Criado em 1889, o antigo município de São Bernado foi efetivamente instalado apenas em maio de 1890. Devido à Proclamação da República, ocorrida em novembro de 1889, o Brasil e o Estado de São Paulo aguardavam então novas constituições. Em janeiro de 1890, o governo estadual determinou que os municípios fossem governados provisoriamente por Conselhos de Intendentes nomeados pelo próprio chefe do executivo paulista, além de indicar que, de acordo com o tamanho dos municípios, este grupo seria composto de 3 até 9 membros, os quais deveriam eleger entre si um presidente e um vice (1). Sabe-se que, inicialmente, em São Bernardo, este orgão foi ocupado por João Baptista de Oliveira Lima, Francisco José da Silva e Giuseppe Dal Zotto, os quais permaneceram na função ao menos até o início de 1892 (2). Além do que foi dito, sobreviveram poucas informações sobre este Conselho. Francisco foi eleito presidente em maio de 1890 e esteve no cargo até 1892 (3). Também em 1891, foram nomeados como membros do orgão Gustavo Rathsam e Alfredo Lúis Fláquer. Em janeiro de 1892, Rathsam, Dal Zotto, Francisco e Oliveira Lima tiveram pedidos de exoneração negados pelo governo, “por conveniência do serviço público” (4).

Sobre a biografia destas autoridades, sabe-se que Francisco José da Silva (5) e Alfredo L. Fláquer (6) estavam entre os diversos negociantes de lenha que atuavam na estação ferroviária do futuro distrito de Santo André. Alfredo era irmão de José Luiz Fláquer – figura politicamente mais forte da região - e seria posteriormente vereador, prefeito e industrial. Acerca de Dal Zotto, existem documentos mostrando que era italiano estabelecido no Núcleo Colonial São Bernardo em 1877. Foi comerciante e fabricante de bebidas, proprietário de um sobrado e de um grande terreno no quarteirão da Rua Marechal Deodoro localizado defronte à Praça da Matriz. Faleceu por volta de 1897. Rathsam era imigrante alemão, inicialmente estabelecido na linha colonial de São Bernardo Velho. Posteriormente seria vereador, proprietário de serraria no bairro do Capivary e fabricante de cerveja no topo da Rua Dr. Fláquer. João Batista de Oliveira Lima possuía casas na Rua Marechal Deodoro e terras na região do Rio Grande, onde também possuía uma serraria. Foi várias vezes vereador e presidente da Câmara (7)

Em agosto de 1892, aconteceu a primeira eleição para a Câmara Municipal, sendo eleitos Luiz Pinto Fláquer Júnior, Luiz Bruno, Gustavo Rathsam, Manoel José de Oliveira Catta Preta, Lindolfo Francisco de Paula e José Francisco de Paula Novaes. Em 30 de setembro, encerrando o conselho provisório, essa primeira legislatura tomou posse, no antigo casarão do Alferes Bonilha, que ficava na atual Praça Lauro Gomes, em São Bernardo do Campo. Os vereadores escolheram Fláquer Júnior como intendente, cargo que então mais se aproximava ao do atual prefeito e que permaneceu com esta denominação até por volta de 1908. Era Irmão de José Luiz e Alfredo. Originária do município de Itu, a família Fláquer se fixou na região da Estação São Bernardo por volta de 1886, quando Luiz Pinto Fláquer e seus dois filhos mais jovens - Luiz Pinto Fláquer Júnior e Alfredo Luís - abriram um grande armazém na área (8) . José Luiz, que chegara vários anos antes, para trabalhar como professor, teria grande influência na política regional, embora se dedicasse, principalmente, à esfera estadual – onde foi senador - e federal – sendo duas vezes eleito deputado. Fláquer Júnior ficou no cargo de Intendente até a posse da legislatura seguinte, em 7 de janeiro de 1896. Faleceu aos 36 anos de idade, em 27 de maio de 1897, devido à tuberculose (9)

