Durante o período imperial, o cargo público de maior importância na Freguesia de São Bernardo, ao menos até o surgimento da figura do sub-delegado, em 1842, foi o de Juiz de Paz. A Constituição do Império, em 1824, previa a criação desta autoridade, para que atuasse na tentativa de conciliação que deveria existir antes do início de todos os processos judiciais (1). Posteriormente, em 1827, surgiria a lei que regulamentava e efetivamente criava a função. De acordo com ela, cada Freguesia teria um Juiz de Paz, eleito pelos cidadãos da localidade que estivessem qualificados para votar nas eleições para vereadores, os quais eram, basicamente, os brasileiros, livres, do sexo masculino, maiores de 25 anos e com renda superior a 100$000 anuais – um valor baixo, atingido pela maioria da população livre (2). Além da conciliação, entre suas diversas atribuições estavam: julgar pequenas demandas; fazer separar os ajuntamentos em que existe risco de desordem; fazer destruir os quilombos e providenciar a que se não formem; sendo indicado um delinqüente, interrogá-lo e eventualmente efetuar sua prisão; ter uma relação dos criminosos para fazer prender quando se acharem no seu distrito; vigiar sobre a conservação das matas e florestas públicas e obstar nas particulares ao corte de madeiras reservadas por lei; dividir o distrito em quarteirões, que não conterão mais de 25 fogos, e nomear para cada um deles um oficial, que o avise de todos os acontecimentos, e execute suas ordens (3).
Foi sob a vigência desta lei que o Alferes Francisco Martins Bonilha, o primeiro Juiz de Paz da Freguesia de S. Bernardo, foi eleito em 22 de março de 1828. Tropeiro, fazendeiro, e ex-inspetor da Estrada de Santos, Bonilha exerceu o cargo continuamente até 14 de janeiro 1833, e posteriormente, em 1838, 1841, 1842, 1845, 1849, 1854, 1856, 1859 (4) . Os jornais paulistanos da época registraram algumas das atividades – de natureza policial - do Alferes durante exercício do cargo: em junho de 1830, prendeu um escravo e o enviou à cadeia da Câmara de São Paulo, pedindo ao seu dono o pagamento das despesas feitas (5); no mês seguinte, o Juiz Bonilha informa ao governo provincial a passagem por São Bernardo de cerca de 30 escravos fugidos da Vila de Bragança, e em seguida recebe ordem para prende-los. O conflito leva à morte de 3 escravos e à prisão dos demais, que são enviados para a cadeia em São Paulo (6); em dezembro do ano seguinte o Alferes enviou às autoridades paulistanas duas pessoas que passavam pela Estrada do Mar – atual Rua Marechal Deodoro - trazendo sob custódia - e sem documentos – dois ingleses acusados de deserção (7).
Em novembro de 1832, a lei que criou o código do processo criminal manteve as principais atribuições do juiz de paz, além de criar algumas novas funções, como a de “tomar conhecimento das pessoas, que de novo vierem habitar no seu Distrito, sendo desconhecidas, ou suspeitas” (8) . Em 1833, sob essa nova legislação, o Alferes Manoel Joaquim Ribeiro assumiu o Juizado em São Bernardo (9). Em 1835, quando o Capitão João José de Oliveira, dono de extensas terras na região do atual bairro do Nova Petrópolis, era Juiz de Paz, a imprensa paulista mais uma vez produziu registros das atividades desta autoridade em São Bernardo. Em agosto, uma notícia relatou uma ordem do vice-presidente da para que o Juiz de São Bernardo tratasse com um sitiante – Antônio de Moraes - que se recusava a ceder madeira de suas terras para a construção de uma ponte na Estrada do Mar (10). Em setembro, foi publicada outra ordem do vice-presidente, para que o Juiz de Paz informasse aos habitantes da frequesia, por meio dos inspetores de quarteirão, que eles deveriam ir à cidade de São Paulo, para serem vacinados (11). No ano seguinte, ao mesmo Capitão João José foi ordenado que recebesse o novo inspetor da Estrada de Santos, entregasse-lhe os objetos usados na manutenção da mesma e lhe prestasse assistência, em especial, na reconstrução da Ponte dos Meninos – atual Rudge Ramos – a qual estava “ameaçando ruína, em prejuízo do comércio” (12). Pouco tempo depois, também em 1836, o Juiz de Paz da Freguesia de S. Bernardo novamente recebeu ordens para prender escravos fugidos. Desta vez tratava-se de um casal escravo do Mosteiro de S.Bento, que há sete anos se encontrava na própria fazenda dos monges em São Bernardo(13). Outra atribuição do Juiz de Paz bernardense que está registrada nos jornais é a ativdade de organizar localmente grupos de jurados, de policiais e da guarda nacional, remetendo ao governo provincial listas com informações das pessoas aptas a exercerem a função (14).
