Durante ao menos cinco anos, entre 1949 e 1954, São Bernardo do Campo foi a capital do cinema brasileiro. Este período corresponde à fase mais importante de  funcionamento da célebre  Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Instalada no município, a cerca de 800 metros da Via Anchieta, a companhia representou o maior e mais importante empreendimento cinematográfico realizado no Brasil até então, elevando os padrões técnicos e artísticos do cinema brasileiro  a níveis internacionais. O principal líder da empresa foi o engenheiro e ativista cultural italiano Franco Zampari,  responsável também pela criação do importantíssimo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em 1948. O principal associado de  Zampari na iniciativa da Vera Cruz  foi o  poderoso  industrial e mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho,  herdeiro  das  Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, grupo do qual fazia parte a Fiação Lídia – grande fábrica têxtil instalada em São Bernardo em 1946. Matarazzo também era proprietário da Granja São Bernardo, desativada em 1949 e  instalada no terreno que, a partir de dezembro do mesmo ano, abrigaria a Vera Cruz.   

Importando do primeiro mundo equipamentos, técnicos e diretores de excelência,  além de aproveitar diversos talentos nacionais do TBC e de outra origens – Tônia Carrero, Abílio Pereira de Almeida, Alberto Cavalcanti ,etc - a Vera Cruz  conseguiu obter  sucesso de público e crítica, recebendo prêmios importantes no exterior e alcançando grandes bilheterias com alguns filmes.  Porém, a gestão financeira do empreendimento não foi suficientemente bem conduzida. Fazendo contratos de distribuição desvantajosos, a empresa   não  obtinha  retorno econômico adequado  através de seus lançamentos.   Produzindo muito e a custos muito altos, rapidamente se endividou. Em 1954,  as atividades da companhia foram paralisadas e seu controle passado ao Banco do Estado de São Paulo. Foi o fim da fase mais importante da Vera Cruz, mas a empresa não desapareceu e seus grandiosos estúdios, assim como seus sofisticados equipamentos e serviços técnicos   passaram a ser alugados para outras produtoras, sobretudo a Brasil Filmes,  financiada pelo banco credor da Vera Cruz e dirigida por Abílio Pereira de Almeida .   A equipe da Brasil Filmes incluía vários  ex-participantes da Vera Cruz. A nova empresa  produziu sete filmes  nos estúdios de São Bernardo, entre 1955 e 1958, os quais tiveram seus direitos comprados pela Vera Cruz em 1960.  

Ainda em 1955, a  Dordan Filmes e a Telefilmes do Brasil alugaram os estúdios para a produção do musical “Eva no Brasil”,  dirigido pelo francês Pierre Caron e que contou o com trabalho  do renomado cenógrafo  Jean Douarinou, o qual orientou a construção de enormes estruturas, que incluíam uma grande  piscina artificial. Durante as filmagens, um ajudante  foi atingido pela queda acidental de um refletor, necessitando ser hospitalizado. Ainda neste  mesmo ano, os estúdios foram alugados pela produção do filme  norte-americano “Curucu, beast of Amazon” (1).

Em 1963, sob a direção de Amaro César e ainda com  controle acionário do Banco do Estado de S. Paulo, a Vera Cruz foi transformada empresa de economia mista e  voltou a funcionar, geralmente dividindo a produção de filmes com outras companhias. Entre 1964 e 1966  lançou  “Imitando o Sol“ (1964), “Noite Vazia” (1964), “Leve é a Chuva” (1964), “O Homem das Encrencas” (1965), “Grande Sertão –Veredas” (1966), e Corpo Ardente(1966) (2). Entre o  primeiro semestre de 1964 e agosto de 1967, a TV Excelsior  alugou parte  dos estúdios da Vera Cruz para produção de telenovelas. Beneficiando-se das sofisticadas condições técnicas oferecidas pela companhia, novelas como “A Moça que Veio de Longe “  levaram a teledramaturgia brasileira a  novos patamares de audiência (3) 

Uma nova fase na Vera Cruz se inicia em 1968, quando,  após adquirirem o controle acionário da empresa,  os irmãos Walter Hugo e William Khouri assumem sua direção. Ainda em regime de co-produção, surgem, entre 1968 e 1971,  “Verão de Fogo”, “Palácio dos Anjos”,  “Juliana do Amor Perdido”,”Cordélia”, “Pindorama” e “Um Certo Capitão Rodrigo”. 

