Em 1928, Henry Ford, empresário dono da Ford e organizador de um modo de produção que foi batizado com o seu nome, o "fordismo", pensou em montar uma fábrica na Amazônia e criar a cidade "Fordlândia", no Pará. Um de seus intuitos era o de organizar a plantação e o cultivo de seringueiras para controlar a produção de borracha para seus automóveis. Contudo, ao plantar seringueiras muito próximas umas das outras, ele favoreceu o surgimento de parasitas, que causaram a morte de trabalhadores. BIBLIOTECA PÚBLICA LUGAR DE CONHECIMENTOS - CIÊNCIAS ENTRE OS POVOS ORIGINÁRIOS BRASILEIROS PARTE 1

"O cara era um gênio do capitalismo industrial, mas foi totalmente derrotado ao achar que poderia levar o conhecimento para outro lugar. A Amazônia tem uma lógica própria e é entendida pelos indígenas. Hoje, é consenso que nós, cientistas, sabemos que eles é que têm o que nos ensinar", diz Ruben Oliver, professor da UFRGS e diretor na Academia Brasileira de Ciências.

Em dezembro do ano passado, o líder yanomami, Davi Kopenawa, foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A instituição, criada em 1916 e que tem Albert Einstein como um de seus membros honorários, indicou a liderança indígena por unanimidade, justificando que Davi e os indígenas detêm saberes teóricos e empíricos que possuem a mesma eficácia que a Ciência tradicional.

E daí, tiramos a pergunta que nos motivou a falar um pouco sobre este tema: Ciência tradicional para quem, cara pálida?

A brincadeira com o termo que designa o dito homem branco é apenas para reforçar que não é porque não conhecemos algo que esse algo não existe. A Ciência ocidental é uma Ciência entre outras tantas, como a oriental, a dos árabes e também a dos indígenas. Inclusive, se considerarmos que os grandes avanços científicos e tecnológicos europeus entre os séculos XIV e XVIII foram produtos do intercâmbio com outras culturas, concluiremos que a Ciência tradicional, no sentido forte do termo, é uma Ciência mestiça. E é sobre isso que vamos conversar um pouco ao longo dos próximos três textos a serem publicados: a Ciência, a educação e o trabalho entre as sociedades indígenas brasileiras.

Hoje ninguém questiona a sabedoria indígena sobre os usos farmacêuticos das plantas, por exemplo. Há empresas farmacêuticas do mundo inteiro que sonham com o acesso livre à biodiversidade brasileira como forma de sintetizar compostos a partir do conhecimento científico das sociedades indígenas.

À organização dos conhecimentos teóricos e práticos das sociedades demos o nome de Etnociências, sim, no plural, porque além de diversas áreas, cada sociedade indígena possui sua forma de organização desses conhecimentos. Daí, podemos concluir que as Ciências dos nossos povos originários está baseada no respeito ao princípio da diversidade de práticas e saberes, ao contrário de tentar unificar e estabelecer uma verdade única a partir de um único ponto de vista.

E isso está longe de se estabelecer um relativismo que aceita qualquer coisa sem fundamento, que pode degenerar para posturas negacionistas, como vemos tanto hoje. Importa sim saber se tal prática funciona, não importando diferenças metodológicas. Temos tanto a aprender... Os primeiros portugueses chegados no novo território descobriram isso rapidamente.

Aqui cabe uma afirmação categórica, um fato científico: não existiria o sucesso da empresa colonial europeia nas Américas se não houvesse o aprendizado das Ciências indígenas por parte dos colonizadores.

“(...). Técnicas e estratégias complexas, transmitidas pelos nativos aos paulistas, viabilizaram as sistemáticas expedições pelo sertão - bandeiras, monções e levas de povoadores para as fronteiras - capazes de enfrentar florestas tropicais, descampados, serras íngremes, rios encachoeirados e terrenos pantanosos. Nessas empresas coloniais, as contribuições dos grupos nativos foram imprescindíveis no que se refere a fornecer informações detalhadas não só sobre a topografia e a geografia, bem como outros conhecimentos, necessários à elaboração de mapas, esboços, técnicas de representação e orientação nos caminhos terrestres e fluviais do sertão. Esses conhecimentos integravam a "cartografia indígena", isto é, um acervo de informações espaciais, construído pela memória e enraizado, principalmente, nos sentidos. Seguindo os passos do antropólogo Claude Lévi-Strauss, pode-se dizer que a cartografia indígena inscreve-se numa "ciência do concreto", baseada em modos de observação e de reflexão a partir da "organização e da exploração especulativa do mundo sensível, em termos de sensível (...).” (Gloria Kok, filósofa formada na USP, com Pós-Doutorado em Antropologia pela UNICAMP).

Daí, podemos fazer uma pergunta estimulante: o que seria a São Paulo de hoje e, consequentemente o que seria do Brasil, se os bandeirantes não tivessem se indianizado para aprender a sobreviver e desbravar os sertões? Dessa forma, isso nos obriga a pensar então sobre o que aprendemos com as Ciências deles e como as usamos para sua escravização e colonização e, ainda hoje, ainda hoje, muitos os consideram povos com culturas primitivas.

Outro elemento fundamental nos é passado como oportunidade de reflexão e mudança de práticas: a Ciência, tanto teórica como prática, que respeita as vivências e costumes de cada formação social, leva em consideração o respeito às diferenças e diversidade. Um exemplo nos salta aos olhos: a epidemia de COVID-19 entre nossos povos originários e como eles podem ser diferentemente afetados.

Assim encerramos a primeira parte, com um gancho para a segunda: como se dão as teorias e práticas de transmissão desses conhecimentos entre as sociedades indígenas? Como são seus sistemas de educação e sob quais visões de mundo elas estão amparadas?

Continue nos seguindo por esses caminhos, que poderemos ampliar nossas fronteiras de conhecimentos.

Sobre o cientista Davi Kopenawa:
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/12/18/lider-indigena-e-escolhido-para-academia-de-ciencia-que-ja-nomeou-einstein.htm

Sobre Etnociência:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/586403-os-povos-indigenas-e-a-producao-da-ciencia-na-amazonia

Vídeos sobre os povos indígenas brasileiros:
https://youtu.be/cxdvxwC51Jg
https://cienciaaberta.fapesp.br/programas/os-povos-indigenas-no-brasil

Sobre a cartografia dos sentidos produzida pelos indígenas brasileiros:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142009000200007

Sobre a COVID-19 entre os povos indígenas:
https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/02/covid-19-e-indigenas-os-desafios-no-combate-ao-novo-coronavirus.htm

Documentário Darcy Ribeiro - O Povo Brasileiro:
https://youtu.be/TMNulMYchm0

Sobre Fordlândia:
https://www.google.com.br/amp/s/www.bbc.com/portuguese/brasil-46010638.amp

 

 

 

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