Para o mar vou descendo
por essa estrada da ribeira.
A terra vou deixando
de minha infância primeira.
Vou deixando uma terra
reduzida à sua areia,
terra onde as coisas vivem
a natureza da pedra.
À mão direita os ermos
do Brejo da Madre de Deus,
Taquaritinga à esquerda,
onde o êrmo é sempre o mesmo.
Brejo ou Taquaritinga,
mão direita ou mão esquerda,
vou entre coisas poucas
e sêcas além de sua pedra.
Deixando vou as terras
de minha primeira infância.
Deixando para trás
os nomes que vão mudando.
Terras que eu abandono
porque é de rio estar passando.
Vou com passo de rio,
que é de barco navegando.
Deixando para trás
as fazendas que vão ficando.
Vendo-as, enquanto vou,
parece que estão desfilando.
Vou andando lado a lado
de gente que vai retirando;
vou levando comigo
os rios que vou encontrando. 
(O Rio, de João Cabral de Melo Neto ) 

 


O poema de João Cabral de Melo Neto conta, com um triste lirismo, uma das realidades mais duras da vida de pessoas e grupos inteiros: a necessidade e a escolha dura de deixar a sua casa, onde nasceram, para construir melhores condições de vida em outras regiões.

No caso do poema, os versos contam a “descida” do sertão pernambucano até a região da orla do Recife, acompanhando o curso do Rio Capiberibe. Desse poema, tiramos inspiração para relembrar um pouco daqueles que tomaram outros caminhos pelos rios de asfalto que trouxeram muitos moradores nordestinos para as regiões mais ao sul do Brasil.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, órgão público responsável pelo censo e fornecimento de dados para a formulação de políticas públicas, em 2010, 64.459 pessoas, maiores de cinco anos, não viviam em São Bernardo do Campo antes de 2005. Dessas, quase a totalidade vivia no perímetro urbano do município.

Neste texto, vamos nos concentrar um pouco sobre uma parcela da população são-bernardense cuja história e trajetória está intimamente ligada ao desenvolvimento urbano e industrial da cidade: os migrantes nordestinos. Sim, falaremos dos nordestinos não apenas por conta da quantidade, mas também para dar conta da diversidade de culturas e saberes existentes que se reuniram aqui por motivo de trabalho.

De uma população de 765.463 pessoas em 2010 (data do último censo geral), 134.417 vieram dos estados da Região Nordeste. Um número grande e que a ele devemos somar, pela nossa ascendência, aqueles são-bernardenses cuja ancestralidade remete às famílias que para cá vieram como mão-de-obra para a construção da Via Anchieta, que, em 1947 (ano de sua inauguração) sinalizava a consolidação do caminho automotivo para entrada e saída de mercadorias de São Paulo para o resto do país e para o mundo. Um caminho de chegadas e partidas também, tal qual o rio do poeta. 

A década de 1940 foi um momento de chegadas e que, depois, vieram mais para trabalhar no polo industrial metalúrgico erguido aqui. Santos era o principal destino até a década de 1940, por conta do porto, mas, ao longo da década, São Bernardo do Campo também foi atraindo os interesses e se consolidando como um dos grandes fluxos migratórios internos do século XX.

 

Baianos, pernambucanos, paraibanos, potiguares, maranhenses, de todas as cidades, instalaram-se aqui e cuidaram de viver e dar vida, cores, sabores e ritmos a esta cidade. Muitas vezes, morando nas periferias, mas, outras, construindo o centro da cidade, como no caso do bairro DER, criado por trabalhadores remanescentes da construção da Via Anchieta, que tornaram o acampamento, que era provisório, em casa e em lugar de viver.

Trouxeram o coentro e o dendê, o sarapatel e a buchada para nos apresentar outro panorama culinário, ao lado do consolidado frango com polenta e da cozinha árabe, compondo uma São Bernardo cuja tradição pôde ser construída a partir da ideia de variedade, de diversidade. Quem nunca passeou pela Avenida Dom Pedro de Alcântara, na Vila São Pedro, ao fazê-lo, vai encontrar um caminho para a compra de produtos nordestinos nas suas casas do Norte (por que “do Norte”?), o coalho pernambucano, dendê baiano e por aí vamos.

Os operários, os forrós, que existiam no centro da cidade e que hoje fazem parte da memória dos moradores que têm mais de 40 anos, o mundo urbanizado, enfim, nos trouxe também a herança dos momentos de diversão, repaginados nos salões. Escrevemos a partir da biblioteca pública, então, não podemos deixar de falar também sobre os artistas da palavra nordestinos que vivem e produzem sua Arte em São Bernardo do Campo, sejam naturais de cidades nordestinas, sejam seus descendentes. Mas isso é uma história que ficará para o próximo texto.

Acompanhe o nosso rio e vá se juntando a outras pessoas que, não mais retirantes, talvez, nem migrantes, vivem, convivem e, com sua estética, contam a história de São Bernardo do Campo também.

Sobre a composição populacional do município
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-bernardo-do-campo/pesquisa/23/24007?detalhes=true

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