Uma das mais conhecidas e poderosas figuras da região de São Bernardo no Séc. XIX, o nome de Francisco Martins Bonilha permaneceu no imaginário coletivo mesmo muitos anos após sua morte, em 1871. Sua alcunha continuou pesando tanto que o casarão onde viveu, mesmo tendo ali funcionado posteriormente a sede da Intendência, o Grupo Escolar, a cadeia e o correio, continuou sendo chamado por muitos simplesmente como o “Casarão do Bonilha”. O tamanho do sobrado, por muito tempo sem concorrentes locais, sugestionou na mente das gerações que conviveram com a edificação a medida do poder de seu primeiro morador, ainda que nunca tenham visto o Alferes na vida. O sobrado foi demolido em 1952, dando lugar em seguida à Praça Lauro Gomes, mas ainda hoje dois topônimos locais levam o nome de Bonilha – a rua no Centro e o famoso pico no Montanhão, ponto mais alto da cidade, em terras que um dia lhe pertenceram.
Nascido em 1782 na Vila de Porto Feliz, interior paulista, Bonilha era oriundo de abastada família de fazendeiros que havia se estabelecido há pelo menos duas gerações naquela região. Foi até onde se sabe o único entre os seus cinco irmãos que deixou-a, tendo se transferido para São Bernardo provavelmente antes de 1810, quando já trabalhava na função de Inspetor da Estrada de Santos, ocupação que lhe valeu o título de Alferes, concedido ainda no governo provincial do General Franca e Horta (1802-1808) (1). Os laços políticos de Bonilha, herdados de sua família, o levaram a assumir diversas funções públicas em São Bernardo. Em 1828 foi eleito como primeiro juiz de paz da então freguesia, na época o principal cargo administrativo local, função que ele exerceria em outros sete mandatos. Além disso, foi fabriqueiro da paróquia, inspetor de ensino e suplente de deputado provincial (2).
Ao longo do tempo, Bonilha expandiu seu patrimônio, adquirindo mais terras e escravos enquanto alternava suas atividades econômicas: na década de 1820, vivia do aluguel de animais para o transporte de cargas, atividade então em expansão na região devido ao crescimento da exportação paulista de açúcar pelo porto de Santos. Tentou, aparentemente sem muito êxito, plantar café em suas terras e depois, em sociedade com seu genro, o Conselheiro Manoel Dias de Toledo, passou a fabricar chá (3). Se tornou o maior produtor local, a ponto de chamar a atenção do Imperador Dom Pedro II, que o visitou em 1846 – uma mostra de prestígio junto aos homens da elite do império, que tinham seu casarão na beira da Estrada de Santos como parada quase obrigatória quando por ali transitavam. Aproximadamente nessa época as terras sob seu domínio na região do ABC abrangiam além da área do casarão e arredores, também um sítio na paragem do Zanzalá (Riacho Grande), um outro onde hoje é o município de Rio Grande da Serra e ainda outro em terras que hoje fazem parte dos bairros Santa Terezinha, Ferrazópolis e Montanhão, avançando até o território da atual Santo André (4). Além das terras, possuía ainda um dos maiores plantéis de escravos da região, com cerca de 40 cativos ocupados somente em sua fábrica de chá quando esta estava no auge, em 1857. Parte desses homens e mulheres eram trazidos da África de lugares como a Costa da Mina e o Congo, chegando a serem comprados por Bonilha e Dias de Toledo inclusive após a lei de 1831 que proibiu tal tráfico (na prática ele só foi interrompido depois da lei Eusébio de Queiroz, de 1850). Conforme aponta um processo judicial de 1871, cinco desses escravos chegaram a fugir da fazenda de Bonilha e de seu genro e se refugiaram numa chácara no Bairro do Brás. A chácara pertencia à liberta Rosa Mina, pessoa próxima do célebre abolicionista Luiz Gama, que foi um dos advogados que defenderam o direito à liberdade desses escravos, alegando justamente que eles foram comprados de forma ilegal, após a dita lei de 1831 (5). O processo tramitaria anos na justiça sem uma conclusão e os africanos, que estavam sob a guarda de Américo de Campos (outro advogado abolicionista envolvido na ação), aparentemente não voltaram ao domínio dos herdeiros de Bonilha (já falecido àquela altura).
Bonilha casou-se somente aos 52 anos, em 1834, com a viúva Escolástica Jacinta, sua vizinha. Com ela o alferes já havia tido uma filha ilegítima em 1812, quando Escolástica ainda era esposa de seu primeiro marido, o alfaiate sorocabano Daniel Antonio da Silva, que foi inclusive arrolado como pai da criança no registro de batismo (6). Em 1830, porém, o próprio Bonilha reconheceria legalmente a paternidade desta filha, de nome Isabel, e também de outra mais velha, chamada Maria Ilustrina, nascida provavelmente ainda em Porta Feliz, cujo nome da mãe não é identificado na documentação (7). Embora as duas filhas do Alferes tenham deixado vasta descendência, ninguém da família radicou-se em São Bernardo. Em 1876 o casarão foi adquirido pelo governo imperial, que também comprou parcela de suas terras, instalando nelas em seguida a Linha Colonial São Bernardo Novo.
Nas imagens vemos duas vistas do velho casarão do Bonilha, na altura da atual Praça Lauro Gomes, uma frontal, de 1936 e outra de sua parte traseira, em tomada feita pelo fotógrafo Beltran Asêncio em 1952


NOTAS:
(1) Ribeiro, José Jacinto. Cronologia Paulista, 1899
(2) Santos, Wanderlei dos. Antecedentes Históricos do ABC Paulista. 1992. PMSBC.
(3) Almanaque Administrativo Mercantil e Industrial da Província de São Paulo, 1857.
(4) Registro de Terras de 1854. Arquivo do Estado de SP.
(5) Azevedo, Alciene. Para Inglês Ver. Os Advogados e a Lei de 1831 in: Estudos Afro-Asiáticos, ano 29, 2007.
(6) Livro de Batismos da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem 1813-1836, f2. Arquivo da Cúria Diocesana de Santo André.
(7) Autos de Legitimação - autor: Francisco Martins Bonilha, 1830. Arquivo do Estado de SP.

 

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