O prédio atualmente ocupado pela Câmara de Cultura Antonino Assumpção, na Rua Marechal Deodoro,  é um dos imóveis mais antigos de São Bernardo do Campo, possivelmente um dos raríssimos remanescentes do século XIX na cidade. A data precisa da construção  atual é desconhecida. Sabe-se que seu primeiro proprietário foi o imigrante italiano José D´Angelo que adquiriu o então designado lote nº137 da sede urbana do Núcleo Colonial São Bernardo entre 1877 e 1892.  Em 13 de dezembro de 1893, na ocasião de sua  venda  para a Câmara Municipal, o lote abrigava dois prédios com placas distintas (1) e hoje é difícil averiguar quais  características do imóvel atual já estavam presentes naquele momento e quais foram acrescentadas após sua transformação na sede da Câmara Municipal.  Na realidade, a ornamentação requintada da fachada e outras características próprias de espaços mais nobres,  presentes atualmente, contrastariam com o entorno do local na Rua Marechal Deodoro da época, ocupada, sobretudo, por comércios e moradias de imigrantes pobres.  A primeira fotografia a registrar o espaço é a que acompanha este texto. Foi tomada em 1917 e nela pode-se observar que  naquele momento o prédio da câmara já exibia uma fachada sofisticada, ainda que diferente da atual.  O entorno de casas simples também aparece. Entre elas, imediatamente à esquerda do prédio da câmara, estava o imóvel que  pertencera ao próprio José D’Angelo, e que  serviu de sede ao seu estabelecimento comercial por vários anos (2). Uma planta da área, produzida em 1902, mostra que apenas  o retângulo que contém as duas grandes salas  dianteiras, além de uma pequena área adjacente, localizada atrás do mesmo, poderiam estar construídas naquele ano, sendo o restante resultado de ampliações posteriores (3).

José D’Angelo foi eleito vereador por duas vezes, permanecendo no cargo ente 1902 e 1907. Foi também juiz de paz e sócio do industrial Carlos Prugner no empreendimento que, entre 1911 e 1912, criou e administrou o “Cinema Paulista”, primeiro espaço do gênero na cidade. Possuía mais dois irmãos residentes no  município: João, estabelecido com comércio, e, posteriormente, com fábrica de móveis (1913-1918), na Rua Marechal Deodoro; e Sophia, que chegara da Itália apenas em 1902 e era casada com  Antonio Caputo, que se tornaria parceiro de negócios do cunhado  João.

O edifício não foi o primeiro local a abrigar a pequena Câmara Municipal  do jovem Município de São Bernardo, instalado em 1890.  Criada em 1892,  a Câmara Municipal funcionou inicialmente, por um breve período,  no prédio da Intendência Municipal, o velho casarão do Alferes Bonilha,  que abrigara também a Hospedaria dos Imigrantes. A primeira legislatura, composta por apenas seis vereadores que não recebiam salário algum, tomou posse a 28 de setembro de 1892. Os  edis representavam distintos núcleos populacionais e políticos  do antigo município, que englobava toda a atual região do ABC, e elegiam entre si o Intendente  Municipal,  principal autoridade administrativa da cidade.

Até outubro de 1930, quando a revolução derrubou a primeira república  e extinguiu o poder legislativo em todo país, o edifício seguiu abrigando a câmara  dos vereadores do velho município de São Bernardo. Após um hiato de  alguns anos, em 1936, uma nova legislatura foi empossada e exerceu suas funções no local.  Mas, em virtude do golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, a câmara do antigo município foi definitivamente extinta.

Desde sua aquisição pelo poder público até meados da década de 1940, além da Câmara Municipal, o espaço abrigou, em diversos momentos, outras atividades: serviço de correios, escola – na década de 1930, por ocasião de reforma do grupo escolar – sede da prefeitura e, após a transferência da mesma para o distrito de Santo André, em 1939, agência da subprefeitura.

Em 30 de novembro de 1944, o território da atual São Bernardo do Campo se emancipou do antigo município – que passara a se denominar Santo André. No dia 1 de janeiro de 1945, o primeiro prefeito do município recém-criado, Wallace Simonsen, tomou posse do cargo no velho prédio da câmara. A sede da prefeitura e o gabinete do prefeito funcionaram no local nos mandatos de Simonsen (1945-1946), Tereza Delta (1947) e José Fornari (1948-1951) (4).

A primeira legislatura da Câmara Municipal do novo município de São Bernardo do Campo tomou posse no dia 1º de janeiro de 1948 e foi instalada em um salão cedido pelo industrial José  Pelosini, logradouro este que  foi isentado de todos os impostos municipais (5).

