O ensino médio  em São Bernardo do Campo (1959-1993) (1)

 

No Brasil, desde a década de 1930, por conseqüência da Reforma Francisco de Campos (2), a educação secundária - intermediária entre os níveis  primários e  superiores - é dividida em dois ciclos. O primeiro, mais longo, foi por muitas décadas chamado de ginásio. O segundo, correspondente ao atual ensino médio, foi denominado colegial,  e a partir da década de 40, por determinação da Reforma Capanema (3), passou a ter duração de três anos. Essa mesma legislação, que vigorou até o início da década de 1970 (4), previa a existência de duas modalidades de ensino colegial não profissionalizante: o clássico - com ênfase em humanidades - e o científico – voltado às ciências exatas. Tradicionalmente, o ensino secundário tinha como uma de suas funções principais a preparação para os estudos superiores . Até por volta de meados do século XX,  era freqüentando pela pequena parcela da população que possuía condições econômicas e planos de seguir carreira nas ocupações mais valorizadas na sociedade, para as quais  o diploma universitário poderia ser  fundamental. As elites de pequenas localidades como São Bernardo enviavam seus filhos para dar continuidade aos estudos primários em centros urbanos mais desenvolvidos. Foi o caso de Armando Ítalo Setti, filho de um dos pioneiros da industrialização em São Bernardo, que, na década de 1910, freqüentou o conceituado Ginásio São Bento, na capital paulista, o qual, aproximadamente na mesma época, formou alguns dos mais influentes intelectuais brasileiros do século XX, como Sérgio Buarque de Holanda, e Oswald de Andrade (5). Para a elite local, em 1938,  surgiu a opção do Ginásio Santo André, mais próximo, onde estudou Myrths Setti Braga, filha de João Setti, empresário do ramo dos transportes em São Bernardo. Foi ainda parcialmente dentro deste contexto que, em 1957,  apareceu  o pedido, feito pela Agremiação Cultural Estudantina de São Bernardo ao prefeito Aldino Pinotti, para que  intercedesse junto às autoridades competentes - no governo do estado - para a instalação dos cursos colegiais   clássico e científico no município (6) . A Agremiação era  presidida por Nelson Corazza, filho de Manoel Corazza, um dos principais  industriais moveleiros do município,  e o pedido se relaciona ao surgimento das primeiras turmas de formandos nos ginásios locais. Por outro lado, a solicitação também está ligada às possibilidades abertas pela democratização geral da sociedade, onde as realizações na área da  educação eram amplamente divulgadas na imprensa local como resultado da ação de políticos que, dessa maneira,  pretendiam conquistar  a simpatia da população - que  ansiava por progresso social - e o capital eleitoral correspondente.   

O anseio da Agremiação  Estudantina foi atendido em 1959, com a  implantação do curso científico no Colégio e Escola Normal João Ramalho - depois denominado Instituto de Educação. Escola pública surgida em 1952, o João Ramalho era então o melhor  ginásio – freqüentado por filhos de industriais e  comerciantes,  e seria  por muitos anos o mais importante colegial  da cidade (7). Dessa maneira, o equivalente ao atual ensino médio foi implantado pela primeira vez em São Bernardo do Campo.   No entanto, a popularização do mesmo  só aconteceria entre 1966 e 1975, com a criação de cursos colegiais em diversos  bairros do município, em especial nos  que então  apresentavam maior densidade e  crescimento populacional.

Em  1966,  no Bairro  Rudge Ramos, no mesmo espaço onde já funcionava o Grupo Escolar Professor Francisco Antunes e hoje está a EMEB Vital Brasil,  foi instalado o Colégio Estadual Lauro  Gomes de Almeida - conhecido pela sigla “C.E.L.G.A.” (8). Foi o segundo estabelecimento de  ensino médio a funcionar na cidade. Em 1970, a escola foi transferido para sua sede própria, na rua General Craveiro  Lopes, onde se encontra até hoje. Esta escola foi também, por décadas, uma daquelas que abrigavam a maior quantidade de alunos no colegial,  oferecendo entre 700 e 1000 vagas.

