A passagem de Dom Pedro I pela Estrada de Santos, no dia da Independência do Brasil, marcou a imaginação popular em São Bernardo do Campo. Várias vezes, o fato foi destacado em textos relacionados à história do município, em algumas delas junto à ideia de uma possível parada do então Príncipe Regente na atual Capela Nossa Senhora da Conceição da Boa Viagem, com o objetivo de pedir proteção para sua jornada (1). Relaciona-se também com o contexto da Independência, a crença popular – completamente fantasiosa - de que o monumento denominado Pouso de Paranapiacaba, também à beira da estrada - nas proximidades da divisa com Cubatão, teria servido como local para encontros de D. Pedro I com sua amante, a Marquesa de Santos.
Para entender o que de fato ocorreu durante os dias em que D. Pedro esteve em São Paulo – cidade da qual S. Bernardo era uma Freguesia – e Santos, entre 25 de agosto e 9 de setembro de 1822, é preciso lembrar alguns acontecimentos e personagens da época, sobretudo aqueles ligados à crise política conhecida na historiografia paulista como “ Bernarda de Francisco Inácio”, cuja solução demandou a presença do príncipe regente na capital paulista (2). No ano anterior, em 23 de junho, através de aclamação popular e apoio militar, foi instituído um governo novo e provisório para a província de São Paulo, em obediência à constituição portuguesa – fruto da recente revolução liberal que sucedera na metrópole lusa (3) . O antigo governador, João Carlos A. de Oeynhausen, foi escolhido para presidente da junta governativa provisória, tendo os irmãos santistas José Bonifácio e Martim Francisco de Andrada ocupado os cargos subseqüentes na cadeia hierárquica da instituição (4). Em 23 maio de 1822, Oyenhausen recebeu convocação para comparecer ao Rio de Janeiro – onde já se encontrava José Bonifácio - perante D. Pedro, e ceder a presidência a Martim Francisco de Andrada. Interpretada como uma manobra política dos então influentes irmãos, a ordem não foi cumprida, devido à insubordinação de um grupo de autoridades liderado por Francisco Inácio de Sousa Queirós e apoiados pela população e pelos militares. A então Freguesia de São Bernardo se tornou palco de acontecimentos relacionados ao episódio quando, para garantir a restauração da ordem, um destacamento avançado de tropas militares vindas de Santos acampou no Sítio da Ponte Alta, na região do atual Jardim Silvina, no Bairro Ferrazópolis. Um morador de São Bernardo teria então seguido para São Paulo para informar os líderes da Bernarda sobre a situação no local, a qual impedia a comunicação entre São Paulo e Santos. Para evitar um confronto armado, Daniel Pedro Muller - o mesmo engenheiro que oito anos antes havia recomendado a instalação da sede da recém-criada Freguesia de São Bernardo no atual Largo da Matriz – foi enviado a S. Bernardo para negociar com os militares de Santos ( 5 ). Mesmo com o sucesso das negociações e a volta das tropas a Santos, a tensão e a crise permaneceram por mais algumas semanas, tendo desaparecido apenas com a chegada de D. Pedro à cidade em 25 de agosto, após viagem pela estrada que passava pelo Vale do Paraíba. Alguns dias depois, através do caminho do mar, e passando certamente defronte ao atual Largo da Matriz - que então contava apenas com a Capela Nossa da Boa Viagem - D. Pedro foi a Santos no dia 5 de setembro - para visitar a família dos seus aliados Andrada (6) - e retornou no dia 7, proclamando a Independência no atual bairro paulistano do Ipiranga, pouco depois de deixar a Freguesia de São Bernardo.
Foi durante este curto período em que esteve na cidade de São Paulo que D. Pedro conheceu e iniciou relacionamento com D. Domitila de Castro, posteriormente agraciada com o título de Marquesa de Santos. Porém, após sua partida para o Rio de Janeiro, em 9 de setembro, Pedro nunca mais esteve na província, tendo seu convívio com Domitila prosseguido no Rio de Janeiro (7). O Pouso de Paranapiacaba, no qual a fantasia popular equivocadamente localiza o romance entre o Imperador e a Marquesa, foi construído em 1922, junto ao Rancho da Maioridade, ao Belvedere Circular e outros monumentos situados às margens do histórico Caminho do Mar. A construção dos monumentos foi obra do governo estadual de Washington Luís, o qual quis comemorar o centenário da independência do Brasil com sua inauguração, procurando valorizar ao máximo o papel do Estado de São Paulo na história do país.
A proximidade dos monumentos , bem como a presença da célebre estrada que os abriga, a qual além de ter sido o palco da independência também deu origem, no final do século XIX, à atual Rua Marechal Deodoro, ajudou a intensificar a memória do Sete de Setembro e de alguns de seus personagens em São Bernardo do Campo.
Esq. - > Retrato de Dom Pedro I, pintado em São Paulo, por Simplício Rodrigues de Sá, entre agosto e setembro de 1822. Ao fundo aparece a capital paulista, com destaque para o Rio Tamanduateí e a Ladeira do Carmo, atual Av. Rangel Pestana.
Fonte: Silva, Alberto da Costa e. Crise colonial e independência: 1808-1830. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
Dir.-> Capela Nossa Senhora da Boa Viagem. 1970 (c.); Atrás aparece a atual Basílica Menor Nossa Senhora da Conceição da Boa Viagem.
Notas
(1)-Cf.https://www.dgabc.com.br/Noticia/3610843/uma-obra-centenaria-em-sao-bernardo?fbclid=IwAR32vJifOuY6-FO0QZsi5lNPcW9UuyxcGvFIJWBAqxQumrJJQSrugCQ0s-o; http://www.metodista.br/rronline/noticias/cidades/pasta-3/caminhos-do-mar-oferecem-historia-e-lazer?fbclid=IwAR30JMyvq2KXhhHeXcvK6o-zglaiM37D3pxwz2qauMcLe57yBXhfLtWM-Uw;Barbosa, Newton Ataliba Madsen. São Bernardo – A verdadeira mãe dos paulsitas.São Bernardo do Campo: PMSBC, 1971 p. 6
(2) – Cf. Sobre o pedido para a presença de D.Pedro para apaziguar a crise gerada pela Bernarda, Cf. Morse, Richard. Formação História de São Paulo, de Comunidade à Metrópole.São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. p.78.
(3) – Cf. Guimarães, Mario. São Paul, 4 séculos de lutas. Rio de Janeiro: Gráfica Vitória S/A, 1954. p.88 - p.90.
(4) – Cf. Arquivo do Estado de São Paulo. Documentos interessantes para a história e os costumes de São Paulo. Atas das sessões do governo provisório de são paulo.1821-1822. p.3.
(5) – Cf. Caldeira, João Netto. Álbum de São Bernardo. São Paulo: Organizações Cruzeiro do Sul, 1937. p.94 e 95.
(6) – Cf. Menezes , Raimundo de. Aconteceu no Velho São Paulo. São Paulo: Saraiva, 1954. p.143.
(7) - Rezzutti, Paulo. Titília e o Demonão: Cartas Inéditas De D. Pedro I à Marquesa De Santos. São Paulo : Geração, 2011. p.36-63.
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