Desde tempos imemoriais, existem narrativas sobre o passado de indivíduos e comunidades humanas transmitidas oralmente (1). O nascimento da história como relato escrito que registra uma investigação relativamente criteriosa do passado surgiu na Grécia antiga, fazendo uso de testemunhos e narrativas orais (2). Nestes dois sentidos, a história oral é uma prática muito antiga. Porém, o uso do termo “história oral” e um conjunto de procedimentos que atualmente lhe são associados, o qual inclui, sobretudo o registro eletromagnético ou eletrônico de testemunhos orais acerca de trajetórias biográficas e acontecimentos históricos, surgiram apenas em 1948, quando o pesquisador Allan Nevis criou o “The Oral History Project” , na Universidade de Columbia (EUA). Entre o fim da década de 60 e o início dos anos 1970, os programas de história oral proliferam nos Estados Unidos, e entre 1971 e 1975, surgiram os primeiros empreendimentos brasileiros no ramo, sendo que o principal deles foi criado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) (3) (4).
Em São Bernardo do Campo, a gravação de testemunhos orais para posterior uso em pesquisas relacionados à memória da cidade ou mesmo à mera consulta de munícipes teve início em 1976, no recém-criado espaço dedicado à história local da Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, a denominada “Sala São Bernardo”, embrião do atual Centro de Memória de São Bernardo do Campo. A prática surgiu no âmbito dos primeiros esforços de coleta de acervo social empreendidos pelo órgão dirigido pela bibliotecária Maria de Lourdes Ferreira. Na primeira fase do projeto, entre 1976 e 1980, sob a coordenação da socióloga Doraci Sponchiatto e locução de Sileia Werpel Pessoa foram gravadas 31 entrevistas. A escolha dos depoentes foi orientada de acordo com sua conexão com temas relacionados à história política e social do município, como, por exemplo, comércio, agricultura, alimentação, lazer, indústria, emancipação, etc. Existia um questionário elaborado previamente que quase sempre era cumprido à risca no momento de realização das gravações, o qual geralmente abordava todos estes sub-temas.
A preocupação com a exploração de diversos elementos do passado que, por várias razões, são invisíveis na documentação oficial, a qual é um dos fundamentos da historia oral contemporânea, esteve presente, ainda que de maneira tímida, desde os primeiros anos de gravação de depoimentos na “Sala São Bernardo”, e se intensificou ao longo do tempo, em um processo que envolveu outros profissionais – como o jornalista e memorialista Ademir Médici - e o progressivo aumento da consciência da natureza da história oral e de sua importância. Durante esta trajetória a duração das entrevistas foi aumentando e o formato foi se diversificando. O questionário padrão foi deixado de lado, sendo substituído por um conjunto de perguntas mais individualizadas – baseadas no conhecimento prévio da trajetória de cada depoente e na sua relação com a cidade, ao mesmo tempo em que em que os depoimentos tomavam cada vez mais a forma de um relato biográfico cronológico, uma história de vida. Neste âmbito, ao longo do tempo, entre os conteúdos históricos da vida cotidiana que ganharam registros únicos devido aos depoimentos gravados pelo Centro de Memória de São Bernardo do Campo, encontram-se descrições minuciosas dos seguintes tópicos: do mundo do trabalho em olarias, indústrias, no comércio e na agricultura, abordando os processos, técnicas, dificuldades e conflitos que lhe são próprios; do universo do lazer nos cinemas de rua, nos bailes, nas festas religiosas e nas praças; do âmbito doméstico, sobretudo no que diz respeito às técnicas culinárias e à diversidade da alimentação; das circunstâncias dos movimentos migratórios que marcaram o município e também dos processos de crescimento urbano a eles associados. Também é importante notar que, para além do valor informativo, as riquezas destas descrições consistem também no fato de se tratarem de pontos pessoais, produzidos, em geral, por aqueles que de fato vivenciaram as realidades históricas expressadas.
Contando hoje com mais de 300 depoimentos, o banco de história oral do Centro de Memória de São Bernardo do Campo, contem testemunhos de políticos e pessoas poderosas, como ex-prefeitos (Higyno Baptista de Lima, Aldino Pinotti, Tito Costa, Geraldo Faria Rodrigues e Aron Galante) e industriais (Orlando Setti, Francisco Miele, Nelson Corazza, Bortolo Basso), mas, sobretudo, exemplificando uma das características mais celebradas dos projetos de história oral, abriga os registros de pessoas comuns - donas de casas, agricultores, operários, comerciantes, prestadores de serviços – que constituem a maior parte da população.
A imagem que ilustra este texto traz um pequeno mosaico com fotografias de alguns dos depoentes do Banco de História Oral do Centro de Memória de São Bernardo do Campo, tomadas na ocasião da gravação de suas entrevistas. Aparecem da esq. p/ dir: acima-> Sebastião André, músico (2008); Mário Stangorlini, antigo morador do Bairro Assunção (1979); Edith de Almeida, ex- tecelã (2015); Joaquim Mariano Ribeiro, antigo morador da Rua Marechal Deodoro (1986). Ao meio -> Leonilda Morganti, esposa do ex-prefeito José Fornari, junto à socióloga Doraci Massaine, responsável pelo depoimento; João Gava, ex-marceneiro (2013); Henrique Colombo (1977), filho de João Colombo, pioneiro da indústria moveleira da cidade; Balbina Gregório de Jesus, filha do músico João Gomes, autor do Hino da Emancipação do município (2009). Abaixo: Luiz Novak, antigo morador do bairro Tatetos (2006); Ondina Corradi, ex-tecelã e descendente de imigrantes italianos (1978); Riuichi Matsumoto, imigrante japonês (1977); Santina Demarchi Batistini, comerciante (1977).
Se você tem uma trajetória de vida em São Bernardo e gostaria de contribuir com a preservação da memória do Município ou de seus bairros, cadastre-se para agendar a gravação de um depoimento para integrar e ampliar nosso Banco de História Oral.
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Pesquisa, texto e fotografias: Centro de Memória de São Bernardo do Campo.
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Notas
(1) Cf. Vansina, Jan. Oral Tradition as History. Madison: University of Wisconsin Press.1985. Vansina usa um provérbio do povo Akan (Gana) - “ As coisas antigas permanecem no ouvido” - para expressar o processo de construção da memória social através da oralidade.
(2) Cf. Thompson, Paul. The voice of past. p.28.
(3) Cf. Freitas, Sonia Maria de Freitas. “Prefácio à edição brasileira”.Prefácio. In: Thompson, Paul. A Voz do Passado – História Oral.Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.p. 14-19.
(4) – Atualmente o termo ”história oral” é usado em vários sentidos: com o significado de método usado pelo historiador, fundado no uso fontes orais ( Cf. Joutard, Philippe. Oral (História).in: Burguière, André, Dicionários da Ciências Históricas.Rio de Janeiro: Imago, 1993,p.581.); como história escrita que utiliza fontes orais ( Cf. Thompson, Paul. A Voz do Passado – História Oral.Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.p. 45-73.); como método para produção de fontes orais e, às vezes, significando o próprio conteúdo das entrevistas gravadas (Cf.Meihy, José Carlos Sebe Bom.História Oral: Como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.p.13-14; 64; 81-85; 128).
Pesquisa, texto e Acervo:
Centro de Memória de São Bernardo
Alameda Glória, 197, Centro.
Telefone: 4125-5577.
E-mail: memoria.cultura@saobernardo.sp.gov.br
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