Em 3 de dezembro de 1841, A lei nº261, revisou o código processual criminal brasileiro, retirando grande parte das atribuições dos Juizes de Paz, sendo especialmente importantes aquelas de natureza policial, as quais foram repassadas, no caso das Freguesias, à figura do Ssub-delegado. Ao contrário do Juiz de Paz, o Sub-delegado não era eleito, e sim nomeado por autoridades do governo provincial. Apesar das diferentes maneiras de acesso aos cargos, na Freguesia de São Bernardo, a maior parte dos cidadãos que foram Juízes de Paz - geralmente grandes proprietários de terras na região , exerceram também, em algum momento, o cargo de sub-delegados.
Além do Alferes Bonilha, ocuparam o cargo diversas vezes, durante período imperial, as seguintes pessoas: Capitão João José de Oliveira ( 1835, 1840 e 1843), Capitão João José Barbosa Ortiz ( 1846, 1850,1851, 1853, 1858, 1862 e 1865) e João Antônio de Camargo ( 1855, 1860, 1863, 1868). José Luiz Fláquer, o futuro deputado e senador, político mais importante da região durante a República Velha ocupou o cargo em 1880.
Ofício redigido pelo Juiz de Paz Joaquim Lopes da Silva, relatando a realização de eleições na Freguesia ao Presidente da Província de São Paulo. Organizar eleições era outra das funções dos Juízes de Paz. Acervo: Arquivo do Estado de São Paulo.
Notas:
(1) - BRASIL. Constituição (1824). Artigos 161 e 162.
(2) - SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloísa M. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.Capítulo 9 p.394.
(3) - Coleção de Leis do Império do Brasil - 1827, Página 71 Vol. 1 pt. I. LEI DE 15 DE OUTUBRO DE 1827. Acessível em https://www.camara.leg.br/.
(4) - Santos, Wanderlei dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista – 1550-1892. São Bernardo do Campo, PMSBC, 1992. p. 193.
(5) - Cf. Jornal Farol Paulistano, 19/6/1830, p.4.
(6) - Cf. Jornal Farol Paulistano, 21/7/1830, p.1; 24/8/1830, p.4
(7) - Cf. Jornal Novo Farol Paulistano, 21/7/1830, p.1.
(8) - Cf . Lei de 29 de Novembro de 1832. Artigo 12. Nesta época já estava em vigor a lei de 5 de julho de 1831, que dava ao presidente provincial o poder de suspender o Juiz de Paz em caso de abuso de autoridade ou de negligência no cumprimento de suas funções. Nestas circunstâncias, o Juiz de Paz ficava também passível de responder criminalmente por sua falhas.
(9) - Cf. Santos, Wanderlei dos. Idem.
(10) - Cf. Jornal O Paulista Oficial, 22/8/1835, p. 2.
(11) - Cf Jornal O Paulista Oficial, 27/9/1835, p. 3.
(12) - Cf. Jornal O Paulista Oficial, 13/1/1833, p. 1.
(13) - Cf. Jornal O Paulista Oficial, 16/7/1833, p. 7.
(14) - Cf. Jornal O Paulista Oficial, 3/11/1836, p. 4; 22/3/1836, p.4 ; 16/1/1837 p.4.
(15) - Cf. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1841, Página 101 Vol. pt I. Lei nº261, de 3 de dezembro de 1841. Acessível em https://www.camara.leg.br/.
(16) - Cf. Santos, Wanderlei dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista – 1550-1892. São Bernardo do Campo, PMSBC, 1992. ps. 193 e 194.
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