No populoso Bairro  Baeta Neves, onde já funcionava um ginásio, foi instalado, no início de 1969, o Colégio Estadual Dr. José Fornari. Para o funcionamento das duas escolas,  poucos meses antes, foi inaugurado um prédio construído pela prefeitura e projetado pelos  funcionários de seu departamento de obras, os arquitetos Jorge Bonfim e Toru Kanazawa, os mesmos responsáveis pelo Paço Municipal. Situado na  Rua Aparecida, o  edifício abriga o ensino médio até os dia de hoje (9).

Entre 1970 e 1975, foram criados mais 10 estabelecimentos de ensino médio público  não profissionalizante: no Bairro Planalto, em 1970, o Colégio Estadual Francisco Prestes Maia, situado até hoje na Avenida Álvares Guimarães; na Paulicéia, na Rua Francisco Alves, o Colégio Estadual Fausto Figueira de Melo, em 1971; no Rudge Ramos, na rua Angela Thomé, a escola que hoje é denominada Profª Cynira Pires dos Santos, e , na rua Itaúna, o estabelecimento hoje conhecido como Amadeu Olivério; no Bairro Assunção, o atual E.E. Robert Kennedy, que na época funcionava na Rua Santa Terezinha e poucos anos depois foi transferido para a Rua Nilo Peçanha, onde hoje se encontra; no Distrito do Riacho Grande, o atual E.E Antonio Caputo, que passou por vários endereços até se fixar em sua sede atual;   no Nova Petrópolis, na Rua Princesa Francisca Carolina, o Maurício Antunes Ferraz; no Taboão,  o E. E. Jorge Rahme, que foi transferido do nº 4036 para o nº 2055 da Avenida Taboão por volta de 1982 ; o E.E.  Maria Luiza Ferrari Cícero, na Vila Euclides,  e o E. E. Wallace Cockrane Simonsen, no Jardim do Mar (10).

Dessa maneira, em 1975,  a rede do ensino médio em São Bernardo chegava a 13 escolas e 3733 alunos atendidos, sendo que 75% deles estudavam nos cinco estabelecimentos mais antigos - João Ramalho, C.E.L.G.A,  José Fornari ,  Prestes Maia e Fausto Figueira - uma vez que os mais novos contavam ainda com pouquíssimas turmas (11). A expansão do ensino médio durante as décadas de 60 e 70 seguiu, em geral  com alguns anos de atraso, a expansão dos ginásios e reflete o intenso crescimento  demográfico e urbano  pelo qual o município passou no período. Reflete ainda o movimento geral de popularização  da educação no país,  e   uma conjuntura política em que - mesmo durante a ditadura - as eleições municipais continuavam a ocorrer,  em um contexto em que  as realizações na área da educação estavam entre os principais itens da propaganda política e institucional. O ensino médio era  atraente para a crescente parcela das famílias que tinham condições de mandar adolescentes para a escola, para que se qualificassem para as  oportunidades de emprego que se multiplicavam em diversos setores devido ao progresso econômico geral da cidade, puxado pela  expansão da industria automotiva.

Embora  a  administração, o pagamento dos funcionários, e, geralmente, a construção das escolas de ensino médio ficassem a cargo do governo estadual, a prefeitura municipal também teve um papel importante no surgimento e desenvolvimento destes estabelecimentos.  Atuou na manutenção física dos espaços, na doação de terrenos,  e, em alguns casos,  até mesmo  na construção dos  prédios, como, por exemplo, as sedes atuais do E. E João Ramalho (1963) - um projeto do renomado arquiteto espanhol Jon Maitrejean, do Dr, Fornari e do  C.E.L.G.A (1970). 

