De maneira geral, a década que antecedeu a Primeira Guerra Mundial foi de relativa prosperidade econômica no Brasil e especialmente no Estado de São Paulo, principal produtor de café, produto que liderava as exportações brasileiras, atingido bons preços no exterior e exercendo influência positiva no crescimento urbano e industrial da região (1). No antigo município de São Bernardo, cuja economia era ligada, de várias maneiras, à da capital paulista, o grau de urbanização e atividade econômica também aumentava, sobretudo na região do Distrito de Santo André, impulsionado pelas indústrias de grande porte situadas nas proximidades da estação da ferrovia São Paulo Railway, principal ligação entre a grande metrópole e o porto de Santos.  Contudo, distante da ferrovia, a sede do velho município –  que ficava onde está  a região central  da atual  São Bernardo do Campo -  nem sempre experimentava  progressos e quando estes ocorriam eram modestos. Nesta área, de fato, em alguns aspectos, em relação ao crescimento comercial experimentado na década de 1890, houve até mesmo um retrocesso neste período, com o número de estabelecimentos caindo de 45, em 1900, para 33, em 1910, atingindo apenas 34, em 1915.  É certo que alguns comerciantes se mudaram da sede para o bairro da estação, mais próspero, neste último  intervalo de tempo.  Enquanto a economia das áreas rurais situadas na região do atual Riacho Grande se apoiava no processamento de madeira extraída das matas locais em diversas serrarias, a região central da sede teria que esperar pela reforma da antiga estrada do Vergueiro, iniciada em 1913, para que melhores condições de progresso surgissem.  Contudo, as sementes do futuro econômico da localidade foram plantadas ainda neste período, com a fundação da primeira fábrica de móveis (1910), por João Basso, e da primeira tecelagem (1911), por Ítalo Setti.

      Cercada por vastas áreas rurais remanescentes do antigo núcleo colonial, que ainda abrigavam a maior parte da população local, a Rua Marechal Deodoro concentrava a grande maioria do setor terciário local, além de muitas moradias. Através dos registros de impostos pagos à prefeitura municipal é possível pensar como seria um passeio pela principal rua da cidade na época.  No ano de 1913, por exemplo, ao iniciar o trajeto, na atual esquina da Rua dos Viannas com a Marechal Deodoro, encontraríamos o armazém de Samuel Sabatini, onde se poderia  adquirir, além dos tradicionais secos e molhados, tamancos, fósforos, cigarros,  ferragens e louças. Antes de cruzarmos  a atual esquina da Avenida Prestes Maia, poderíamos observar algumas  propriedades relacionadas a pessoas cuja presença na região antecede à grande  imigração européia do último quartel do século XIX, como José da Silva Madeira, ou membros das  famílias Vianna, Beber, Pedroso,  Barros e  Ribeiro.  Contudo, mesmo neste trecho as famílias italianas já predominavam, especialmente nos ramos do comércio e da prestação de serviços: Hermínio Gerbeli, Antônio Corazza e Eugênio Meucci mantiveram armazéns de secos e molhados nesta área no lado leste da rua; os irmãos Manoel e Angelo Miele, carpinteiros,  já estavam estabelecidos nas proximidades de atual Praça Santa Filomena, no local onde, poucos  anos depois, fundariam sua tradicional fábrica de móveis;  Giuseppe  Artioli, alfaite, há cerca de 20 anos estava estabelecido na esquina da atual rua Teresa Cristina, local onde permaneceria pelo menos até a década de 1920;  Ao lado de Artioli, onde hoje passa a  rua citada,   vivia o sapateiro Antônio Toninato,  desde a década de 1890.   Seguindo pelo quarteirão situado entre as atuais Av. Prestes Maia e Rua Rio Branco, poderíamos ver - na altura da atual Rua São Savino - as antigas casas da família Almeida, incluindo a sede do primeiro cartório da região do ABC, pertencente a Manoel Eduardo de Almeida, e, também, já na esquina da Rua Rio Branco, o tradicional armazém de secos e molhados dos Ritucci, e a velha loja de fazendas e armarinho de Luiz Miel, sendo que todos estes foram estabelecimentos que existiram no local por várias décadas.