Nestes primeiros anos a administração municipal empregava um pequeno quadro de funcionários fixos, e também, um grupo mais instável, de trabalhadores braçais, encarregadas da limpeza e manutenção das ruas e estradas. Entre os fixos estavam o secretário, o fiscal, o porteiro , os encarregados da iluminação pública e do cemitério. O Intendente e os demais vereadores não recebiam salário. O cargo mais bem remunerado da administração era o de procurador da câmara, o qual recebia 12% do total dos impostos recebidos pela municipalidade, cuja arrecadação estava sob sua responsabilidade. Em 1890, a média mensal equivalente aos valores que trimestralmente eram pagos ao procurador foi de 87 mil réis , enquanto que o porteiro, funcionário de menor salário, recebeu apenas 16,5 mil réis. Durante o ano de 1895, com o aumento da arrecadação, o procurador – que desde de janeiro de 1892 já era o futuro grande industrial Ítalo Setti – recebeu, em média 303 mil réis (10). Além de Setti, os registros da câmara guardaram os nomes de diversos funcionários durante este período: Vicente Del Bianco, encarregado do recém inaugurado cemitério Municipal – atualmente conhecido como ”Cemitério da V. Euclides” - era um imigrante italiano que foi também comerciante e residia quase que em frente ao casarão da intendência; Domingos Cerchiari, fiscal, imigrante italiano estabelecido na rua Marechal Deodoro, próximo à esquina com a Rua Silva Jardim. Elisiário Firmo de Lima, secretário, foi também maestro das principais bandas musicais da cidade e , possivelmente, o responsável pela contratação do fotógrafo que produziu a imagem do prédio da intendência que ilustra este texto, a qual foi encontrada em seu acervo pessoal. Filippe Gabriele e Vicente Carillo, encarregados pelo funcionamento da iluminação pública - à época alimentada por querosene, sendo o primeiro na Vila de S. Bernardo e o segundo em Ribeirão Pires; Benedito Aguiar, porteiro por toda quase toda a década de 1890 (11); João Ribeiro do Prado, foi procurador em 1890 (12) .

No seu primeiro quinqüênio de funcionamento a administração municipal ainda era muito limitada em seus recursos financeiros, e, também, na variedade e abrangência de suas ações. Umas das fontes de recursos mais importantes já era o imposto sobre indústrias e profissões, o qual era arrecadado desde a década de 1880 pela Prefeitura de São Paulo (13), e passou, quase que imediatamente, a ser recebido e fiscalizado – provavelmente com maior diligência - pela Câmara Municipal de São Bernardo, após sua instalação em 1890. A ele estavam sujeitos os comerciantes, os industriais, e os prestadores de serviços urbanos tradicionais – carpinteiros, ferreiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, funileiros, etc. O conjunto dos proprietários de armazéns de secos e molhados e lojas de fazendas e armarinhos contribuíam com a maior parte do total da arrecadação, estando entre eles algumas das pessoas mais influentes da localidade, como os irmãos Fláquer, Giuseppe Dal Zotto , Giseppe D’Angelo, Luiz Bruno - todos eles tendo sido vereadores ou intendentes na década de 1890 (14). Os industriais ainda eram muito poucos nesta época –Carlos Prugner, Ítalo Setti, Bruno Klausnner, entre outros- mas pagaram impostos relativamente altos a partir de 1894. Entre 1890 e 1895, o valor da arrecadação deste imposto cresceu 141%, atingindo quase 17 contos de réis (15). Sem elevações significativas no valor do imposto, este aumento se deve fundamentalmente à multiplicação das atividades econômicas na região, impulsionada pelo seu próprio crescimento demográfico, e também, pelo da capital paulista , o qual proporcionava muitas oportunidades para empreendimentos nos seus arredores. Todo este aumento populacional se ligava à imigração européia para o Estado de São Paulo , à qual estava em seu auge no período.