Em 1993, a população da cidade havia ultrapassado  600 mil habitantes, o triplo do número de 1970 e talvez um pouco menos que o dobro do montante  de 1975. No mesmo período, os dados da expansão do ensino médio mostram um avanço ainda mais rápido. Existiam então 40 escolas públicas oferecendo o ensino médio não profissionalizante, as quais atendiam 18265 alunos. Em geral, as escolas que  abrigavam mais alunos no setor eram as criadas até 1975,  com  o João Ramalho, o C.E.L.G.A e o Wallace Simonsen liderando a oferta de vagas .  Quanto às novas escolas, a expansão seguiu, à grosso modo,  a direção do crescimento da cidade, indo dos bairros mais centrais e urbanizados para os mais periféricos e de urbanização mais recente, de maneira que, neste período,  receberam suas primeiras classes de ensino médio os seguintes bairros: Independência (atuais EMEBs Trovão e Pedra de Carvalho), Batistini (E.E. José Gonçalves Andrade Figueira), Alvarenga (E.E. Domingos Peixoto da Silva), Casa (E.E. Omar Daibert e E.E. Mario Franciscon, Tatetos (Omar Donato Bassani), Finco (E.E. José Jorge do Amaral), Jordanópolis (E.E Antonio Nascimento),  Alves Dias (E.E Maria Osório Teixeira) , Anchieta (E.E. 20 de agosto),  Santa Terezinha (E.E. Aldino Pinotti e  E.E. Carlos Pezzolo), Demarchi (E.E. Santa Dalmolin  e E.E.  Adail Luiz Miller) e Ferrazópolis (Luiza Collaço Queiroz Fonseca) (12).  

 

Três berços do ensino médio em São Bernardo do Campo, no início da década de 1970: Instituto de Educação João Ramalho (acima),

Colégio Estadual Lauro Gomes de Almeida (ao meio), Colégio Estadual Francisco Prestes Maia (abaixo).   

 

 

Notas: 

(1) - O objetivo deste texto é tratar do ensino médio público e não profissionalizante. O ensino técnico de nível médio, no qual se insere a importantíssima história da ETEC Lauro Gomes,  será tema de publicação futura, assim como o ensino particular.  
(2) - Cf. BRASIL. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 
(3) - Cf. BRASIL. Decreto Lei nº  4.244, de 9 de Abril  de 1942. Lei Orgânica do Ensino Secundário.
(4) - Em 1971,  a  Lei 5692, que fixava as diretrizes e base da educação nacional,  agrupou o curso primário e o ginásio no mesmo ciclo educacional, doravante considerado como o primeiro grau de ensino, de modo que as escolas que ofereciam  apenas primário e  ginásio,   passaram a ser denominadas Escolas Estaduais de Primeiro Grau. O colegial, sem as distinções de acadêmico e científico, passou  a ser considerado como o segundo grau de ensino, sendo que a instituições que o ofereciam passaram a ser denominadas Escolas Estaduais de Segundo Grau (EESG) ou Escolas Estaduais de Primeiro e Segundo Grau (EEPSG).   
(5) - Cf. Caldeira, João Netto. Álbum de São Bernardo. São Paulo: Organizações Cruzeiro do Sul, 1937.p. 133. 
(6) - Cf. Agremiação Cultural  Estudantina de São Bernardo.  Carta ao prefeito Aldino Pinotti. 23/9/1957. 
(7) - Cf. Jornal “A Vanguarda”. 9/1/1960. p.7.
( 8 ) - Cf. Diário Oficial do Estado de São Paulo.  05/03/1966. Caderno Executivo. p.23 ; Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. 
(9) - Cf. Jornal “Folha de São Bernardo”. 10/11/1968. p.3. 
(10) - Cf. Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Secretaria de Planjamento e Economia. Plano de Desenvolvimento Integrado do Município – PDIM . Tomo 2 . Volume 7.  p.130-138;
(11) - Cf. Ibidem. p. 37-39.
(12) - Cf. Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Secretaria de Planjamento e Economia. Departamento de Estatística. Relatório da Educação. 1993. p. 4-34.  

 

 

Pesquisa, texto e acervo: Centro de Memória de São Bernardo

Alameda Glória, 197, Centro

Telefone: 4125-5577

E-mail: memoria.cultura@saobernardo.sp.gov.br

 

Veja esta e outras histórias da cidade no portal da Cultura:

https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/tbt-da-cultura