Em 1972,  o Banco do Estado de São Paulo, ainda o grande credor  da empresa, embargou seu  terreno e  instalações (4). Em 1973, o bancou vendeu o complexo para o grupo empresarial  Mackenzie Hill, que ali pretendia construir um shopping (5) .  Em 1976, com o processo de demolição do local já iniciado, a prefeitura municipal conseguiu negociar uma permuta com outro terreno em São Bernardo, tomando posse do espaço através da empresa de economia mista PROSBC.  A partir desta data, as instalações restantes da Vera Cruz, sobretudo o estúdio principal,  foram alugadas para diversas empresas,  abrigando a organização de feiras, exposições, convenções,  além de eventuais  produções cinematográficas – como a premiada “O Beijo da Mulher Aranha” (1985),   e, também televisivas, se destacando, neste caso, o período entre 1982 e 1987, em que a produtora TVC gravou no local diversos comerciais de marcas importantes. Mesmo sem os estúdios em São Bernardo,  a Companhia  Vera Cruz  continuou existindo como proprietária e administradora do acervo iconográfico e  cinematográfico por ela produzido (6).    

Uma reportagem publicada no jornal “O Estado de São Paulo” apresentou uma descrição das características físicas e técnicas do complexo cinematográfico da Vera Cruz em São Bernardo,  indicando-o  como o maior da América do Sul e o terceiro maior do mundo. Segundo o texto, em uma área de quase 5000m² existiam 5 grandes estúdios - 3 dos quais com características acústicas especiais -  com capacidade para filmar até 4 películas simultâneas. Contava com  departamento de câmaras - com filmadoras Arriflex, Pailard Bollex, Newell e Mitchell; departamento de som,  com estúdio de dublagem, equipamentos para completa sonorização de películas;  departamento de corte e montagem composto de 14 salas exclusivas; mais de um  pavilhão com equipamentos de marcenaria;   8 camarins e laboratório fotográfico (7). 

Alguns moradores da cidade se tornaram funcionários da Vera Cruz, ainda durante seu período áureo (1949-1954).  Os casos de maior destaque são o da tecelã Olga Costenaro - que se empregou na Companhia como ajudante e se tornou uma de suas estrelas  sob o nome artístico de Marisa Prado - e o do futuro prefeito Geraldo Faria Rodrigues, que foi assistente de produção por 4 anos, tendo seu nome mencionado nos créditos de diversos filmes. Por outro lado a Companhia também atraiu moradores à cidade.  Alguns  temporários, como célebre  diretor e produtor  Alberto Cavalcanti.  Outros  acabaram ficando permanentemente, como o cenógrafo Pierino Massenzi e o  adestrador de cães  gaúcho  Jordano Martinelli, que foi contratado em 1950, para o uso de seu cachorro Duque. Até sua morte, em 1990, Martinelli guardou parte do acervo de objetos da Vera Cruz nas chácaras onde residiu em São Bernardo. 

 

Alunas do Ginásio São José pedem autógrafos para o ator Alberto Ruschel, em evento que marcou a estreia do filme O Cangaceiro no Cine São Bernardo. 1953. Os artistas da Vera Cruz atraíam a atenção da população e em algumas ocasiões participaram de eventos promocionais nos cinemas da cidade, como o que aqui ficou registrado.

Acervo: Isa Yara Coradi Carraro.

Notas: 

(1) – Cf. Diário Oficial do Estado de São Paulo.   15/03/1956 - Pág. 25 - Poder Executivo - parte 2 
(2) -  Cf. Nelli, Tércio A. ”Vera Cruz: Patrimônio da Indústria Cinematográfica Brasileira”. Folha de São Bernardo. 20/08/1971. P.53-54. 
(3) – Cf. Amorin, Edgar Ribeiro de. TV Excelsior - Pequeno resgate histórico. Revista D’ Arte. p.56-60.
(4) -  Cf. Jornal “O Estado de São Paulo”.23/08/1972. Cad. Geral. p.7; Correio Metropolitano, 14/4/1973. p.3. 
(5) -  Cf. Jornal “A Tribuna”,  13/11/1973. p.12; O Estado de São Paulo.19/05/1974. p.22; 
(6) – Cf. Martinelli, Sérgio (Org.). Vera Cruz: Imagens e história do cinema brasileiro. São Paulo: Abooks, 2002.p.178.
(7)  - Cf.  Jornal “O Estado de São Paulo”. 23/08/1972. Cad. Geral. p.7

 

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