A produção de lenha e madeira fez parte da economia brasileira desde os tempos coloniais, época em que abastecia os engenhos produtores de cana de açúcar e as demais propriedades rurais, bem como a construção civil nos centros urbanos. Era usada para o aquecimento de caldeiras, construção de cercas, carros de boi, reforma e construção de edifícios (1). Em 1798, no bairro rural de S. Bernardo - que abrangia o território da atual região do grande ABC, entre 238 famílias recenseadas, três declararam que sua principal atividade econômica consistia na venda de lenha. Em 1822, na mesma região, quatro chefes de família informaram ser “serradores de madeiras” e três disseram “viver de serrar madeiras” (2). Na década de 1820, as serrarias já eram comuns no país, já existindo também o uso do vapor como força motriz de alguns estabelecimentos. Em São Paulo existiam 42 estabelecimentos em 1836 (3). Na Freguesia de São Bernardo, a primeira serraria da qual se tem notícia foi fundada pelo francês Francisco Julien, em 1856, em seu sítio, no antigo bairro do Rio Acima (4), especificamente no local denominado Santa Cruz da Pedra Branca, localizada na região dos atuais bairros Tatetos e Santa Cruz. Era uma serraria movida à água, da categoria que era muitas vezes referida como “Engenho hidráulico” ou “Engenho de Serra”. Foi transferida, em 1906, ao italiano Ângelo Linguanoto, funcionário de Francisco e, depois de sua viúva, Filomena Julien. O empreendimento deixou de funcionar apenas em 1933, quando o surgimento do Represa Billings determinou a desapropriação e a inundação de seu terreno.

Devido, sobretudo, à economia do café e à imigração européia, entre o último quartel do século XIX e o ano de 1920, o crescimento demográfico de São Paulo foi intenso, criando uma grande demanda de lenha e madeira, para uso em fogões domésticos, indústrias, companhias ferroviárias e construção civil. O número de moradores da capital paulista saltou de 31,4 mil, em 1872, para 64,9 mil, em 1890, para 240 mil, em 1900, e 590 mil, em 1920. Este crescimento paulistano esteve diretamente ligado à proliferação de serrarias na região de São Bernardo, inicialmente porque a recém inaugurada estrada de ferro Santos - Jundiaí, inaugurada em 1867, cortava seu território, possibilitando um meio de transporte rápido para a produção da área, ao mesmo tempo que aumentava a demanda por lenha - empregada como combustível - e madeira, empregada para a fabricação de dormentes. Deste modo, já em 1875 existe o registro da existência de uma grande serraria - a primeira indústria movida à vapor na região - localizadas nas proximidades da estação ferroviária do Rio Grande. Em agosto de 1875, esta mesma serraria pertencia a Ricardo Welby e Antonio Pinto Monteiro, e, em 1878, a Joaquim Eugênio de Lima (5). Nesta época, um de seus operários, Antonio Ferreira, foi assassinado, atraindo a atenção da imprensa para a localidade, onde , segundo o Jornal “Província de São Paulo”, há “constantemente aglomeração de trabalhadores, não só da estrada de ferro inglesa, mas também de estabelecimentos industriais que ali existem” (6). Em 1882, esta serraria havia passado às mãos da família Hans Ravache, e, entre 1892 e 1894, à empresa Erhart e Weigl, fabricante de aparelhos elétricos.Também em 1882, dezesseis pessoas pagavam impostos como vendedores de madeira na estação ferroviária Rio Grande. Nas décadas seguintes, o número dos classificados como remetentes de lenha em várias das estações ferroviárias da região - sobretudo em Ribeirão Pires - aumentaria expressivamente (7).

Em 1890, já eram em número de dez as serrarias da região, sendo quase todas de pequeno porte e ainda movidas à água. Pelo menos sete delas se localizavam no território do atual distrito do Riacho Grande e quatro entre estas pertenciam a antigos sitiantes brasileiros: Cipriano B. de Moraes e Manoel Baptista da Luz (Bairro Rio Acima); Joaquim Antonio de Lima (Bairro Varginha) ; João Antonio de Oliveira Lima, pai do célebre intendente municipal e coronel João Baptista de Oliveira Lima, estabelecido no atual bairro Balneária. Nesta época apenas dois engenhos hidráulicos pertenciam a italianos do Núcleo Colonial São Bernardo: Pedro Tosi e Vicente Linguanoto.

Segundo os dados estatísticos oficiais do Estado de São Paulo, em 1898 o município de São Bernardo produziu 54 mil m³ de madeira, segunda maior cifra entre os municípios cujas produções foram registradas. Deste montante, uma parte serviu à produção de 5500 dúzias de taboas nas linhas coloniais situadas no atual distrito do Riacho Grande, no valor de 82,5 contos de réis, o que era equivalente a 55 % da produção econômica desta área, superando em muito sua renda bruta agrícola e pecuária (8).