       Em seguida começava o trecho mais densamente ocupado da Marechal Deodoro, que se estendia  do Largo da Matriz  até a altura da Rua Newton Prado, aproximadamente. Logo defronte à Capela Nossa Senhora da Boa Viagem – que permanece até hoje com o mesmo aspecto daquele ano – encontraríamos várias propriedades que Ítalo Setti e Luiz Bruno haviam adquirido de Giuseppe Dal Zotto, por volta do ano de 1893, as quais estavam ocupadas por diversos estabelecimentos comerciais.  No quarteirão seguinte, que se estendia até ao cruzamento com a Rua Dr. Fláquer, apareciam o Açougue de Gerônimo Zania, a padaria de Donato Bassani, a barbearia de Angelo Amiratti,  diversos armazéns de secos e molhados,  e, por fim, a oficina do ferreiro Guilherme Bellinghausen. Depois, avançando, passaríamos pelo antigo casarão do alemão Carlos Prugner, onde hoje está o Edifício Wallace Simonsen e onde o primeiro cinema da cidade funcionou entre 1911 e 1912, e por uma fábrica de cerveja, a indústria mais antiga da cidade, que pertencera a este mesmo imigrante e que, neste que fora seu último ano de funcionamento,  foi transferida a Fernando Schaffer. Logo ao lado dela, podia ser vislumbrado o prédio da Câmara Municipal, que foi tombado em 1986 e existe até os dias de hoje, abrigando a Câmara de Cultura Antonino Assumpção (atual n. 1325).  Seguindo pelo mesmo lado da rua encontraríamos, em seguida: o armazém de secos e molhados de José D’Angelo - ex-vereador; uma propriedade do Coronel João Batista de Oliveira Lima -  que foi   várias vezes presidente da câmara municipal;   a sede da Societá di Muto Socorso Italiani Uniti, que se tornaria um dos  principais espaços  culturais da cidade na primeira metade do século XX; diversos estabelecimentos em pequenos terrenos;  a  fábrica de móveis de João D´ Angelo, inaugurada neste mesmo ano e que, alguns anos depois,  daria origem à grande fábrica de móveis de Antônio Caputo.

      Aproximadamente a partir da altura da atual Praça Lauro Gomes, onde se localizava o antigo casarão do Alferes Bonilha, na época sediando diversas salas de aula do ensino público elementar, o grau de ocupação da rua caia progressivamente, até atingir a área quase despovoada do seu final.   Neste trecho, contudo, existiam alguns estabelecimentos que foram muito duradouros, como a venda de Aristides Zanella – que chegou a abrigar um restaurante posteriormente – e a sapataria de André Benzon.  Também nesta área, apareciam  dois importantíssimos   estabelecimentos industriais:  a grande e pioneira  fábrica de móveis de João Basso,  já quase no final do trajeto, e, antes  dela, ainda na esquina com a Rua Américo Brasiliense,  a fábrica de charutos “A delícia” de Ítalo Setti. A fotografia  que ilustra este texto registra os funcionários desta fábrica, que  então vivia sua última década de existência. Foi produzida em 1912 e registra, ao centro, José Setti, filho de Ítalo, provavelmente à frente da direção da firma nesta época. Entre os funcionários aparecem diversas mulheres e crianças, elementos comuns no operariado da época (2).

 

Notas:

(1)  – Cf. Carone, Edgar. A República Velha – Instituições e Classes Sociais. Difusão Européia do Livro, 1972. ps. 45 e 80; Bello, José Maria. História da República. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. P.227.

(2) – Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto Predial e Viação (1904-1923). p.20-23;

      – Cf. Câmara Municipal de São Bernardo. Procuradoria. Impostos diversos (1893-1899);

      – Cf.  Câmara Municipal de São Bernardo. Imposto de Indústrias e Profissões. 1904-1923.

 

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