Centenas de milhares de mulheres  fizeram parte da história de São Bernardo do Campo, construindo a  vida social, material e cultural da cidade ao longo dos séculos.

Em primeiro lugar existiram, em algum ponto da atual região do grande ABC, as índias tupis das tribos do Cacique Tibiriça e seus parentes. Dentre estas,  a História guardou o nome de Bartira – filha de Tibiriça,  que através de seu casamento com João Ramalho,  consolidou uma aliança de sua tribo com  colonizadores portugueses. Os filhos e filhas do casal, e de diversos colonos portugueses com nativas, povoaram a vila quinhentista de  Santo André da Borda do Campo. As mulheres mamelucas, descendentes de Bartira e outras tupis povoaram a cidade São Paulo e seus arredores rurais, onde esteve o  território da atual São Bernardo por vários séculos.

Existiram muitas mulheres de etnia indígena ou africana que foram escravas  nas fazendas da região, durante o período colonial (1). Outras, no mesmo período, foram livres, de diversas origens, sobretudo portuguesas e  mamelucas.

Na mesma época, parte das mulheres ligadas à região  tiveram seus nomes registrados em diversas fontes documentais. Assim, sabemos que, em 1645, uma certa  Ana de Alvarenga  hipotecou um curral de gado de sua propriedade,  situado no território de  São Bernardo, à época chamado de  “Borda do  Campo” (2).  Na mesma área, em 1681, existia um sítio com casas, pertencente a uma tal Ana de Proença (3). Em 1811, alguns portugueses da cidade de Faro, no Algarve, receberam terras na região do atual Distrito do Riacho Grande. Entre as mulheres que se tornaram proprietárias estavam Paula Josefa e diversas integrantes da família França e Horta: Tereza Jacinta, Maria da Apresentação e Maria do Carmo (4).  Entre as 157 meninas batizadas na Capela de São Bernardo, entre 1717 e 1813, 83 eram brancas e 54 eram negras. Maria, Ana, Gertrudes, Rosa e Escolástica foram os nomes mais comuns da lista.  Em 1745, um dos batizados da capela  teve como madrinha uma índia  chamada  Rosa Pareci, relacionada, por isso, a índios Pareci, descidos do Mato Grosso (5). 
Entre o final do século XVIII e início do século XIX, existem registros de diversas mulheres chefiando fazendas na região. Em 1797, por exemplo, a Sra. Maria Barbosa de Lima, uma das pessoas mais ricas da área,  chefiava uma propriedade com 59 escravos, junto à outra mulher adulta – provavelmente sua filha -  e alguns menores de idade.  Lourença de Barros, chefiava uma propriedade ou sítio arrendado - provavelmente pequeno - com diversas crianças e uma senhora de 90 anos. Não possuía escravos. Existiram também mulheres negras, livres e solteiras, vivendo com seus filhos  em sítios arrendados ou efetivamente possuídos. Uma delas  era Beliana de Souza, de  62 anos. (6).

Ainda em 1797, a população do então bairro de São Bernardo -  que incluía toda a região do  atual Grande ABC -  era de apenas 1774 habitantes, dos quais 906 eram dos sexo feminino . A escravidão africana e afro-descendente marcava a sociedade local nesta época, assim como ainda faria na maior parte do século seguinte. Havia 615 escravos e escravas , isto é 35% da população, todos negros ou pardos. Apenas  21% da população não branca era livre, isto é, 159 indivíduos.  Entre as mulheres existiam 302 escravas, 33% do total da população feminina (7).
No último quartel do século XIX,  chegam em São Bernardo grande quantidade de imigrantes européias, sobretudo italianas, que,  assim como as primeiras gerações de suas descendentes, terão  uma vida  pobre, ligada às atividades de suas pequenas propriedades rurais, e muitas vezes, principalmente na juventude, serão também operárias, nas fábricas charutos e  tecelagens da região. Várias delas  serão mães de numerosos filhos,  muitos dos quais não chegarão à idade adulta.  Terezinha Fantinatti será a parteira da localidade - entre 1902 e 1923 - e empresária, dona de uma Fiação de Seda na esquina da Rua Tenente Sales (8). Nascida em uma hospedaria para imigrantes, filha de  italianos, Angela Scopel Pinotti (1877-1972), mãe do futuro prefeito Aldino Pinotti, trabalhará em uma fábrica de charutos, e assim como a maioria de suas contemporâneas na região, será muito religiosa. Benzedeira e conselheira, transmitirá crenças, saberes e costumes de seus antepassados  aos filhos e netos ( 9 ).  