Em 1910, o número de serrarias do atual território de São Bernardo havia aumentado para vinte e um, sendo que, entre elas, nove eram movidas à vapor (9). A proliferação dos estabelecimentos de serraria e de sua produção em São Bernardo está ligada à uma conjugação de fatores que inclui a presença de madeira abundante e rios - que são importantes pelo fornecimento de energia hidráulica e para o transporte da produção - na região do atual Riacho Grande, e, também, à demanda gerada pelo intenso crescimento paulistano. Sabe-se, por exemplo, que o proprietário de uma destas serrarias à vapor, o alemão Gustavo Rathsam, enviou, em 1903, uma proposta à Prefeitura Municipal de São Paulo, para fornecimento de andaimes para serem empregados na construção do Teatro Municipal (10)

O ciclo das serrarias em São Bernardo se conecta diretamente com o nascimento da indústria moveleira local. João Basso, empresário pioneiro do setor, possuía duas serrarias à vapor. Uma delas estabelecida no bairro do Capivary, em 1902, e a outra no centro urbano da localidade, na Rua Marechal Deodoro, em 1905. Anexa à esta última, em 1910, Basso instalou a primeira fábrica de móveis do município. O caso de Basso não foi isolado. Fortunato Finco, Antonio Caputo e João D´Angelo também foram proprietários de serrarias na região do Riacho Grande na década de 1900, e se tornaram industriais moveleiros no centro da cidade na década seguinte. Entre o final da década de 1920 e a década de 1970, a região central da cidade concentraria as serrarias do município, às quais funcionariam sempre anexas às grandes fabricas e utilizariam madeira vinda de fora do município. Todos os empreendimentos localizado nas áreas urbanas utilizaram o vapor como energia motriz. Nas zonas rurais uso da energia hidráulica predominou até por volta de 1914, entrando em declínio acentuado dois anos depois.

Na região do atual Riacho Grande, o ciclo das serrarias entrou em declínio relativo por volta de 1920, o qual foi acompanhado por mudanças nas áreas em que se concentravam os estabelecimentos. Originalmente as serrarias se aglutinavam nas margens do Rio Grande - nas proximidades da estrada de Santos, e, a partir de meados da décadas de 1890, também na região do Capivary. Na década de 1920, os empreendimentos de serraria desapareceram do Capivary e passaram a se acumular no bairro do Curucutu. É possível que estas mudanças se relacionem ao esgotamento das matas em certas regiões. Fenômenos semelhantes acompanharam as serrarias em outras partes do país. Além disso, entre 1925 e 1934, o surgimento e o crescimento da Represa Billings - que submergiu matas, instalações e antigos cursos d’água - acentuou as mudanças em curso, contribuindo para o esgotamento quase definitivo da atividade no Riacho Grande, entre os anos 1930 e 1940 (11).

 



Máquina belga para cortar toras de madeira ( Hochleistungsgatter) fabricada pela indústria Danckaert e importada, em 1901, por Antonio Caputo, para a serraria a vapor que possuía no Rio Grande, em sociedade com João D’Angelo. Posteriormente esta máquina foi transferida para a fábrica de móveis de Caputo, na Rua Marechal Deodoro, em frente à atual Praça Lauro Gomes. Na década de 1930, esta indústria foi transformada em cooperativa, sob a denominação de Fábrica de Móveis São Bernardo, e a máquina permaneceu no local até a extinção da empresa, por volta de 1980. Em 1982, foi cedida à prefeitura municipal e fixada como monumento aos moveleiros de São Bernardo do Campo, nas proximidades da esquina da Rua Jurubatuba com a Rua José Pelosini. Fotografias tomadas em 23 de novembro de 2021, pelo Centro de Memória de São Bernardo do Campo.

 

 

Notas

(1) - Cf. Cabral, Diogo de Carvalho e CESCO, Susana. Notas para uma história da exploração madeireira na Mata Atlântica do sul-sudeste. Revista Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 35-38, 2008.
(2) - Cf. Arquivo do Estado de São Paulo. Listas nominativas de habitantes de S. Paulo e S. Bernardo (1798 ).
(3) - Cf. Daniel Pedro Müller. Ensaio d'um quadro estatístico da província de S. Paulo: ordenado pelas leis provinciaes de 11. de abril de 1836 e e 10 de março de 1837 . São Paulo: Tipografia de Costa Silveira, 1838. p. 130-132.
(4) - Cf. Caldeira, João Netto. Álbum de São Bernardo. São Paulo: Organizações Cruzeiro do Sul, 1937. p.28.
(5) - Cf. Jornal “ A Província de S. Paulo”, 19 de maio de 1875, p.3. e 24 de agosto de 1875. p.3.
(6) - Cf. Jornal “ A Província de S. Paulo”, 9 de março de 1878, p. 2
(7) - Cf. Câmara Municipal de São Paulo. Impostos (Indústrias e Profissões).1882 -1883.
- Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899).
(8) - Cf. Repartição de Estatístico e Arquivo do Estado de São Paulo. Relatório do ano 1898 apresentado ao cidadão Dr. José Pereira de Queiroz –Secretário de Estado dos Negócios do Interior, pelo Dr. Antônio de Toledo Pizza. São Paulo: Tipografia do Diário Oficial, 1900.p. 467, 497 e 500.
(9) - Cf. Prefeitura do Município de São Bernardo. Livro de Indústrias e Profissões. 1910. Acervo do Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.
(10) - Cf. Jornal Correio Paulistano. 3 de dezembro de 1903. p.2.
(11) - Cf. Câmara Municipal de São Bernardo – Imposto de Indústria e Profissão (1924-1931) e Prefeitura Municipal de São Bernardo. Indústria e Profissões (1932-1935). Acervo: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.

 

 

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