Nas primeiras décadas do  século XX, tempo em que não havia nem  a Via Anchieta, nem a Imigrantes,  a Rua Marechal Deodoro, como parte da velha estrada de Santos,  foi  passagem obrigatória  para quem quisesse se dirigir de São Paulo ao litoral e vice-versa sem fazer  uso da linha ferroviária Santos-Jundiaí. Nessa época,  os estabelecimentos comerciais nela existentes não se voltavam apenas ao atendimento das demandas da pequena população local, mas também para atender aos viajantes que circulavam pela via. 

Neste contexto, o grande incentivo ao  aumento no tráfego, especialmente o de veículos motorizados,   se deu com a reforma na estrada feita entre 1913-1918  por Arthur Rudge Ramos, que voltou a deixar o caminho inteiramente transitável após anos sem a devida manutenção (1). Não por acaso, após esta reforma, tanto na Marechal quanto em todo o trajeto da estrada, surgiriam bombas de gasolinas e restaurantes voltado à essa nova clientela  representada pelos abastados pioneiros donos dos automóveis, que podiam agora realizar a viagem com menor risco de se afundar em algum atoleiro, frequentes na rota até então. Entre os restaurantes que surgiram no trajeto alguns ficaram muito famosos como o de João Cavinato (João da Ponte), na altura da antiga ponte do Rio Grande;  o dos Quaglia, na altura do bairro Capelinha (célebre pelo brutal crime sofrido pelos proprietários); e, no final da Marechal, o mais longevo deles, o Recreio Magnólia. Este surgiu  a partir de iniciativa do casal Aristides e Zelinda Zanella, imigrantes italianos oriundo da província de Mantova, que chegaram ao Brasil em 1897 (2).  Em São Bernardo  eles foram morar a princípio justamente na altura  do n. 2316, mesmo local onde se situaria o restaurante.  De início,  Aristides trabalhou como lenhador e carvoeiro, mas por volta de 1909 já tinha instalado na sua propriedade  um armazém de secos e molhados (3). Aos poucos,  os negócios foram expandindo: em 1913,  ele já vendia também cigarros, fósforos, doces, mantinha um pasto de aluguel para os cavaleiros e carroceiros e  fazia funcionar ali o que os antigos livros de registros de impostos chamavam de “jogo de bolas” (provavelmente  bocha) (4).  No ano de 1921 (5), os Zanella deram início ao restaurante, que foi  batizado de Recreio Magnólia em referência a enorme árvore situada em frente ao estabelecimento, que ficaria  tão afamada quanto o restaurante. 

Ao longo de suas cerca de três décadas de existência, o Magnólia marcaria época na cidade, se tornando uma referência  para  os que lhe foram contemporâneos. O  antigo morador Arnaldo Stahlschmidt, por exemplo, assim o descreveu em depoimento dado em  1978 (6):

“Havia aqui em outros tempo um restaurante com o nome de Magnólia,  (...), ponto de atração para os paulistanos que vinham aqui com suas motos e suas esposas, paravam debaixo dessa grande árvore que fazia uma enorme sombra, aqui eles tomavam os seus refrigerantes e outras bebidas, havia à tarde aos domingos o baile tocado com uma orquestra composto com instrumentos de banda, lindas músicas, valsa, polca, xotes, mazurca, tudo era muito lindo. Havia também jogo de bocha, tiro no galo a duzentos reis e quatrocentos réis, aquele que o matasse levava para sua casa e comia com uma boa polenta.”

Para atrair essa clientela dos viajantes  da Capital, o restaurante chegou a publicar, em 1929, anúncio no jornal paulistano “A Gazeta” (7). Por ele, nota-se que o estabelecimento era um dos poucos que tinha telefone já naquele tempo, mostrando  a importância que o local  já tinha naquele momento. Por outro anúncio, publicado quase dez  anos depois no jornal “O Imparcial” (que circulava na área do atual ABC),  sabemos que  o Magnólia funcionava dia e noite, e que seu salão chegou a ter capacidade para 200 pessoas.  Afirmava ter uma cozinha de “primeira ordem”, com itens nacionais e importados (8).

Outras notas publicadas em jornais indicam que moradores mais abastados e pessoas da classe política da região costumavam  realizar nele  celebrações:  é o caso  da festa de  casamento entre o empresário António Monteiro Pedroso e  Ida Sereja (filho do comerciante de Santo André, Marcos Sereja), em 1931 (9); e do jantar em homenagem  ao delegado Joaquim Marcondes Filho, em 1939, que contou com a presença de importantes figuras, como  o  prefeito nomeado Décio Leite,  o ex-prefeito Coronel Saladino Cardoso Franco e empresários como Pery Ronchetti (10) e Nicolau Perrella. No cardápio deste jantar: robalo ao molho de camarão e filé mignon grisette.

O restaurante seria administrado por várias pessoas ao longo dos anos: em 1925 quem tocava o negócio era o bolonhês Calisto Trombetti, cujo nome foi registrado  na fachada do estabelecimento (como vemos na foto que acompanha o texto); em 1929, Giovanni Baravelli, genro de Aristides Zanella, era um dos administradores; por volta de 1945, Angelo Battistin e Maria Camolesi; em  1948, Eduardo Cruz; em 1950, João Zelizi (11). Apesar de todas essas mudanças de gerência, o que mais impactaria negativamente  a vida do restaurante foi a inauguração da Via Anchieta (1947), que fez desaparecer o trânsito dos viajantes que circulavam entre o litoral e a capital. Assim o restaurante chegaria ao fim no começo da década de 1950,  poucos antes da famosa árvore que lhe deu o nome ser derrubada (o que ocorreu em 1959).

 

O bucólico  Restaurante Recreio Magnólia em 1925.

 

Notas: 

1. Ramos, A. Rudge. Relatório dos trabalhos feitos na Estrada do Vergueiro (1920). PMSBC, 1967. 

2. Orsi, Itamir e PAIVA, Eddy C. Famílias Ilustres e Tradicionais de São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo, Edições Memória Nacional, 1994. v. 2. 

3. Livro do Imposto de Indústrias e Profissões de São Bernardo, 1909.

4. idem, 1913.

5. idem, 1921.

6. Depoimento dado por Arnaldo Joaquim Stahlschmidt em 20-7-1978 à antiga Sala São Bernardo - atual Centro de Memória de SBC.

7. A Gazeta, 14-11-1929.

8. O Imparcial, 09-07-1939.

9. A Gazeta. 14-04-1931.

10. O Imparcial 25-03-1939, 01-04-1939

11. Livro do Imposto de Indústrias e Profissões de São Bernardo, 1929-30;  Diário Oficial do Estado de São Paulo, 08-11-1949; Correio do Povo 16-05-1948 

 

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