móvel” e “Capital do Automóvel”, que eram atribuídas à cidade. Foi também deputado federal constituinte entre 1987 e 1990 e Vice-Prefeito de São Bernardo do Campo entre 1993 e 1996. Costa foi também um jurista notável, tendo escrito várias obras importantes na área do direito eleitoral (1) .

Em três ocasiões, Tito Costa cedeu depoimentos para composição do Banco de História Oral do Centro de Memória de São Bernardo do Campo, deixando registros vívidos de suas memórias, incluindo desde a infância em Torrinha até a participação no cargo máximo da administração municipal. A primeira delas aconteceu na tarde de 2 de agosto de 1983, na “Sala São Bernardo” da Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, embrião do atual Centro de Memória, cerca de 6 meses após o término de seu mandato como prefeito. Sobre seus primeiros anos de estudo no Grupo Escolar de Torrinha, Costa fez questão de homenagear um de seus primeiros educadores, o professor Otílio Meira Lar: “ Eu sempre fui canhoto (...) e quando fui ser matriculado meu pais disse: - O menino é canhoto, precisa dar um jeito nisso. O prof. Otílio respondeu: - Não (...) por que corrigir isto, que não é defeito, pode acarretar outra dificuldade para o menino. Na década de 20, um modesto diretor já sabia distinguir isso que hoje todos os psicólogos (...) e educadores sabem, que não tem importância ser destro ou canhoto.” (2). Tendo iniciado seus estudos secundários no Seminário Diocesano de São Carlos, entre 1936 e 1938, onde “estudava-se mais, e mais intensamente sobretudo Latim e Português, e eu sempre gostei muito destas duas matérias “ (3). Depois de cursar o ginásio e parte do colegial no interior do estado - em Olympia e depois em Jaú - mudou-se para São Paulo, onde, entre 1946 e 1950, cursou a histórica Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Escolheu a carreira de advogado e “sempre me dei muito bem nela porque é um tipo de atividade muito ligada ao plano intelectual. (...) Sinto tanto prazer em fazer um bonito arrazoado como em ver um bom filme, assistir a uma boa peça de teatro ou ouvir uma boa música”(4).
Ainda falando sobre a época de sua formação, Costa afirmou que “fazia as coisas que todo jovem costuma fazer, de modo que não vi nada de especial na minha juventude, a na ser o fato de que eu sempre trabalhei” (5), tendo se empregado no Jornal e Livraria Voz do Povo - em Olympia , na Rádio e Sociedade Jauense - onde foi locutor, no jornal “O comércio de Jaú” - como redator, na Escola Técnica de Aviação, na Faculdade de Engenharia Industrial - instituição que posteriormente ajudaria a trazer para São Bernardo, e na biblioteca da FIESP.

Tito Costa se interessou pela política seguindo o exemplo de seu pai, que “foi político, embora nunca tenha exercido um cargo eletivo, (...) era atuante na política”. Na época da faculdade “fui atraído pelo programa do Partido Democrático Cristão, ao qual me filiei, e senti na doutrina social da igreja, que o PDC então divulgava, um puro ideal que adotei”(6). Pelo PDC, foi vereador e presidente da câmara na sua cidade natal, na segunda metade dos anos 50. Antes disso já havia acontecido o primeiro contato com São Bernardo do Campo, que se deu por intermédio do amigo Lauro Gomes, que o convidou a prestar serviços jurídicos para a prefeitura em sua primeira administração (1952-1955). Ano depois, durante o regime militar Tito iniciou sua vida política em São Bernardo “ o meu melhor aliado político aqui (...) foi primeiramente o MDB, aquele antigo MDB, um partido pequeno, que nos momentos mais difíceis da repressão aqui no Brasil lutou bravamente (...). Lembro de quando fazíamos reuniões no clube Bochófilo - eu era o presidente do partido aqui - para 10,14, 20 pessoas das mais humildes.(7) “.

Sobre a sua administração em São Bernardo Tito afirmou procurou realizar “antes e acima de tudo uma obra em termos humanos (...), São Bernardo - a capital do homem, do homem integral do qual falava Maritain (8). Considerou o momento mais difícil e mais gratificando aquele em que ajudou a evitar um conflito violento durante uma manifestação de trabalhadores em greve no Paço Municipal, no dia 23 de março de 1979: “eu providencialmente fui chamado pelo telefone, estava me curando de um problema na coluna, corri para o Paço, fui procurar o comandante da tropa, já havia apedrejamento, cassetetes, era uma praça de guerra (...) nunca passei por momentos tão dramáticos, sem saber exatamente o que fazer (...) consegui conversar com o comandante e subir na caminhonete da polícia e com o microfone pedi para os trabalhadores que mantivessem a calma e para a polícia que não atacasse, e conseguimos então, com muita dificuldade, dispersar aquela praça de guerra” (9).

Ainda no decorrer do depoimento de 1983, Costa fez várias observações interessantes sobre a arte de governar, extraídas de sua então recente experiência no comando da prefeitura da cidade: “A sociedade é como uma pessoa, ela se defende, ela se protege (...) Sempre tenho repetido que governar é dirigir pressões, então você recebe pressão de um lado, do outro, de baixo, de cima, e vai contornando, dirigindo,vai levando a coisa para frente.”(10) - sobre o relacionamento do governo com as diversas classes e grupo que compõem a sociedade; “A máquina administrativa é uma coisa muito complexa, que protege a si mesmo,e a própria burocracia é uma tradução desta proteção, existindo até para justificar funções.” (11) - sobre o funcionalismo público.

Finalizando, deixou uma mensagem a futuros ouvintes: “quero que aqueles que ouçam ou eventualmente leiam isto saibam que passou pela prefeitura um homem que não tinha nada de especial em relação aos demais, mas que tinha uma sensibilidade um pouco acima do comum e que com ela procurou marcar sua passagem pela prefeitura. Se isto eventualmente não pôde ser compreendido pelos meus contemporâneos, espera que seja pelos que venham depois. Porque realmente eu aqui deixei uma parte importante da minha vida, do meus sentimentos (...), e sobretudo da minha confiança no Homem e no Brasil.”(12).

 

Tito Costa sobe em carro policial para mediar conflito entre tropa de choque e trabalhadores em greve, no momento que considerou o mais difícil de sua administração. 23/3/1979.

 

 

Notas:
(1) - Cf. https://www.tre-sp.jus.br/.../tre-sp-homenageia-o-jurista...
(2) - Cf. Costa, Antônio Tito. Depoimento. 2/8/1983. Banco de História Oral. Centro de Memória de São Bernardo do Campo. Transcrição. p.2.
(3) - Cf. Ibidem.
(4) - Cf. Idem. p.3.
(5) - Cf. Idem. p.7.
(6) - Cf. Idem. p.11.
(7) - Cf. Idem. p.16.
(8) - Cf. Idem. p.19. Costa se refere aqui ao influente filósofo e teólogo católico francês Jacques Maritain (1882-1973).
(9) - Cf. Idem. p.20-21.
(10) - Cf. Idem. p.18.
(11) - Cf. Idem. p.22.
(12) - Cf. Idem. p.29.

 

 

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