O imposto predial foi criado pela procuradoria da Câmara Municipal em julho de 1892, pouco antes da instalação da primeira legislatura. Incidia apenas sobre a zona urbana do município, a qual, neste período se restringia ao entorno da Rua Marechal Deodoro, na atual São Bernardo do Campo, e a uma outra área, bem menor, no centro da atual cidade de Riberão Pires. A região de Santo André - que despontaria como maior centro urbano do ABC na segunda metade da década seguinte – ainda era classificada como zona rural. As primeiras denominações de rua - inspiradas em políticos republicanos da mesma facção de José Luiz Fláquer – e, também, a primeira numeração dos imóveis, surgiram entre 1893 e 1894, ainda durante o período em que Luiz Pinto Fláquer era intendente. As denominações persistem até os dias de hoje, enquanto que a numeração predial permaneceu quase a mesma até a década de 1930. O número de imóveis sujeitos ao imposto passou de cerca de 85 em 1892 para 140 em 1895, ao mesmo tempo em que a arrecadação foi de 884 mil réis em 1893 para 1318 mil réis em 1895 (16).

Em 1893, a Intendência adquiriu dois imóveis ao então comerciante José D’Angelo, para que abrigasse a sede da Câmara Municipal, provavelmente mal acomodada em uma ou duas salas do antigo casarão. Refletindo a explosão demográfica e econômica de São Paulo e seus arredores, ao longo das décadas seguintes a administração deste antigo município de São Bernardo - cujo território compreendia toda a atual região do ABC - iria crescer significativamente em complexidade, em recursos e na abrangência de suas atividades.

 

Esquerda: fachada da sede da Intendência Municipal. Décadas de 1890/1900. Detalhe. Direita: Luiz Pinto Fláquer Júnior. 8/4/1893. Produzida pelo Estúdio Henchel e Cia, em São Paulo. Acervo pessoal de Clovis Thon. Publicada na coluna Memória, do Jornal Diário do Grande ABC, em 21/6/2016.

 

 

Notas
(1) - Cf. Governo do Estado de São Paulo. Decreto n.13, de 15 de janeiro de 1890
(2) - Cf. Jornal Correio Paulistano, 3/5/1890 e 6/5/18900 ; Jornal “O Estado de São Paulo”, 31/3/1892, p.1. ; Diário Oficial do Estado de SP, 3/1/1892 p. 1853.
(3) - Cf. https://web.santoandre.sp.gov.br/.../francisco-jose-da-silva
(4) - Cf. Estado de São Paulo, 8/4/1891 p.1 e 3/1/1892 ; Diário Oficial do Estado de SP, 3/1/1892 p. 1853.
(5) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Livro de Lançamento dos Impostos Municipais. Livro nº 1. 1890 -1892. p.10. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa.
(6) - Cf. Jornal “A Província de São Paulo” , 8/12/1886.p.3.
(7) - Cf. Livro de Matrícula dos Colonos – Núcleo Colonial de São Bernardo/Sede. Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. (1877/1892). Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo ; Delpy, Luiz. Planta Cadastral da Vila de São Bernardo. São Paulo: Inspetoria Geral de Terras, Colonização, Imigração do Estado de São Paulo. 1902 ; Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899); Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Arrecadação do Imposto Predial nº1 . 1892. p.1-2.Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa.
(8) - Cf. “Jornal do Comércio”. 11/11/1886.p.2
(9) - Cf. HTTPS ://ww http://w.dgabc.com.br/.../o-prefeito-luiz-pinto-flaquer...
(10) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Livro Caixa. 1890-1895. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa.
(11) - CF. Ibidem. p.23
(12) - Cf. Balancete da Receita e Despesa da Intendência da Vila de São Bernardo durante os meses de agosto, setembro e outubro do ano financeiro de 1890. p.2. Acervo: Museu de Santo André Octaviano Gaiarsa (Fundo Câmara - S19M1).
(13) - Cf. Câmara Municipal de São Paulo. Impostos (Indústrias e Profissões) 1882-1883.Acervo: Arquivo Histórico Municipal Washington Luís.
(14) - Gaiarsa, Octaviano A. A Cidade que Dormiu Três Séculos – Santo André da Borda do Campo, seus primórdios e ssua evolução histórica. Santo André: Prefeitura Municipal de Santo André, 1968. p.49.
(15) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Livro de Lançamento dos Impostos Municipais. Livro nº 1. 1890 -1892. p.10. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa; Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899);
(16) - Cf. Procuradoria da Câmara Municipal de São Bernardo. Arrecadação do Imposto Predial nº1 . 1892. p.1-2. Acervo: Museu de Santo André O. Gaiarsa.

 

 

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