Mesmo com a transferência da sede da prefeitura para outro espaço, o edifício seguiu alojando seções, departamentos e órgãos  da mesma. Em 1953, sofreu ampliação, na parte dos fundos, para a recepção do almoxarifado e do serviço de dívida ativa. No ano seguinte, o prédio recebeu a “Casa dos Esportes” – denominação pela qual se tornou conhecido por muitos anos – e em 1963,  o setor de planejamento e arquitetura. Nas décadas de 1970 e 1980, a prefeitura cedeu salas no local para diversas entidades: Federação das Sociedades Amigos de Bairros, liga de futebol amador, Clube Filatélico de São Bernardo do Campo, Associação dos Mutuários de São Bernardo do Campo, União das Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos. Serviços da prefeitura continuaram existindo no espaço, como o atendimento à documentação (1981) e a Escola  de Xadrez do Departamento de Cultura (1985) (6) .

O imóvel foi tombado pelo COMPAHC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural)  em 1987,  e,  na década de 1990,  após mobilização de diversos memorialistas ,  que se aglutinaram no movimento “S.O.S Câmara do ABC”, foi reformado e destinado pela prefeitura apenas às atividades culturais, passando a abrigar a Câmara de Cultura “Antonino Assumpção”. A denominação  homenageou  o  ator, diretor teatral, gestor cultural e desportista Antonino Assumpção, fundador do célebre grupo de teatro Regina Pacis. A inauguração do novo espaço se deu em 5 de setembro de 1997, com uma apresentação do grupo Demônios da Garoa. Desde então o local tem abrigado inúmeros eventos importantes promovidos pelo Departamento e, depois, pela Secretaria de Cultura, desde apresentações musicais até saraus de poesia, passando por  atividades teatrais, seminários, exposições de arte e  mostras fotográficas organizadas pelo Centro de Memória de São Bernardo do Campo, o qual, ao longo dos anos, fez do local o principal espaço para exposição de seu acervo. 

 

Atiradores da Linha de Tiro nº 35,  defronte à Câmara Municipal de São Bernardo, na ocasião de sua marcha à cidade de Santos.  Fotografia publicada pela Revista “A Cigarra”, em 10 de agosto de  1917 (p. 27). Ainda sem pavimentação alguma, a Rua Marechal  Deodoro já possuía trechos densamente ocupados, como este.  Do lado esquerdo do prédio da Câmara, logo após o prédio do antigo armazém de José D’Angelo aparece uma casa  pertencente ao  coronel e vereador João Batista de Oliveira Lima, tendo sido adquirida por volta do ano de 1900. Em seguida aparecem as instalações da  Sociedade Italiana de Mútuo-Socorro “Italianos Unidos”. Os dois edifícios de maiores dimensões, do mesmo lado da rua, são, muito provavelmente, as fábricas de móveis de João D’Angelo   – por volta do atual n. 1489-  e de Cassetari, Mondolin e Vergani – próxima à esquina com a Rua Municipal.    Ao fundo pode-se ver  também o antigo casarão do Alferes Bonilha  e o restante da área ocupada pela atual Praça Lauro Gomes.    Pesquisa e texto: Centro de Memória de S.B.C

 


Notas:   

(1) - Cf. 2° Tabelião de Notas – São Bernardo do Campo. Escritura pública de compra e venda entre partes. José D’Angelo e sua mulher Concietta Bruno, como vendedores, e a Câmara Municipal desta Vila de São Bernardo como compradora de dois prédios. 13 de dezembro de 1893. 
(2) - Ao menos entre 1890 e 1898, funcionou um armazém de secos e molhados e  uma loja de fazendas e armarinhos no antigo nº 77 da Rua Marechal Deodoro, do lado esquerdo do prédio da câmara. O estabelecimento esteve alugado à Giuseppe Galusso entre 1895 e 1896, tendo permanecido sob o comando de D´ Angelo no restante no tempo.  É provável que este imóvel,  que permaneceu com o mesmo proprietário até 1919, ainda tenha sediado este armazém até 1912. É possível que tenha também servido de moradia para  D’Angelo, sua esposa, Concetta Bruno, e seus  vários filhos nascidos em São Bernardo. Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1890-1892). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Gaiarsa;  Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899); Câmara Municipal de São Bernardo. Impostos diversos. 1900 -1903. Acervo Museu de Santo André Dr. Octaviano Gaiarsa;  Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto de Indústrias e Profissões (1911-1923).
(3) - Cf. Delpy, Luís. Planta Cadastral de Vila de São Bernardo. 1902.
(4) - Cf. Processo Administrativo SB 1802/85. p.31. Acervo: Seção de Patrimônio. Secretaria de Cultura. PMSBC. Secretaria de Cultura e Juventude.
(5) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo do Campo. Lei Ordinária n.23 de 1º de outubro de 1948. O imóvel em questão situava-se à altura do atual n° 1000 da Rua Marechal Deodoro.
(6) - Cf. Processo Administrativo SB 1802/85. p.16 e 51. Acervo: Seção de Patrimônio. Secretaria de Cultura. PMSBC. Secretaria de Cultura e Juventude.

 

 

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