No município, por volta da metade do século XX, a sociedade começa a se urbanizar e modernizar. As mulheres começam a  diversificar suas atividades e se fazer presentes em novos espaços socais. Tereza Delta (1919-1993)  lidera uma movimento popular contra a caristia em 1946, se torna prefeita em 1947, vereadora em 1948, e deputada estadual em 1950.  Foi  a maior figura  política da cidade entre 1946 e 1952 (10). É decisiva na criação do Hospital Anchieta e, em 1952, do primeiro ginásio do município, o "João Ramalho", no qual muitas mulheres iriam estudar, preparando-se para uma vida profissional diversa do trabalho operário e rural. Várias delas  serão funcionárias públicas na prefeitura municipal e professoras.  Rita Zincaglia (1930 -2015), nascida nos EUA e neta da parteira Fantinatti, estudará na escola das freiras palotinas - o futuro Colégio São José - será secretária bilíngue  na indústria automotiva e, depois, entre os anos 50 e 60, uma das figuras mais importantes das administrações municipais Lauro Gomes e Hygino de Lima. As irmãs Odiléa (1934-2015) e Kilza Setti (1932- ) seguiram carreiras acadêmicas e artísticas de muito sucesso . Em 1958, Odileia foi uma das poucas mulheres a se  graduarem  na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, instituição na qual, anos depois,  cursaria o mestrado, o doutorado,  e se tornaria professora. Foi também  ilustradora de sucesso, com trabalhos em publicações que variavam  desde o suplemento literário do jornal “O Estado de São Paulo” até as cartilhas lançadas pela prefeitura de São Bernardo do Campo (11). Nonagenária, Kilza é pianista, renomada compositora de música erudita - com obras estudadas  exterior, e doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo.  Musicistas  são-benardenses  de destaque foram também Beatriz Roman (1950(?)-2020), pianista e compositora erudita, Célia Regina Cruz  (1947 -2017), cantora  popular (12),  e Odete Tavares Bellinghausen (1915-1995), pianista,   professora,  ativista cultural – desde a década de 1930 – e social, através da Associação Feminina Beneficente Bartira, fundada em 1944 (13). Também atuante na área social foi Clory Fagundes Marques (1917-1911), a Mamãe Clory, fundadora e diretora do “Lar da Mamãe Clory”, instituto que, desde a década de 1970,  acolheu  e educou centenas de crianças e adolescentes  carentes na cidade (14). Clory era migrante, assim como milhares de mulheres de diversas etnias que chegaram a São Bernardo do Campo na segunda metade do século XX e aqui trabalharam nas mais diversas atividades, desde a  gerência de pequenos e médios negócios à  manutenção do lar e criação dos filhos - cada vez mais escassos e longevos -contribuindo, de todas estas maneiras,  para a construção da sociedade  municipal.

 

À esquerda, Erondina Cristina de Jesus (1917-2008), migrante mineira  que que chegou à São Bernardo por volta de meados do século XX, junto ao marido, funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem (D.E.R), orgão responsável  pela construção da Via Anchieta.   Viveu por 50 anos no Acampamento do D.E.R, onde criou seus nove  filhos; À direita: Tereza Delta;   Na linha superior (Esq. p/ dir.) : Odete Tavares Bellinghausen;  uma trabalhadora  de olaria da região do Alvarenga ( Década de 1990) ;  Clory Fagundes Marques (Mamãe Clory. Ao meio:  Alunas da escola de corte e costura do Baeta Neves em 1955; Turma de Senhoras da União Cultural Nipo-brasileira de São Bernardo do Campo, apresentando-se para o bailado japonês “Hakata Dontoku Odori”, em  1982. Abaixo:  Operárias da Tecelagem de Seda Vila de São Bernardo, em 1931; Terezinha Fantinatti,  por volta de 1930; Garota atendida pelo “Lar da Mamãe Clory”, na década de 1970. 


 

Notas
(1) - Martins, José de Souza. Índios e Negros Escravos no ABC. Anais do 2º Congresso de História da Região do Grande ABC. São Bernardo do Campo, PMSBC, 2000. p.32-35.

(2) - Santos, Wanderley dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista:1550-1892. São Bernardo do Campo, PMSBC,  1992. p.61.

(3) - Ibidem. p.63.

(4) - Ibidem. p.67.

(5) - Martins, José de Souza. Índios e Negros Escravos no ABC. Anais do 2º Congresso de História da Região do Grande ABC. São Bernardo do Campo, PMSBC, 2000. p.35.

(6) - Arquivo do Estado de São Paulo . Lista Nominativa de Habitantes de São Bernardo (e Caguaçu) - número de ordem 155 (documentos microfilmados).1797. 

(7) - Idem.

(8) - Jacobine, Jorge Henrique Scopel. A parteira Fantinati e os nascimentos na São Bernardo do início do século XX;    https://www.facebook.com/saobernardo.cultura/photos/a.288867747860436/4023231361090704/ 

(9) - Pìnotti,  Maria Isabel e  Gliesser, Celia Santos. Depoimento. 3/5/2018. Banco de História Oral.  

(10) - Jacobine, Jorge Henrique Scopel. Tereza Delta. 2019. https://www.facebook.com/saobernardo.cultura/photos/a.288867747860436/2255068604573664/

(11) - Cf. Site oficial da artista. Acessível l em  https://www.odileatoscano.com.br/artista

(12) - Cf. Labrada, Gonzalo Luís. Memória Musical de São Bernardo. São Bernardo do Campo: PMSBC, Secretaria de Educação, Cultura e Esportes, 1986. ps.64 - 65. 

(13) - Cf. Jacobine, Rodolfo Scopel Odette Tavares Bellinghausen (1915-1995), artista, filantropa e defensora da cultura na cidade. 2022. Acessível em Cf. https://www.saobernardo.sp.gov.br/ca/web/cultura/odette-tavares-bellinghausen-1915-1995-artista-filantropa-e-defensora-da-cultura-na-cidade

(14) - Jacobine, Rodolfo Scopel. Um pouco da trajetória de Clory Fagundes Marques, a notável Mamãe Clory. 2021. Acessível em  https://www.facebook.com/saobernardo.cultura/photos/a.860448664035672/4739042232842943/

 

 

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