Nas duas últimas décadas, foi grande o número de imigrantes no Brasil. Vamos falar aqui especificamente dos imigrantes haitianos.

Em 2010, eram 595 haitianos residentes no Brasil; a última estimativa de 2019 contou 60 mil. Os motivos para esse aumento significativo são vários: um terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter atingiu o país no dia 12 de janeiro de 2010, seguido de outros dois imediatamente. Crise política e econômica, mais a instabilidade que promoveu a intervenção de forças internacionais, na qual o Exército Brasileiro teve polêmico protagonismo, ficando no Haiti em missão de paz, que envolveu 30 mil soldados no período de 2004 a 2017.

O fato é que os haitianos estão entre nós, com sua cultura, sua história, seu legado, inclusive nas ruas da nossa região. Não há números precisos sobre o número de haitianos na região do ABC, mas é sabido que a grande maioria está em Santo André e há oriundos do país antilhano em São Bernardo também.

O Haiti é um país peculiar, que carrega uma tradição de insurgência, libertadora, fruto da Revolução Haitiana, que teve seu início em 1789, portanto, precedendo em 2 anos a Revolução Francesa e que antecedeu as demais revoltas anticoloniais pelo mundo.


No século XVIII, a ilha de São Domingo estava dividida em duas partes. A primeira sob o controle colonial francês e a outra de domínio espanhol. Esta última hoje se tornou a República Dominicana, enquanto aquela controlada pelos franceses mais tarde tornou-se o que conhecemos como o Haiti. Até 1789, a ilha era a mais rica das colônias francesas, produzindo 40% do açúcar do mundo. O monopólio era administrado por 40 mil colonos franceses a serviço da metrópole. Por sua vez, os escravos eram estimados em meio milhão de pessoas e viviam sobre um regime brutal.

Em 1791, ocorreu a revolta de escravos, o que se tornou o início do processo de independência da região. Os milhares de negros, na grande maioria escravizados, que habitavam a ilha, passaram a abandonar as plantações, destruindo engenhos, matando os brancos que usufruíam deles e os mantinham em estado de escravidão. Instaurava-se, então, uma situação caótica e de guerra.

O movimento de libertação inicialmente não tinha nenhuma liderança, mas, no processo, François Toussaint Breda (que mais tarde adotaria o nome de Toussaint L'Ouverture), neto de um chefe africano, passou a organizar o exército rebelde no combate aos brancos senhores de escravos. Em 1792, um terço da ilha estava sob o controle dos revolucionários e em 1793 é proclamado o fim da escravidão.

O governo francês decidiu abolir formalmente a escravidão na colônia em 1794, mas, com a ascensão de Napoleão Bonaparte, este decide restabelecer a escravidão nas colônias porque precisava do lucro provindo da exploração para sustentar seu projeto expansionista. Bonaparte infringiu algumas derrotas aos revoltosos haitianos, inclusive prendendo Toussaint L’Ouverture. A longa batalha e a resistência dos haitianos fez esmorecer a persistência colonialista e, em 1804, sob o comando de Jacques Dessalines, o Haiti se tornaria uma república independente.

No Brasil, a revolução haitiana inspiraria a Revolta do Malês na cidade de Salvador, por exemplo, em 24 de janeiro de 1835. É considerada a mais importante realizada por escravos urbanos nas Américas, organizada por africanos iorubás (chamados nagôs no Brasil), adeptos do Islã (os malês), mas contou com a participação de escravos e negros libertos de diversas outras nações.

Quando conhecemos um haitiano, que pode ser vizinho ou vizinho do vizinho, é importante que saibamos a história do seu povo, de luta, de conquistas, de perseverança, de resistência.

Em 1993, Caetano Veloso e Gilberto Gil compuseram a canção Haiti no álbum Tropicália 2. A letra transmite parte de uma mensagem via poesia, que os insurgentes haitianos nos passaram como herança e ensinamento, mensagem que vale como nunca para os dias de hoje:

 

Quando você for convidado pra subir no adro / Da fundação casa de Jorge Amado / Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos / Dando porrada na nuca de malandros pretos / De ladrões mulatos e outros quase brancos / Tratados como pretos / Só pra mostrar aos outros quase pretos / (E são quase todos pretos) / E aos quase brancos pobres como pretos / Como é que pretos, pobres e mulatos / E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados / E não importa se os olhos do mundo inteiro / Possam estar por um momento voltados para o largo / Onde os escravos eram castigados. (Haiti).

 

 

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